Como alguém se tornava escravo na África Pré

A escravidão é um tipo de relação de trabalho que existia há muito tempo na história da humanidade. Já na Antiguidade, o código de Hamurábi, conjunto de leis escritas da civilização babilônica, apresentava itens discutindo a relação entre os escravos e seus senhores. Não se restringindo aos babilônios, a escravidão também foi utilizada entre os egípcios, assírios, hebreus, gregos e romanos. Dessa forma, podemos perceber que se trata de um fenômeno histórico extenso e diverso.

Em Atenas, boa parte dos escravos era proveniente de regiões da Ásia Menor e Trácia. Em geral, eram obtidos por meio da realização de guerras contra diversos povos de origem estrangeira. Os traficantes realizavam a compra dos inimigos capturados e logo tratavam de oferecê-los em algum lucrativo ponto comercial. Mesmo ocupando uma posição social desprivilegiada, os escravos tinham diferentes posições dentro da sociedade ateniense.

Alguns escravos eram utilizados para formar as forças policiais da cidade de Atenas. Outros eram usualmente empregados em atividades artesanais e, por conta de suas habilidades técnicas, tinham uma posição social de destaque. Em certos casos, um escravo poderia ter uma fonte de renda própria e um dia poderia vir a comprar a sua própria liberdade. Em geral, os escravos que trabalhavam nos campos e nas minas tinham condições de vida piores se comparadas às dos escravos urbanos e domésticos.

A escravidão ateniense não era marcada por nenhuma espécie de distinção com relação aos postos de trabalho a serem ocupados. O uso de escravos tinha até mesmo uma grande importância social ao conceder mais tempo para que os homens livres tivessem tempo para participar das assembléias, dos debates políticos, filosofar e produzir obras de arte. Conforme algumas pesquisas, a classe de escravos em Atenas chegou a compor cerca de um terço da população no Período Clássico.

No caso da cidade-Estado de Esparta, a escravidão tinha uma organização distinta. Os escravos, ali chamados de hilotas, eram conseguidos por meio das vitórias militares empreendidas pelas tropas espartanas. Não dando grande importância às práticas comerciais, por causa de sua cultura xenófoba, a escravidão não articulava um comércio de seres humanos no interior desta sociedade. Os escravos eram de propriedade do Estado e ninguém poderia ser considerado proprietário de um determinado escravo.

O Império Romano foi uma das sociedades antigas onde a utilização da mão-de-obra escrava teve sua mais significativa importância. Em geral, os escravos trabalhavam nas propriedades dos patrícios, grupo social romano que detinha o controle da maior parte das terras cultiváveis do império. Assim como em Atenas, o escravo romano também poderia exercer diferentes funções ou adquirir a sua própria liberdade. A única restrição jurídica contra um ex-escravo impedia-o de exercer qualquer cargo público.

No primeiro século as relações entre o escravo e o seu senhor começaram a sofrer algumas alterações impostas pelo governo romano. Uma das obrigações essenciais do senhor consistia em dar uma boa alimentação ao seu escravo e mantê-lo bem vestido. No século I, os senhores foram proibidos de castigar seus escravos até a morte e, caso o fizessem, poderiam ser julgados por assassinato. Além disso, um senhor poderia dar parte de suas terras a um escravo ou libertá-lo sem nenhuma prévia indenização.

Essas medidas em favor dos escravos podem ser vistas como uma conseqüência imediata a uma rebelião de escravos, liderada por Espártaco, que aconteceu em Roma no ano em 70 d. C.. Nos séculos posteriores, as invasões bárbaras e a redução dos postos militares fizeram com que o escravismo perdesse sua força dentro da sociedade romana. Com a ascensão da sociedade feudal, a escravidão perdeu sua predominância dando lugar para as relações servis.

A escravidão existe desde o início da história humana, mas só atingiu uma escala industrial quando colonos europeus levaram à força 12,5 milhões de africanos para a América. O resultado desse processo é que, pela primeira vez, a cor negra da pele se torna sinônimo de sujeito escravizado. As duas constatações estão no livro Escravidão, de Laurentino Gomes, conhecido pelos best-sellers 1808, 1822 e 1889.

Se na primeira trilogia o autor reconstituiu a construção institucional do Brasil nos anos que antecederam a proclamação da República, a nova pesquisa se debruçou sobre a formação social do país. "Se você quiser entender o Brasil em uma dimensão mais profunda, precisa estudar a escravidão. Tudo que fomos no passado, o que somos hoje e que nós gostaríamos de ser no futuro tem a ver com a escravidão", afirmou ao EL PAÍS, em uma livraria em São Paulo.

O legado da escravidão, que perdurou por mais de 300 anos e trouxe ao país cerca de 5 milhões de negros e negras, deixou sequelas profundas. O autor afirma que o Brasil precisa de uma segunda abolição, "já que a maioria da população pobre é negra, sem acesso à educação, saúde e empregos decentes", diz.

Laurentino também defende que países que utilizaram mão de obra escrava devam pedir perdão, ainda que a questão seja polêmica. "É uma questão de honestidade, algo simbólico, porque foi um massacre, uma tragédia humanitária de grandes proporções. Agora, tenho dúvida se seria possível pagar essa dívida. Hoje, na África, há uma elite que é herdeira militar beneficiada pelo tráfico de escravos, aliado aos europeus. O rei Ashanti, em Gana, era fornecedor de cativos para ingleses e holandeses. Quem vai indenizar quem?", questiona.

A entrevista é de Guilherme Henrique e Naiara Galarraga Gortázar, publicada por El País, 20-11-2019.

Eis a entrevista.

Você aprendeu mais com a trilogia feita anteriormente ou com esse livro?

Com essa trilogia. A trilogia anterior me ajudou a entender o Brasil do ponto de vista burocrático, institucional, legal, ou seja, como foi a construção do estado brasileiro durante o século XIX depois do rompimento dos vínculos com Portugal. São três datas ícones: 1808, que é a chegada da corte fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte e o início o processo de independência do Brasil. O resultado é 1822, com a independência de fato. O Brasil se mantém como monarquia durante 67 anos, o que os historiadores chamam de uma "flor exótica da América", já que estávamos cercados de repúblicas. E a terceira data é 1889. Essa três datas ajudam muito a entender o que nós temos em Brasília hoje, essa promiscuidade entre interesses públicos e privados. Mas, se você quiser entender o Brasil em uma dimensão mais profunda, precisa estudar a escravidão, que é o assunto mais importante da história do país.

De que forma?

Tudo que fomos no passado, o que somos hoje e que nós gostaríamos de ser no futuro tem a ver com a escravidão. Primeiro por uma razão estatística: o Brasil foi o maior território escravista da América, com quase 5 milhões de cativos africanos. Isso dá 40% do total de africanos escravizados que embarcaram para o Novo Mundo, estimado em 12,5 milhões. Foi o país que mais tempo demorou para acabar com o tráfico negreiro, com a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, e o último a acabar com a própria escravidão, em 1888. O Brasil foi construído por escravos, em todos os ciclos econômicos, passando pelo açúcar, ouro, diamante, café. A escravidão não é um assunto acabado, tema de museu ou livro de história. Ela está presente na realidade brasileira. Os abolicionistas do século XIX, como Joaquim Nabuco, Luiz Gama, André Rebouças e José do Patrocínio, defendiam que o Brasil precisava fazer duas abolições. A primeira era parar de comercializar gente como mercado, algo ocorrido com a Lei Áurea. A segunda era incorporar os ex-escravos na sociedade brasileira como cidadãos, dando terra, emprego, educação, e isso o Brasil jamais fez. O país abandonou sua população afrodescedente à própria sorte.

Por que o Brasil os abandonou ?

Quando você olha a história da abolição no Brasil, há uma história branca. O Brasil, no final do século XIX, tornou-se um pária no cenário internacional, como foi a África do Sul na época do Apartheid. A elite brasileira se deu conta de que a escravidão comprometia a imagem do país perante o mundo supostamente desenvolvido. Havia uma nobreza aqui, como se fosse Versailles ou a Corte Espanhola, de um país que se julgava europeu, monárquico, com uma imagem imperial. Mas a realidade nas ruas era de escravidão, pobreza e anafalbetismo. A Lei Áurea procura livrar o país dessa nódoa, mas o Brasil nunca fez nenhum esforço para incorporar sua população, porque isso significava abrir mão dos privilégios, riquezas, redirecionar os recursos do Estado para pessoas que não tinham oportunidade.

O resultado disso é que hoje nós somos um dos países mais segregados do mundo, embora não tenhamos leis de segregação racial como houve nos EUA até a luta pelos direitos civis. Mas somos um país segregado na geografia, basta ir ao Rio de Janeiro e ver quem mora nos bairros violentos e dominados pelo crime organizado e quem vive em Copacabana ou no Leblon, na zona sul. Também é um país segregado nos números, indicadores sociais. Por qualquer critério que você queira medir o Brasil, seja renda, emprego, segurança pública, existe um abismo entre oportunidades para a população branca e negra. Um homem negro aqui tem oito vezes mais chances de morrer em um homicídio do que um homem branco. Nós somos um país profundamente preconceituoso. No passado, desenvolvemos alguns mitos de que seríamos uma grande democracia racial, de que a convivência era cordial e amigável. Se você entrar numa rede social agora vai ver as manifestações de racismo explícitas, cruas, inclusive no discurso do presidente da República.

Qual a maior diferença da escravidão ocorrida nas Américas para a escravidão na história?

É como se a escravidão fizesse parte do código genético humano. Houve no Egito Antigo, na Babilônia, na Grécia Antiga e na África antes da chegada dos europeus. A própria etimologia da palavra escravo, slave em inglês, vem de "slavo", do povo branco que era escravizado no leste da Europa pelo Império Romano. A africana tem duas novidades: a primeira é a escala industrial, com 12,5 milhões de pessoas embarcadas em cerca de 35 mil viagens de navios negreiros para trabalhar em atividades no Novo Mundo que podem ser consideradas pré-industriais. A divisão dos trabalhos, os turnos, a hierarquia, a maneira de funcionamento de um engenho de açúcar no Nordeste brasileiro, ou de uma mina de diamante, se assemelhavam muito às futuras fábricas da revolução industrial na Inglaterra. A segunda característica está no nascimento do racismo: é a primeira vez na história da humanidade que há a associação entre a escravidão e a cor negra da pele. Há toda uma ideologia construída, inclusive de fundo religioso, para dizer que os africanos eram selvagens, bárbaros, pagãos, praticantes de religiões demoníacas, e que portanto a melhor coisa que poderia acontecer com o africano era ser escravizado para se incorporar a suposta civilização europeia que se instalava nos trópicos. Era muito comum nas discussões do parlamento brasileiro a ideia de que a escravidão era a redenção dos escravos. O Padre Antônio Vieira, no final do século 17, defendia a ideia de que era uma graça divina que os escravos tivessem tido a oportunidade de serem escravizados para se incorporar a Igreja Católica.

A Igreja Católica fez uma distinção entre índios e africanos, certo?

Há uma discussão filosófica e teológica sobre a conveniência ou não de escravizar índios. Mas a realidade é que os índios foram massacrados. Portugueses e espanhóis, quando chegaram à América, tentaram de todas as formas escravizar os índios. A primeira carga de escravos que cruza o oceano atlântico não foi da África para o Brasil, mas foi daqui para Portugal, em 1511. Uma nau chamada "Bretoa", de um senhor chamado Fernando de Noronha, que hoje dá o nome ao nosso arquipélago no nordeste, levando uma carga de pau-brasil, peles de onça pintada, papagaios e 35 indígenas que seriam leiloados em Portugal. Nos três séculos seguintes o Brasil matou um milhão de indígenas a cada 100 anos de diversas maneiras: expulsão de terras, guerras, extermínio e, principalmente, pelas doenças, como gripe, sarampo e varíola. A inviabilidade prática da escravidão, todo esse massacre indígena, coincide com a discussão filosófica dos jesuítas que afirmavam que eles não deveriam ser escravizados. Mas o fato é que os portugueses e espanhóis não conseguiram realizar seu projeto inicial que era escravizar os índios. Se eles tivessem conseguido, talvez não tivéssemos a escravidão africana, porque tínhamos 5 milhões de índios aqui, que foi o número aproximado de africanos trazidos para o Brasil. Há também uma justificativa bíblica para se voltar à África. No livro do Gênesis, Noé, após dilúvio, se torna produtor de vinho. Em uma determinada ocasião, ele bebe demais, se embriaga e dorme completamente nu dentro de casa. Os três filhos chegam e um deles, ao ver o pai daquele jeito, ridiculariza-o. É o Cam. Ao acordar, Noé teria lançado a "Maldição de Cam", dizendo que os descendentes dele seriam escravos. Os padres jesuítas diziam que os descendentes de Cam seriam os negros africanos e, portanto, candidatos naturais a escravidão. Isso era repetido de forma exaustiva.

Alguns pensadores do século XVIII e XIX, defensores da liberdade, eram a favor da escravidão?

Sim, David Hume [filósofo e escritor britânico] por exemplo. Ele era acionista de uma companhia de tráfico de escravos. Thomas Jefferson, que escreveu a declaração de independência dos EUA dizendo que todo ser humano nasce com direitos iguais, era dono de um plantel enorme de escravos. Tiradentes, herói da Inconfidência Mineira, era dono de meia dúzia de escravos no ano que foi morto, no Rio de Janeiro.

Os países precisam pedir perdão pela escravidão?

Creio que sim. É uma questão de honestidade, algo simbólico, porque foi um massacre, uma tragédia humanitária de grandes proporções. Agora, tenho dúvida se seria possível pagar essa dívida. Hoje, na África, há uma elite que é herdeira militar beneficiada pelo tráfico de escravos, aliado aos europeus. O rei Ashanti, em Gana, era fornecedor de cativos para ingleses e holandeses. Quem vai indenizar quem? É difícil. Acho que uma atitude política de pedir perdão é importante. O Papa João Paulo II fez isso ao visitar a ilha de Goreia, em Senegal. Não foi pela Igreja como um todo, mas pelos católicos que se envolveram no tráfico de escravos. É algo importante para ir diminuindo essa ferida. As cotas preferenciais para afrodescentes em escolas e postos da administração pública. Mas o simbólico também ajuda. Há uma dívida histórica que precisa ser enfrentada por palavras e gestos concretos.

O livro diz que para cada 100 habitantes do Brasil durante a escravidão, 86 eram escravos e 14 colonos brancos. Por que não houve uma rebelião, por exemplo? O que sustentava essa sociedade?

Havia manuais que aconselhavam fazendeiros a não manter plantéis de mesma origem, cultura, língua ou região geográfica. Isso impedia que eles se rebelassem. Existia, também, um sistema de premiação e punição. Se o escravizado fosse rebelde, era chicoteado. Se fosse cooperativo, ganhava folga semanal, o direito de cultivar uma horta, de ir à missa e de ganhar sua própria alforria. O Brasil teve um altíssimo número de alforrias. Um historiador norte-americano, Donald Ramos, afirma que a alforria foi um dos sistemas de controle mais eficientes do sistema escravista, porque ele oferecia ao cativo uma oportunidade de conquistar a liberdade e de escapar da escravidão. Há um estudo do historiador Manolo Florentino que diz que apenas 5% dos escravos brasileiros se rebelaram, fugiram e formaram quilombos. A principal forma de resistência era tentar ocupar os espaços que a sociedade escravista dava para o escravo se aproximar do universo dos brancos. Participar das irmandades religiosas, como a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia, dava um "status social" para o escravo, com um papel simbólico. Existia um branqueamento cultural: quanto mais rápido ele se distanciasse da cultura africana, mais "vantajoso" seria.

Você escreve que existia uma briga entre negros nascidos no Brasil e os crioulos. Como era isso?

O crioulo era o escravo de primeira geração nascido no Brasil. O negro boçal era o recém-chegado, também chamado de "preto novo". O sujeito nascido no Brasil se julgava superior, porque ele havia migrado para o universo dos brancos. Ele já tinha constituído família, falava a língua portuguesa, participava das irmandades religiosas e possuía o código da sociedade colonial portuguesa. O escravo chegado da África, não. As rebeliões aconteceram justamente nesse universos dos escravos recém-chegados. Palmares, por exemplo, era formado por negros Jagas de Angola, que se rebelaram no final do século 16, e fugiram para a Serra da Barriga, em Alagoas. A Revolta do Malês, de 1835, foi feita por negros muçulmanos, na Bahia, oriundos da Nigéria. As revoltas, fugas e quilombos ocorreram quase sempre por duas razões principais: crise na sociedade branca, como no caso de Palmares, ocorrida durante guerra contra os holandeses, ou em decorrência da homogeneidade étnica e a concentração de africanos que falavam a mesma língua e possuíam afinidade cultural.

Você consultou fontes de testemunhos de escravos para fazer o livro?

Pouco. Infelizmente, a história da escravidão é contada por pessoas brancas. Capitães de navios negreiros, viajantes europeus que visitaram o Brasil ou a África no período. Existem alguns depoimentos e biografias relativamente raras. Outra fonte preciosa para ouvir os escravos são inquéritos policiais quando eles eram acusados de crimes. Tem inquéritos da Inquisição Católica que relatam escravos presos e levados para Portugal acusadas de feitiçaria e de contrariar a doutrina da Igreja. O principal quilombo do Brasil, Palmares, não tem nenhuma fonte a partir dos quilombolas. Tudo que se sabe de Palmares são de relatórios e de expedições militares enviadas ao local.

Sobre esse tema, você questiona a figura de Zumbi e sua luta contra a escravidão. Não é uma contradição refutar a história do principal líder negro usando relatórios utilizados pelo Exército, que era majoritariamente branco?

De certa forma, sim. A história da escravidão é um assunto sensível, porque há uma guerra de narrativas. E não é por acaso que abro este capítulo falando do calendário cívico brasileiro, com o 13 de maio e a Lei Áurea, e o 20 de novembro, da Consciência Negra, com a morte de Zumbi. É uma guerra em andamento pela memória da escravidão. Não tomo partido se o Zumbi era abolicionista ou um grande general comparado a Napoleão Bonaparte ou Alexandre o Grande, como alguns historiadores negros tentaram fazer. O que eu mostro é a construção do Zumbi como herói nacional. Chego a conclusão que o verdadeiro Zumbi não está nos documentos e que há pouquíssima coisa. O que se sabe é a partir da história branca. O verdade Zumbi está na cabeça das pessoas, é um herói mítico. Agora, sem dúvida, se trata de um herói negro brasileiro, que se contrapõe à Princesa Isabel. Coloco no livro coisas curiosas que dificultam a construção desse herói, como a história do Luiz Mott [antropólogo], que levantou a hipótese de que Zumbi fosse gay. Ninguém incorporou esse herói gay, porque vivemos em um país homofóbico, misógino. Claro que tive muito cuidado para construir esse capítulo, porque ele mexe com um personagem muito importante para a identidade negra, mas eu não poderia fugir da raia e comprar uma história que não existe nos documentos. Quis mostrar diferentes narrativas e versões para que o leitor entenda que a história não se faz apenas de personagens reais e concretos, mas também de projeção mitológica.

Quando você terminou o livro, alguém negro leu?

Não. Passei para dois africanistas: o embaixador Alberto da Costa Silva e Irene Vida Gala. Eles me deram contribuições muito importantes. A Irene me chamou a atenção para algo que tento deixar evidente: os diferentes olhares sobre a escravidão. Existe o olhar negro, o olhar branco e olhar atento, que é onde me enquadro. Mas não tentei preencher cotas. Seria hipocrisia da minha parte tomar esse tipo de atitude, porque não fiz isso nos meus outros livros. Seria apenas relações públicas. Ao falar da proclamação da República, não chamei um republicanista e um monarquista para dar diferentes opiniões.

O que poderia ser uma segunda abolição no Brasil?

Acho que é o nosso principal desafio no século XXI. Se você imaginar que a riqueza das nações não está mais nos recursos naturais, mas no capital humano, o Brasil nunca será um país decente, digno dos nossos sonhos, enquanto a imensa maioria da população não tiver educação, saúde e empregos decentes. Enfrentar a desigualdade social no Brasil é sinônimo de uma segunda abolição, porque a maioria dos pobres são negros. Por isso digo que não é só uma reparação histórica, mas um investimento no futuro. Essa é a principal agenda política daqui para frente, ainda que tenhamos um governo hostil. Isso é um tema represado do século XIX. Qualquer governo, partido político ou campanha eleitoral vai se defrontar com esse legado.

Leia mais

  • O Brasil na potência criadora dos negros – O necessário reconhecimento da memória afrodescendente. Revista IHU On-Line, Nº. 517
  • Resistência Viva. A luta de Zumbi e Dandara continua. Revista IHU On-Line, Nº 477
  • Negros têm 2,7 mais chances de serem mortos do que brancos, diz IBGE
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  • A dívida da escravidão
  • “Nunca houve tantos escravos como hoje”
  • Quando a Igreja amava todos os homens, exceto os africanos
  • Tráfico de pessoas. A forma contemporânea de escravidão humana. Revista IHU On-Line, Nº 414
  • "Formas contemporâneas de escravidão ainda prevalecem em todas as regiões do mundo". Entrevista com Urmila Bhoola
  • Trabalho escravo contemporâneo é marcado por obstáculos e omissões dos poderes públicos. Entrevista especial com Xavier Plassat
  • O tráfico de pessoas movimenta quase tanto dinheiro quanto o comércio de drogas e armas em nível mundial
  • Escravidão é até 30 vezes mais lucrativa hoje do que nos séculos 18 e 19, diz economista
  • O negro no Rio Grande do Sul: uma história de omissão e esquecimento
  • A exclusão do negro e a negação das raças
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“Infelizmente, a história da escravidão é contada por pessoas brancas”. Entrevista com Laurentino Gomes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Como alguém se tornava escravo na África Pré

As pessoas se tornavam escravas na África principalmente em razão das guerras: membros de tribos rivais eram reduzidos à condição de cativos, ou seja, escravos. As guerras se davam entre os diversos reinos africanos e, também, por meio dos conflitos que ocorriam entre as diferentes etnias africanas.

Como os africanos se tornaram escravos?

Os africanos escravizados eram obtidos pelos traficantes por meio de emboscadas realizadas no interior do continente africano ou também por meio da venda direta, caso o escravo fosse um prisioneiro de guerra ou alguém vendido para a escravização como punição por algum delito, como roubo ou adultério.

Como se iniciou a escravidão na África?

Escravidão. ESCRAVIDÃO, ESCRAVO NEGRO: a chamada "escravidão moderna, ou escravidão negra" começou com o tráfico africano no século XV, por iniciativa dos portugueses (em 1444, estes começam a adquirir escravos negros no Sudão), com a exploração da costa da África e a colonização das Américas.

Como era a escravidão na África antes?

A escravidão na África se estabeleceu em moldes domésticos. Nela, o escravo era obtido por meio da guerra, por exemplo, e poderia até ter certo grau de autonomia, podendo se casar e ter terras. Com o tempo, ele era integrado à comunidade de que passou a fazer parte.

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