Discuta com os colegas e o professor esse texto tem um alto ou um baixo grau de informatividade

para legislar sobre publicidade e para impor a resolução tanto às famílias quanto ao mercado publicitário. Além disso, defendem que a autorregulamentação pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já seria uma forma de controlar e evitar abusos. IDOETA, P. A.; BARBA, M. D. A publicidade infantil deve ser proibida? Disponível em: www.bbc.co.uk. Acesso em: 23 maio 2014 (adaptado). Texto 2 Texto 3 Precisamos preparar a criança, desde pequena, para receber as informações do mundo exterior, para compreender o que está por trás da divulgação de produtos. Só assim ela se tornará o consumidor do futuro, aquele capaz de saber o que, como e por que comprar, ciente de suas reais necessidades e consciente de suas responsabilidades consigo mesma e com o mundo. SILVA, A. M. D.; VASCONCELOS, L. R. A criança e o marketing: informações essenciais para proteger as crianças dos apelos do marketing infantil. São Paulo: Summus, 2012 (adaptado). INSTRUÇÕES: • O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado. • O texto definitivo deve ser escrito à tinta, na folha própria, em até 30 linhas. • A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de Questões terá o número de linhas copiadas desconsiderado para efeito de correção. Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que: • tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada “insuficiente”. • fugir ao tema ou que não atender ao tipo dissertativo-argumentativo. • apresentar proposta de intervenção que desrespeite os direitos humanos. • apresentar parte do texto deliberadamente desconectada com o tema proposto. Editoria de Arte/Folhapress 199PRODUÇÃO DE TEXTO A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP1_180a200.indd 199 5/12/16 6:24 PM ANTES DE ESCREVER Planeje sua dissertação, seguindo estas orientações: • Leia com atenção os textos motivadores e as instruções que constam na proposta. • Releia o enunciado em que é proposto o tema e defina um ponto de vista sobre o assunto para adotar em seu texto. • Definido o ponto de vista, identifique nos textos motivadores fatos e dados que possam ajudar na construção de argumentos. • Faça uma proposta de intervenção objetiva e direta, específica para o tema (evite propostas extremamente genéricas, que podem ser aplicadas a problemas variados) e que respeite os direitos humanos. • Fique atento(a) à progressão referencial (retome as estratégias apresentadas na seção Língua e linguagem deste capítulo). • Empregue operadores argumentativos que contribuem para uma leitura fluente do texto, evidenciando a orientação argumentativa adotada. ANTES DE PASSAR A LIMPO Antes de dar sua dissertação por finalizada, observe: • se o ponto de vista que você adotou está claro e bem fundamentado; • se os fatos e dados dos textos motivadores apresentados ajudam na construção dos argumentos; • se a proposta de intervenção respeita os direitos humanos, está clara, é apresentada de maneira objetiva e tem relação específica com a situação abordada no texto; • se a progressão referencial está desenvolvida de forma adequada no texto; • se os operadores argumentativos utilizados são adequados, orientando a leitura para a argumentação adotada. 200 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP1_180a200.indd 200 5/12/16 6:24 PM A geração de 45: João Cabral de Melo Neto LITERATURA A geração de 45: João Cabral de Melo Neto Análise linguística: informatividade e senso comum A dissertação (II) CAPÍTULO 2 A partir de 1945, a literatura brasileira tomou novos rumos e se voltou essencialmente para pesquisas estéticas relacionadas com a linguagem e com o processo de criação literária, distanciando­se dos temas abordados pela geração de 1930, que recaíam sobre os problemas sociais e políticos do país. O interesse da geração de 1945 por questões formais levou alguns críticos a associá­la ao Parnasianismo, como se ela representasse um reflorescimento dessa corrente. Outros críticos, entretanto, entendem que, considerando­se os principais autores desse período, Personagens na noite (1950), de Joan Miró. Coleção particular 201 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 201 5/12/16 6:13 PM não há ruptura entre essa geração e o Modernismo de 22, uma vez que os primeiros modernistas também se envolveram com a pesquisa estética. Além disso, algumas experiências da geração de 1930, como o regionalismo e a introspecção psicológica no romance, tiveram continuidade, embora com matizes diferentes. Entre os principais poetas dessa geração, destacam­se Péricles Eugênio da Silva Ramos, José Paulo Paes, Alphonsus de Guimaraens Filho, Geir Campos, Paulo Bonfim e João Cabal de Melo Neto, que você vai estudar neste capítulo. Na prosa, destacam­se Clarice Lispector e Guimarães Rosa, que você vai estudar no capítulo seguinte, e Lygia Fagundes Telles, Carlos Heitor Cony, Rubem Braga e Dalton Trevisan, entre outros. A geração de 1945 em contexto Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, e a vitória das forças democráticas, o governo ditatorial de Getúlio Vargas se enfraqueceu e, nesse mesmo ano, foi deposto. Enquanto o mundo ocidental mergulhou na situação da Guerra Fria, resultante de disputas entre os países capitalistas e os países do bloco socialista, o Brasil passou a viver um período democrático e desenvolvimentista, cujo auge foi o governo de Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília. Esse processo se estendeu até o golpe de 1964, quando os militares tomaram o poder. Nesse contexto democrático brasileiro, a literatura da geração de 1945 deixou de se ocupar com questões predominantemente políticas e sociais e começou a se interessar por experiências estéticas. Amplie seus conhecimentos sobre o Modernismo da geração de 1930, pesquisando em: LIVROS • Leia algumas das principais obras de autores da geração de 1945, como Campo geral e Sagarana, de Guimarães Rosa; Laços de família e A hora da estrela, de Clarice Lispector; Melhores poemas de João Cabral de Melo Neto (Global). FILMES • Morte e vida severina, de Walter Avancini; A terceira margem do rio, de Nelson Pereira dos Santos; Mutum, de Sandra Kogut; Outras estórias, de Pedro Bial; Noites do sertão, de Carlos Alberto Prates Correia; As meninas, de Emiliano Ribeiro; Morte e vida severina, animação do cartunista Miguel Falcão, disponível na Internet. DECLAMAÇÕES • Ouça o disco João Cabral de Melo Neto, no qual o próprio poeta declama seus poemas, com fundo musical de Egberto Gismonti (algumas faixas estão disponíveis na Internet). Ouça também o disco Clarice Lispector – Contos, no qual a atriz Aracy Balabanian declama alguns textos de Clarice Lispector (algumas das faixas estão disponíveis na Internet). Ouça, ainda, Lirinha, vocalista da banda Cordel do Fogo Encantado, declamando parte de “Os três mal-amados”, de João Cabral (disponível na Internet). PINTURAS • Conheça a obra dos pintores Volpi e Aldemir Martins, que começaram a expor na década de 1940. A obra de Volpi, a partir da década de 1950, começou a se destacar pelo abstracionismo geométrico. FIQUE CONECTADO! João Cabral de Melo Neto João Cabral foi o mais importante poeta da geração de 1945. Sua poesia mostra uma marca pessoal inconfundível e representa um corte em relação a antigas concepções sobre a criação poética. Na visão dele, a poesia não é fruto de inspiração, nem do sentimento do poeta ou da beleza dos temas que aborda, mas de um cuidadoso trabalho de organização textual. Assim, contrariamente à tradição romântica, centrada na subjetividade, a poesia de Cabral se descola da figura do poeta ou do eu lírico e prima pela objetividade, pela razão, pela simetria e pela relação intrínseca entre conteúdo e forma. Quando seu poema fala de facas ou de pedras, por exemplo, as palavras são duras e cortantes como se o próprio poema fosse feito dos objetos de que trata. São exemplos dessa orientação os livros – Pedra do sono, O engenheiro (1945), Psicologia da composição, com a fábula de Anfion e Antiode (1947). Rocco Digital Ipê Artes Filmes/Emiliano Ribeiro 202 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 202 5/12/16 6:13 PM literatura A partir de Cão sem plumas (1950), entretanto, a poesia de Cabral começou a se voltar mais para a realidade, em especial a de seu Estado natal. Dessa experiência, surgiram várias obras importantes relacionadas com a seca, com o rio Capibaribe, com a miséria nordestina e com a migração. São dessa fase as obras O rio ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife (1954) e, principalmente, Morte e vida severina (1965), a obra mais conhecida do autor, adaptada para o cinema e a televisão. Morte e vida severina é um auto de Natal, ou seja, um gênero literário pertencente à esfera teatral, como os autos de Gil Vicente produzidos na Idade Média. O texto narra a trajetória de Severino, retirante que sai do sertão pernambucano, castigado pela seca, à procura de trabalho e de um lugar melhor para viver. Seguindo o curso do rio Capibaribe, o protagonista vê um terrível quadro de miséria, fome, doenças e morte. Quando chega a Recife, nota que os retirantes do sertão se transformaram em operários e que continuam vivendo na miséria, porém agora em favelas. Como é um “auto de Natal” (relacionado ao nascimento de Jesus), no final da obra ocorre o nascimento de uma criança, que representa a esperança. Entre outras obras, o autor escreveu também A educação pela pedra (1966), Museu de tudo (1975) e A escola das facas (1980). FOCO NO TEXTO Você vai ler, a seguir, dois textos de João Cabral: o primeiro pertence à obra Educação pela pedra; o segundo é o início de Morte e vida severina. Texto 1 Catar feij‹o A Alexandre O’Neill 1. Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na da folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a com o risco. (Poesias completas. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 21.-2.) açular: incitar, intensificar. alguidar: vasilha que tem o diâmetro da boca maior do que o do fundo, usada em serviços domésticos. fluviante: neologismo, criado pelo autor, com sentido relacionado a fluvial (que diz respeito a rio). João Cabral de Melo Neto João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu em Recife, Pernambuco, onde fez seus primeiros estudos. Era primo de Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, com quem teve grande convivência. Em 1942, mudou-se para o Rio de Janeiro e, nesse mesmo ano, publicou Pedra do sono, sua primeira obra poética. Em 1945, foi aprovado em concurso para o Itamaraty e, desde então, passou a viver no exterior. Morou em cidades como Barcelona, Londres, Sevilha, Marselha, Genebra e Dacar. Foi embaixador e teve contato com vários artistas no exterior, entre eles o pintor Joan Miró, de quem foi amigo pessoal. Homero Sérgio/Folhapress Sofia Colombini/Fabio Colombini 203 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 203 5/12/16 6:13 PM Texto 2 o retirante explica ao leitor quem é e a que vai — O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar algum roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra. (Idem, p. 203-4.) o retirante aproxima-se de um dos cais do Capibaribe — Nunca esperei muita coisa, é preciso que eu repita. Sabia que no rosário de cidade e de vilas, e mesmo aqui no Recife ao acabar minha descida, não seria diferente a vida de cada dia: que sempre pás e enxadas foices de corte e capina, Ilustração de Carybé para a obra Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto. (Ilustração de Carybé. In: João Cabral de Melo Neto. Morte e vida severina. 30. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. Capa.) 204 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 204 7/6/17 08:38 LITERATURA ferros de cova, estrovengas o meu braço esperariam. Mas que se este não mudasse seu uso de toda vida, esperei, devo dizer, que ao menos aumentaria na quartinha, a água pouca, dentro da cuia, a farinha, o algodãozinho da camisa, ou meu aluguel com a vida. E chegando, aprendo que, nessa viagem que eu fazia, sem saber desde o Sertão, meu próprio enterro eu seguia. Só que devo ter chegado adiantado de uns dias; o enterro espera na porta: o morto ainda está com vida. (Idem, p. 203-4 e p. 229.) 1. O poema “Catar feijão” apresenta duas partes, cada uma constituída por uma estrofe. Na primeira parte, é feita uma comparação entre o ato de escrever e o de catar feijão. a. Em que as duas situações se assemelham? b. Ao se jogarem os grãos de feijão na água do alguidar, o que costuma afundar? O que deve ser jogado fora? c. Ao se jogarem as palavras na água da folha de papel, o que costuma flutuar e deve ser jogado fora? O que deve ficar? 2. Na segunda parte do poema, a comparação entre os dois procedimentos apresenta uma diferença. a. Qual é o risco que pode haver no procedimento de catar feijão? O que isso pode provocar? b. No poema, há também o risco de ficar uma “palavra­pedra”? Ela, nesse caso, seria tão prejudicial como no feijão? Justifique sua resposta, dando uma explicação à expressão “leitura fluviante, flutual”. c. Pode­se afirmar que no poema “Catar feijão” existem palavras­pedra? Justifique sua resposta com elementos do texto. 3. Para alguns especialistas, a poesia de João Cabral é uma poesia­objeto, que representa o fim do eu lírico. a. Em que pessoa estão os verbos e os pronomes do poema “Catar feijão”? b. Nesse poema, aparece a voz do eu lírico? São revelados seus sentimentos? 4. Observe o texto 2. Assim como os autos medievais, Morte e vida severina é construída em versos. a. Que medida têm os versos? b. Que relação essa medida tem com a tradição da poesia em língua portuguesa? de pia: da pia batismal, de batismo. estrovenga: foice de dois gumes. quartinha: pequena vasilha de barro, bojuda e de gargalho estreito, usada para manter a água fresca; moringa. Nas duas situações, é preciso escolher: no caso da escrita, escolher palavras, ficando com algumas e eliminando outras; no caso do feijão, separar do feijão aquilo que boia na água. O que afunda é o feijão em bom estado; o que boia na água é palha e grão oco, que devem ser descartados. Na água da folha de papel (no poema), flutua o “leve e o oco, palha eco”, isto é, as palavras que não têm peso, que não são essenciais ou que criam sonoridades indesejáveis e, por isso, devem ser eliminadas. Devem ficar as palavras essenciais, indispensáveis. O risco de ficar entre os grãos de feijão uma pedra ou algo indigesto. No caso de ficar uma pedra, ela pode quebrar o dente. Há o risco, mas no poema a palavra-pedra é desejável, pois dá à frase um sentido mais vivo, evitando que o leitor faça uma leitura “fluviante, flutual”, ou seja, fluida, desatenta, despreocupada. Sim, pois o poema apresenta elementos que chamam a atenção do leitor, como, por exemplo, a oposição entre “Certo” e “Certo não” e a presença de construções que desafiam a compreensão, como nos dos últimos versos da primeira estrofe. Em 3» pessoa. Não, o eu lírico não aparece; no lugar dele, há uma voz que fala do fazer poético de modo objetivo, sem se colocar pessoalmente. Todos têm 7 sílabas poéticas e, assim, são redondilhas maiores. A redondilha tem origem nas cantigas medievais portuguesas, foi utilizada nos autos medievais e é a medida preferida nas cantigas populares no Brasil. Professor: Comente com os alunos que a redondilha também vem sendo largamente utilizada hoje pelos rappers. Cena de Morte e vida severina, representada pela primeira vez no palco do Tuca, em São Paulo, em 1965. Com músicas de Chico Buarque, a peça é, ainda hoje, uma das mais encenadas no país. REGISTRE NO CADERNO Acervo Iconographia 205 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 205 5/12/16 6:13 PM 5. Severino, o protagonista em Morte e vida severina, diz: • “Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida” • “morremos de morte igual, mesma morte severina” De acordo com o poema: a. Quem são os Severinos a que o poema faz referência? Em que se assemelham? b. O que significa uma “vida severina”? c. O que significa uma “morte severina”? 6. Euclides da Cunha, em Os sertões, escreve: “O sertanejo é antes de tudo um forte”. Essa afirmação se aplica ao protagonista de Morte e vida severina, considerando­se a relação dele com a terra? Por quê? 7. A última estrofe do trecho de Morte e vida severina lido se situa na parte final do auto, o momento em que Severino chega a Recife. a. Diante do que encontra, como Severino se sente? b. Que perspectiva Severino enxerga para a sua vida? c. Explique a comparação da viagem de Severino com um enterro. São todas as pessoas vitimadas pela seca e pela miséria no sertão nordestino. Assemelham-se no porte físico, no tipo de vida que levam e no fim que têm. Uma vida de pobreza, de fome, de anemia. Uma morte prematura (“antes dos trinta”), motivada pela violência ou pela fome. Sim, pois, apesar de o solo ser seco e cheio de pedras, os sertanejos nordestinos, representados pelo protagonista Severino, não desistem e tentam cultivar algum roçado, quase sempre sem sucesso. Sente-se desolado, sem esperança, pois percebe que nem mesmo uma vida pobre, mas digna, ele será capaz de ter na capital. Apenas a perspectiva da morte. Severino vê a viagem que fez pelo sertão como a caminhada de um enterro, porém dele próprio, uma vez que, na perspectiva que passa a ter, ele conclui que chegou a uma situação que resultará na sua morte precoce e iminente. Por meio da leitura de textos feita neste capítulo, você viu que: • com as mudanças políticas que ocorreram em 1945, em especial o fim da Segunda Guerra Mundial e o fim do Estado Novo no Brasil, a literatura brasileira buscou novos rumos e novas experiências, direcionadas principalmente para experiências estéticas; • entre a geração de 45 e os modernistas, não há propriamente uma ruptura, pois a pesquisa estética já era uma proposta da geração de 1922; • a poesia de João Cabral de Melo Neto, o principal poeta da geração de 1945, representa uma ruptura com a tradição lírica da poesia, centrada geralmente nos sentimentos do eu lírico; sua linguagem é racional, objetiva e enxuta; é uma linguagem-objeto, que tenta sugerir, pela forma, o objeto de que trata. REGISTRE NO CADERNO 206 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 206 5/12/16 6:13 PM LÍNGUA e LINGUAGEM FOCO NO TEXTO Leia as manchetes do texto a seguir. Análise linguística: informatividade e senso comum LÍNGUA E LINGUAGEM Salles Chemistri (O Estado de S. Paulo, 23/5/2009.) 207 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 207 7/6/17 08:39 1. Sobre as manchetes lidas, responda: a. O que há em comum quanto ao conteúdo de todas elas? b. Levante hipóteses: Qual é o grau de informatividade, isto é, de novidade das informações, das manchetes veiculadas nessa página? c. Explique por que se pode considerar que elas causam estranhamento, tendo em vista a função principal das manchetes de jornal. 2. Leia as duas notícias a seguir. Sol não deve aparecer e capital terá mais um dia frio e nublado Em plena primavera, a capital paulista terá mais um dia de muito frio e tempo fechado nesta quinta-feira, 9. A chance de o sol aparecer na cidade é muito pequena e podem ocorrer chuviscos durante a manhã, mas o céu fica nublado à tarde e à noite a temperatura não deve passar dos 17 °C, segundo previsão do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE). [...] (Disponível em: //sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,sol-nao-deve-aparecer-e-capitaltera-mais-um-dia-frio-e-nublado,256693. Acesso em: 15/3/2016.) Sol não deve aparecer nesta noite A previsão para a noite de sábado e madrugada de domingo é de escuridão. Segundo meteorologistas, o Sol deverá se esconder atrás da linha do horizonte, tornando-se invisível a olho nu. Este é um fenômeno raro que ocorre apenas uma vez a cada 24 horas. A noite deverá ser iluminada por luzes artificiais e a escuridão promete durar pelo menos até as 6 horas da manhã de domingo. Para moradores de outras partes do mundo, no entanto, o Sol estará visível nesse mesmo período. (O Estado de S. Paulo, 23/5/2009.) Ambas as notícias abordam o não aparecimento do sol em situações específicas. a. Para dar credibilidade a seu conteúdo, as duas fazem menção a vozes de autoridade. Identifique os trechos nos quais essas vozes aparecem em cada um dos textos. b. Há, na primeira notícia, um dado que permite considerar o não aparecimento do sol um fato inesperado. Qual é ele? c. Na segunda notícia, há algum dado que permite considerar o não aparecimento do sol um fato inesperado? Justifique sua resposta com base no conteúdo do texto. Todas aparentemente fazem referência a fatos óbvios. Muito baixo ou nenhum. Porque, em geral, as manchetes dos jornais buscam chamar a atenção de seus leitores justamente por divulgarem novidades e informações relevantes, ainda não conhecidas do grande público. “segundo previsão do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE)” e “Segundo meteorologistas”. O fato de a estação ser a primavera, cuja característica típica são dias ensolarados. Não, uma vez que todos os fatos mencionados são óbvios, conhecidos por todos. REGISTRE NO CADERNO Salles Chemistri 208 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 208 5/12/16 6:13 PM língua e linguagem 3. Agora, leia a notícia a seguir. Sol brilha à meia-noite e dia nunca termina no verão da Lapônia É difícil esquecer o brilho do sol à meia-noite. É tão bonito, tão diferente, tão grandioso, que o Globo Repórter saiu em busca do melhor lugar para assistir ao espetáculo. A equipe de reportagem foi em direção à região mais ao norte da Suécia, a Lapônia, um patrimônio da humanidade porque suas montanhas e florestas são totalmente preservadas e por ser ocupada pelo povo “sami” desde a pré-história. [...] Na Lapônia, o sol se mostra o tempo todo, durante o dia e à noite. [...] (Disponível em: //g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/10/sol-brilha-meianoite-e-dia-nunca-termina-no-verao-da-laponia.html. Acesso em: 15/3/2016.) Imagine que a segunda manchete da questão anterior tenha sido publicada em um jornal da Lapônia, no verão. a. Nesse caso, haveria algum dado que permitiria considerar o não aparecimento do sol um fato inesperado? Justifique sua resposta. b. Discuta com os colegas e o professor e levante hipóteses: De quais fatores depende a relevância das informações de um texto? 4. Volte ao texto em estudo, leia a parte inferior dele, em fundo amarelo, e responda: a. Ela faz referência às “notícias aí de cima”. Discuta com os colegas e o professor: Nesse contexto, trata­se realmente de notícias? b. Considerando a página como um todo, qual é, de fato, o gênero desse texto? E qual é a finalidade dele? c. Explique a estratégia utilizada pelo autor do texto para chamar a atenção de seus leitores. d. Tendo em vista suas respostas às questões anteriores, conclua: Qual é a verdadeira relevância informativa das manchetes no texto em estudo? REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA No estudo da seção anterior, você viu que um texto pode apresentar fatos e ideias novas ou pode expor apenas obviedades. A essa novidade, apresentada ou não pelos textos, chamamos relevância informativa, ou informatividade. A informatividade está diretamente relacionada ao conhecimento dos interlocutores sobre o assunto tratado no texto e está também intimamente ligada ao contexto no qual o texto circula. Caso os interlocutores tenham grande conhecimento e domínio sobre o conteúdo veiculado pelo texto, mesmo que haja muitas informações específicas, a informatividade será baixa. Caso eles não tenham domínio sobre o assunto desenvolvido, a informatividade poderá ser considerada grande, ainda que o texto não esgote a discussão em torno daquele tema. Em geral, textos que apresentam pouca informatividade são assim considerados ou por apresentarem declarações óbvias, como as apresentadas no anúncio estudado, ou por apresentarem informações consideradas de senso comum. O senso comum, por sua vez, é compreendido como uma afirmação ou conclusão a que se chega sem necessariamente se ter refletido sobre o assunto apresentado. São Sim, pois como no verão da Lapônia o sol fica aparente mesmo no período noturno, o fato de ele não se mostrar à noite é curioso. Do contexto no qual o texto circula, das informações que os interlocutores têm sobre o assunto, do conteúdo veiculado pelo texto. Não. Um anúncio cuja função é divulgar o desempenho bem-sucedido em vendas de um modelo de carro específico. Simular uma página de jornal que divulga apenas fatos óbvios em estrutura de manchetes e notícias para chamar a atenção dos leitores desse jornal. Enfatizar que o sucesso do carro é tão evidente e esperado quanto as informações óbvias veiculadas no restante da página. REGISTRE NO CADERNO 209 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 209 5/12/16 6:13 PM ideias generalizantes, compartilhadas e disseminadas pelas pessoas comuns em situações cotidianas, reproduzidas em massa sem uma reflexão crítica prévia. As afirmações de senso comum são tidas como dadas e, por isso, são proferidas sem uma fundamentação anterior. Declarações como “os jovens são o futuro da nação”, “os pais sempre querem o bem dos filhos”, “é importante que as autoridades se mobilizem”, “o problema não será resolvido enquanto a população não se conscientizar”, entre muitas outras, são exemplos de ideias de senso comum. Em textos argumentativos, elas em geral enfraquecem a argumentação, pois podem ser inseridas em discussões variadas, qualquer que seja o assunto, uma vez que são extremamente genéricas. APLIQUE O QUE APRENDEU 1. Leia o parágrafo a seguir, escrito por um aluno do ensino médio a partir de uma proposta de redação cujo tema central era violência. A violência no Brasil está cada vez maior, não existe mais respeito entre as pessoas deste país. Existem milhares de pessoas que acham que é com a violência que se consegue as coisas e não é por esse lado; porque devemos refletir muito antes de tomar qualquer decisão precipitada, pois ela pode ser fatal. As pessoas acham que a violência só pode ser combatida por outra violência e ainda chegam a pensar que têm a razão de fazer isso, mas na verdade elas estão enganadas; é por agirem dessa forma que perdem toda a razão que elas pensam ter, porque fazendo isso elas acabam cometendo o mesmo erro de quem começou a violência e isso sem perceber. Ela tem que ser contida, mas não a combatendo com violência, e sim usando de outros meios para obter sucesso. a. Identifique no texto cinco afirmações que tomam por base o senso comum. b. Discuta com os colegas e o professor: Esse texto tem um alto ou um baixo grau de informatividade? Justifique sua resposta. A informatividade de um texto não necessariamente está relacionada a sua qualidade. As placas e avisos de trânsito, por exemplo, não apresentam novidades, uma vez que fazem parte de um código que precisa ser lido e compreendido da mesma forma por motoristas e pedestres. Já em outros contextos, placas e avisos podem trazer informações novas, dando orientações supostamente desconhecidas por seus interlocutores. Leia as placas e os avisos a seguir e responda às questões de 2 a 4. “A violência [...] está cada vez maior”, “não existe mais respeito entre as pessoas”, “Existem [...] pessoas que acham que é com violência que se consegue as coisas”, “devemos refletir muito antes de tomar qualquer decisão precipitada”, “uma decisão precipitada [...] pode ser fatal”, “As pessoas acham que a violência só pode ser combatida por outra violência”. Um baixo grau de informatividade, pois é construído com base em ideias de senso comum. Além disso, faz afirmações genéricas ao utilizar termos e expressões imprecisos, tais como “coisas”, “não é por esse lado”, “isso”, “outros meios”. I. II. REGISTRE NO CADERNO Reprodução/Rony Costa/Finephoto Reprodução/Rony Costa/Finephoto 210 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 210 5/12/16 6:13 PM LÍNGUA e LINGUAGEM 2. Os textos lidos podem ser divididos em dois grupos, descritos a seguir. Leia o boxe “A redundância” e identifique a qual grupo cada um deles pertence, justificando suas escolhas. a. Textos nos quais há informações redundantes. b. Textos em que há uma inadequação entre conteúdo e função social do gênero. 3. Apesar de veicularem alguma informação, os textos lidos apresentam um ponto inusitado em comum quanto a seu grau de informatividade. a. Explique essa afirmação, com base em sua resposta à questão 2. b. Levante hipóteses: Qual é a função de cada um desses textos? c. Imagine um contexto de circulação para cada um desses textos e proponha redações alternativas e modificações, a fim de aperfeiçoar sua informatividade. 4. Os avisos e placas em estudo foram extraídos de postagens de blogs que se intitulavam “placas engraçadas”. Explique a relação entre o grau de informatividade desses textos, sua função social e o suposto humor que eles constroem. I e IV, pois gelado é uma característica intrínseca a todo gelo e um corte de cabelo só pode ser feito ao vivo. II e III, pois o aviso e a placa falam sobre eles mesmos, não cumprindo a função principal comum a esses gêneros. Todos eles apresentam baixo nível de informatividade, tendo em vista a função social de placas e avisos. 3. b) I. Indicar um ponto de venda de gelo. II. Fazer referência a outro aviso ou a um quadro de avisos colocado próximo a ele. III. Impedir a circulação de pedestres ou carros na área. IV. Divulgar a barbearia. 3. c) Entre outras possibilidades: I. Gelo de água potável / gelo em cubos / gelo em barra / gelo triturado / gelo seco. II. A placa poderia ter menos destaque e uma seta apontando para o aviso a que se refere. III. Poderia ser dado maior destaque aos sinais de proibição e a referência à própria placa, deixada em segundo plano. IV. Corta-se cabelo masculino com máquina / a preço baixo. Como se espera que placas e avisos veiculem informações novas ou úteis a quem circula nas áreas em que eles estão, o fato de a informatividade dessas placas ser baixa gera uma quebra de expectativa nos leitores, o que provoca o efeito de humor. III. IV. A redundância A redundância consiste na repetição de uma ideia (ou estrutura) em uma mesma frase. Em geral, as gramáticas tradicionais tratam a redundância de ideias como um uso problemático e vicioso da linguagem, mas há casos em que ela é perfeitamente aceitável, ou mesmo desejável, como quando se quer dar ênfase a uma ideia ou quando é utilizada como recurso estilístico. É preciso, portanto, analisar cada texto para definir se a redundância pode ser mantida ou deve ser eliminada. Veja, a seguir, alguns exemplos de redundância estilística, isto é, utilizada proposital e adequadamente: “Esses direitos são inerentes a toda e qualquer pessoa humana” “Diferentes recursos foram interpostos por ambas as partes” “Sonhar mais um sonho impossível Lutar quando é fácil ceder” (Chico Buarque) REGISTRE NO CADERNO Reprodução/Rony Costa/Finephoto Reprodução/Rony Costa/Finephoto (adaptado) 211 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 211 5/12/16 6:13 PM Leia o texto a seguir, de Millôr Fernandes, e responda às questões de 5 a 7. A vaguidão específica “As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica.” Richard Gehman — Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte. — Junto com as outras? — Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia. — Sim senhora. Olha, o homem está aí. — Aquele de quando choveu? — Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo. — Que é que você disse a ele? — Eu disse pra ele continuar. — Ele já começou? — Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse. — É bom? — Mais ou menos. O outro parece mais capaz. — Você trouxe tudo pra cima? — Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera. — Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite. — Está bem, vou ver como. (O Pif-Paf. O Cruzeiro, 1956. Disponível em: //www2.uol.com.br/ millor/aberto/textos/005/011.htm. Acesso em: 17/3/2016.) 5. O título do texto de Millôr, em uma primeira leitura, pode soar incoerente. a. Explique essa incoerência com base no significado das palavras do título. b. Sugira termos que, em princípio, caracterizariam melhor a palavra vaguidão. c. Sugira termos que, em princípio, combinam melhor com a caracterização específica. 6. As palavras do título se relacionam diretamente ao conceito de informatividade. Levante hipóteses, justificando sua escolha: a. Em tese, qual delas poderia se referir a um texto com baixa informatividade? b. E qual delas poderia se referir a um texto com alto grau de informatividade? 7. Ao ler o texto, é possível compreender o jogo de palavras do título. a. O que há de vaguidão na fala das personagens? Identifique no texto termos que constroem essa ideia de vaguidade. b. Explique por que, nesse caso, o uso dessas palavras não prejudica o entendimento entre essas personagens. c. Imagine situações em que o uso excessivo de termos como esses pode ser prejudicial para o entendimento entre os interlocutores. Vaguidão remete à ideia de “imprecisão, incerteza”, e específica remete à ideia de “precisa, exata”. São palavras que têm sentidos contrários e, colocadas juntas, parecem produzir uma ideia incoerente. Entre outras possibilidades: imprecisão, obscuridade, inconsistência. Entre outras possibilidades: afirmação, verdade, certeza, ideia. Vaguidão, pois a ideia de imprecisão remete a um contexto no qual não há informações relevantes. Específica, pois a ideia de especificidade remete a um contexto de aprofundamento, no qual há muitas informações relevantes. 7. a) Não é possível, para o leitor, entender a quais fatos, pessoas e objetos elas se referem ao longo do texto, dada a utilização de termos genéricos e indefinidos, como: isso, qualquer, outras, outro, alguém, coisa, aquele, ele, ela, tudo. b) Como elas estão conversando, ao vivo, fazem gestos, apontam, mostram e conhecem o contexto, esses elementos completam os sentidos que não podem ser captados por quem não estava presente na conversa. Professor: Comente com os alunos que esse tipo de conversa é muito comum em nosso dia a dia, ainda que não nos demos conta disso. 7. c) Professor: Comente com os alunos que, por esse motivo, é extremamente importante evitar o uso de termos vagos e genéricos no texto dissertativo-argumentativo. Em conversas nas quais os interlocutores não viveram juntos as situações a que fazem referência ou, principalmente, em textos escritos, nos quais autor e leitor estão distantes e não têm contato para construir os sentidos simultaneamente à produção. REGISTRE NO CADERNO 212 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 212 5/12/16 6:13 PM LÍNGUA e LINGUAGEM TEXTO E ENUNCIAÇÃO Leia esta história em quadrinhos. 1. Observe o título da história e levante hipóteses: a. Por que ele está escrito entre aspas? b. A qual das duas personagens essa mesma frase poderia ser atribuída, caso fosse uma fala no contexto da história? c. Por que essa frase está no título, e não no balão da fala da personagem? d. Qual relação pode ser estabelecida entre essa frase e o senso comum? Justifique sua resposta. 2. Ainda a respeito do título: a. Reescreva-o em seu caderno, substituindo as reticências por uma oração que traduza o sentido geral da tira. b. Discuta com os colegas e o professor: Qual a função do operador argumentativo mas nesse contexto? 3. Observe o 1º quadrinho. a. Qual é a relação entre a fala da personagem e o senso comum? b. Que sentimentos manifestam as expressões faciais das personagens? 4. Observe o 2º e o 3º quadrinhos. a. Qual é a relação entre as falas da personagem de vestido rosa e o senso comum? b. Embora faça apenas perguntas, é possível considerar que as falas da personagem de vestido rosa têm um alto grau de informatividade. Justifique essa afirmação. c. Que sentimentos manifestam as expressões faciais da personagem de casaco azul? 5. Observe o último quadrinho. a. Qual é a postura da personagem de casaco azul diante da conclusão da personagem de vestido rosa? b. Justifique essa postura com base no modo como o senso comum é construído na sociedade. Porque faz referência a uma fala de alguém, um discurso de outra pessoa que não o cartunista. Ao homem de casaco azul. Essa frase cria uma expectativa de que se seguirá uma ideia de senso comum, porque se espera na sequência um dizer preconceituoso, e os pensamentos preconceituosos em geral provêm do senso comum, desprovidos de reflexão. Porque pode ser utilizada em diversas situações, não apenas na retratada por essa história. Entre outras possibilidades: “Longe de mim ter preconceito, mas não tenho sensibilidade para compreender as diferenças entre as dificuldades enfrentadas pelos homossexuais e pelos heterossexuais na sociedade atual.”. O operador argumentativo mas dá maior ênfase ao que é dito depois dele; assim, o conteúdo da primeira oração, no qual se diz não ter preconceito, é enfraquecido, e a ressalva prevalece, dando a entender que quem fala é, sim, preconceituoso. A fala reproduz uma ideia do senso comum. Indignação, inconformidade. Sua fala busca contestar o senso comum, apresentando fatos concretos que levam a repensar as ideias preestabelecidas. 4. b) São perguntas que colocam em pauta novos tópicos, a fim de rebater o senso comum e, por trazer esses novos tópicos, é possível considerar que têm relevância informativa. Estranhamento e reflexão. Ele a contesta de forma exaltada. Tendo em vista que o senso comum é um ponto de vista em geral assumido sem uma fundamentação, suas ideias permanecem sendo reproduzidas, independentemente das reflexões despertadas anteriormente. REGISTRE NO CADERNO Laerte/Acervo do cartunista (Laerte. Acervo do cartunista.) 213 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 213 7/6/17 08:39 Nas provas do Enem e de alguns vestibulares, é comum ser solicitado ao estudante que produza um texto dissertativo­argumentativo a partir de um painel de textos motivadores. Esse painel, se bem utilizado, pode ajudar bastante na elaboração do texto. FOCO NO TEXTO Leia a dissertação a seguir, que obteve nota máxima em uma prova de redação do Enem. O fluxo imigratório para o Brasil vem se acentuando desde a década de noventa, devido a melhorias nos campos sociais e econômicos, os quais eram os principais fatores de emigração, ou seja, de saída do país. Apesar de estimular o respeito à diversidade cultural, além de outros benefícios, a imigração exige atenção, pois caso negligenciada, poderá ocasionar problemas sociais. A principal causa para tal movimento é o progresso econômico do Brasil, confirmado pela liderança do bloco financeiro sulamericano, o Mercosul. Além disso, como consequência do crescimento econômico, as condições sociais melhoraram, como a expectativa de vida, as quais também são resultado das políticas assistenciais do governo, como o bolsa-família. Com isso, grande parte da população que emigrava, em busca de melhores condições de vida, permanece no país. Paralelamente, as dificuldades econômico-sociais de outros países, como o Haiti, abalado pelo terremoto ocorrido em 2010, estimulam a entrada de estrangeiros no Brasil. Além disso, a globalização, fenômeno de interdependência entre as nações, facilita a imigração. Como nenhuma produz todos os bens e alimentos dos quais necessita, os fluxos comerciais e de trabalho aumentam. Um exemplo é a migração de cientistas e engenheiros estrangeiros para os polos tecnológicos paulistas. Além disso, a globalização também se caracteriza pelos progressos nas telecomunicações e nos transportes, mais rápidos e acessíveis, facilitando os deslocamentos. Nesse sentido, o Brasil é favorecido, com a entrada de mais indivíduos na população economicamente ativa, e com a interação de sua sociedade com novas culturas, respeitando as diferenças. Contudo, apesar de tais benefícios, o fluxo imigratório pode ser prejudicial. Um exemplo, verificado principalmente na fronteira com a Bolívia, é o tráfico de drogas, o qual é facilitado. Além disso, doenças podem ser trazidas, vitimando brasileiros. Outra questão problemática é a adaptação à língua portuguesa, o que pode dificultar a garantia de trabalhos dignos. Com isso, pode aumentar a informalidade, bem como a criminalidade. Tal situação se agrava quando a imigração é ilegal, pois dificulta a atuação do Estado brasileiro. Desse modo, percebe-se que boa parte de tais problemas pode ser solucionada a partir da integração do migrante à sociedade, de forma plena. A dissertação: construção de argumentos PRODUÇÃO DE TEXTO 214 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 214 5/12/16 6:13 PM No caso da sociedade civil, faz-se importante recepcionar bem os estrangeiros, o que pode ser conseguido com festas ou encontros públicos, que facilitam a interação e o aprendizado da língua portuguesa. Quanto ao Estado, é importante garantir a dignidade dos empregos, aplicando as dirigências da Consolidação das leis do trabalho (CLT), além de fiscalizar regiões de fronteiras, combatendo o tráfico de drogas. (Disponível em: //download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/ guia_participante/2013/guia_de_redacao_enem_2013.pdf. Acesso em: 12/3/2016.) 1. No primeiro parágrafo da dissertação, o autor expõe uma situação e constrói uma tese em torno dela. Identifique qual é a situação exposta e qual é a tese elaborada. 2. Há diferentes maneiras de elaborar uma introdução em textos dissertativos. Em seu caderno, relacione as colunas a seguir, considerando o recurso predominante utilizado em cada exemplo. Respectivamente, a situação do aumento do fluxo migratório para o Brasil e a tese de que a imigração, se não for objeto de atenção, pode resultar em problemas sociais para o País. Tipo de inTrodução exemplo I. Citação de voz de autoridade A. “As vantagens do mundo virtual em meio a uma sociedade tão dinâmica são incontestáveis. A internet representa o acesso quase imediato a obras de arte, textos e músicas das mais diversas épocas e origens. Em um clique, ouve­se a ópera de Mozart e, no outro, lê­se a mais nova crítica de Arnaldo Jabor à crise financeira mundial. É o universo do conhecimento rápido, prático, objetivo: o universo da cultura ‘fast­food’.” (Texto de aluno do ensino médio.) II. Exposição inicial sobre o assunto e apresentação da tese B. “Jacinto é fruto da bela e desenvolvida Paris do século XIX. Membro da elite parisiense, a personagem central do romance de Eça de Queirós A cidade e as serras vivia cercada de invenções tecnológicas, sem as quais acreditava ser impossível a felicidade. Todavia, seu modo de viver começou a angustiá­lo e, por força das circunstâncias, viaja a Tormes, em meio às serras portuguesas, local desprovido de qualquer conforto tecnológico. Para sua surpresa, a pacata vida do interior se revelou agradabilíssima e acarretou momentos de reflexão e felicidade. Mais de um século se passou desde a publicação do escritor português, o mundo se transformou, a ciência progrediu, porém, a relação entre o homem e seus inventos ainda é motivo para indagações principalmente no que se refere aos benefícios gerados por eles.” (Idem.) III. Sequência de perguntas relacionadas ao tema C. “‘Ficar plugado a uma tomada pode ser prático, mas não é criador’, disse Carlos Heitor Cony em artigo publicado na Folha de S. Paulo.” (Idem.) IV. Trecho narrativo que ilustra o tema D. “Por que a atual crise econômica é tão intensa e demorada? Por que, à medida que o tempo passa, ela parece se aprofundar, sem que surja de fato alguma luz no fim do túnel? São perguntas que, a esta altura, podem parecer banais, mas que, na verdade, não foram até agora satisfatoriamente respondidas. No início deste ano, ninguém previa que chegaríamos perto do seu fim na situação em que o País se encontra.” (Disponível em: //economia.estadao.com.br/blogs/fernando-dantas/ por-que-os-politicos-nao-reagem-a-crise/. Acesso em: 20/2/2016.) II. Exposição inicial sobre o assunto e apresentação da tese IV. Trecho narrativo que ilustra o tema I. Citação de voz de autoridade III. Sequência de perguntas relacionadas ao tema 215Produção de texto A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 215 5/12/16 6:13 PM 3. Nos parágrafos de 2 a 4 da dissertação, o autor desenvolve sua tese e a justifica com argumentos. a. Cite um argumento utilizado em cada parágrafo. b. Leia o boxe “Os argumentos para os avaliadores do Enem”. A seguir, identifique as estratégias utilizadas para fundamentar os argumentos citados por você no item anterior. 4. Leia com atenção a proposta de redação do Enem a partir da qual foi produzida a dissertação em estudo: A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em norma-padrão da língua portuguesa sobre o tema O movimento imigratório para o Brasil no século XXI, apresentando proposta de intervenção, que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista. Ao desembarcar no Brasil, os imigrantes trouxeram muito mais do que o anseio de refazer suas vidas trabalhando nas lavouras de café e no início da indústria paulista. Nos séculos XIX e XX, os representantes de mais de 70 nacionalidades e etnias chegaram com o sonho de “fazer a América” e acabaram por contribuir expressivamente para a história do país e para a cultura brasileira. Deles, o Brasil herdou sobrenomes, sotaques, costumes, comidas e vestimentas. A história da migração humana não deve ser encarada como uma questão relacionada exclusivamente ao passado; há a necessidade de tratar sobre deslocamentos mais recentes. Disponível em: //www.museudaimigracao.org.br. Acesso em: 19 jul. 2012 (adaptado). Acre sofre com invasão de imigrantes do Haiti Nos últimos três dias de 2011, uma leva de 500 haitianos entrou ilegalmente no Brasil pelo Acre, elevando para 1 400 a quantidade de imigrantes daquele país no município de Brasileia (AC). Segundo o secretário-adjunto de Justiça e Direitos Humanos do Acre, José Henrique Corinto, os haitianos ocuparam a praça da cidade. A Defesa Civil do estado enviou galões de água potável e alimentos, mas ainda não providenciou abrigo. A imigração ocorre porque o Haiti ainda não se recuperou dos estragos causados pelo terremoto de janeiro de 2010. O primeiro grande grupo de haitianos chegou a Brasileia no dia 14 de janeiro de 2011. Desde então, a entrada ilegal continua, mas eles não são expulsos: obtêm visto humanitário e conseguem tirar carteira de trabalho e CPF para morar e trabalhar no Brasil. Segundo Corinto, ao contrário do que se imagina, não são haitianos miseráveis que buscam o Brasil para viver, mas pessoas da classe média do Haiti e profissionais qualificados, como engenheiros, professores, advogados, pedreiros, mestres de obras e carpinteiros. Porém, a maioria chega sem dinheiro. 2º parágrafo: o progresso econômico e as condições sociais do Brasil incentivam a imigração; 3º parágrafo: globalização facilita a imigração; 4º parágrafo: o fluxo imigratório pode ser prejudicial. 3. b) Como estratégias, são utilizados exemplos e fatos comprováveis: a liderança do bloco financeiro sulamericano, o Mercosul e as políticas assistenciais do governo, como o bolsa-família; nenhum país produz todos os bens e alimentos dos quais necessita, os fluxos comerciais e de trabalho aumentam; o tráfico de drogas é facilitado e doenças podem ser trazidas. Os argumentos para os avaliadores do Enem Segundo o Guia do participante, preparado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) e direcionado aos estudantes, argumentos são justificativas “para convencer o leitor a concordar com a tese defendida”. Além disso, afirma o guia: “Cada argumento deve responder à pergunta ‘Por quê?’ em relação à tese defendida”. Para desenvolver os argumentos que utiliza, o autor de um texto pode, conforme o guia, lançar mão de estratégias argumentativas como as seguintes: exemplos; dados estatísticos; pesquisas; fatos comprováveis; citações ou depoimentos de pessoas especializadas no assunto; alusões históricas; comparações entre fatos, situações, épocas ou lugares distintos. Disponível em: //mg1.com.br. Acesso em: 19 jul. 2012. REGISTRE NO CADERNO Ministério da Justiça 216 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 216 5/12/16 6:13 PM Os brasileiros sempre criticaram a forma como os países europeus tratavam os imigrantes. Agora, chegou a nossa vez — afirma Corinto. Disponível em: //www.dpf.gov.br. Acesso em: 19 jul. 2012 (adaptado). Trilha da Costura Os imigrantes bolivianos, pelo último censo, são mais de 3 milhões, com população de aproximadamente 9,119 milhões de pessoas. A Bolívia, em termos de IDH, ocupa a posição de 114º de acordo com os parâmetros estabelecidos pela ONU. O país está no centro da América do Sul e é o mais pobre, sendo 70% da população considerada miserável. Os principais países para onde os bolivianos imigrantes dirigem-se são: Argentina, Brasil, Espanha e Estados Unidos. Assim sendo, este é o quadro social em que se encontra a maioria da população da Bolívia, estes dados já demonstram que as motivações do fluxo de imigração não são políticas, mas econômicas. Como a maioria da população tem baixa qualificação, os trabalhos artesanais, culturais, de campo e de costura são os de mais fácil acesso. OLIVEIRA, R.T. Disponível em: //www.ipea.gov.br. Acesso em: 19 jul. 2012 (adaptado). a. Releia a dissertação, na página 214, e identifique os dados que foram retirados dos textos motivadores apresentados na proposta. b. Identifique na dissertação dois fatos do repertório do autor, isto é, que não estão nos textos motivadores, utilizados para fundamentar a argumentação. c. Discuta com os colegas e o professor: Além de auxiliar na construção da argumentação, quais outras funções os textos motivadores podem ter? 5. Utilizando informações apresentadas nos textos motivadores da prova, elabore ao menos um argumento baseado em: a. fatos e dados reais, contemporâneos ou históricos; b. previsão de contra­argumentação e de refutação antecipada; c. vozes de autoridade. 6. A conclusão da dissertação em estudo é feita no último parágrafo. a. Entre os recursos de construção de conclusão listados a seguir, identifique os dois que foram utilizados pelo autor. Justifique sua resposta com trechos do texto. • Retomada e fechamento • Proposta de intervenção • Pergunta que aponta para uma continuidade da discussão b. Sem alterar a proposta de intervenção, proponha uma nova introdução para o parágrafo final da dissertação, utilizando o recurso de construção que o autor não utilizou na conclusão. 7. Na dissertação em estudo, um mesmo operador argumentativo é repetido cinco vezes. a. Identifique esse operador. b. Sugira operadores argumentativos alternativos a ele, isto é, que tenham sentido equivalente e que poderiam substituí­lo. a) “as dificuldades econômico-sociais de outros países, como o Haiti, abalado pelo terremoto ocorrido em 2010, estimulam a entrada de estrangeiros no Brasil”; “Um exemplo é a migração de cientistas e engenheiros estrangeiros para os polos tecnológicos paulistas”; a menção à “fronteira com a Bolívia” b) “a globalização também se caracteriza pelos progressos nas telecomunicações e nos transportes, mais rápidos e acessíveis, facilitando os deslocamentos”; “Outra questão problemática é a adaptação à língua portuguesa, o que pode dificultar a garantia de trabalhos dignos” Situar o estudante no contexto relacionado ao tema e contribuir para a elaboração da introdução e/ou da conclusão. Entre outras possibilidades, algo como: “Os mais de mil haitianos que imigraram para o Brasil em 2011 comprovam que o movimento imigratório para o país vem aumentando nos últimos anos”. Entre outras possibilidades, algo como: “Pode-se pensar que se trata de uma oportunidade para o país, mas quando essas pessoas têm baixa qualificação, como é o caso dos milhares de bolivianos que imigram para o Brasil, é grande a probabilidade de que haja uma exploração ilegal e excessiva dessa mão de obra”. Entre outras possibilidades, algo como: “O secretário-adjunto de Justiça e Direitos Humanos do Acre confirmou que os haitianos que chegam ao Brasil são profissionais qualificados”. X “boa parte de tais problemas pode ser solucionada a partir da integração do migrante à sociedade” “faz-se importante recepcionar bem os estrangeiros, o que pode ser conseguido com festas ou encontros públicos, que facilitam a interação e o aprendizado da língua portuguesa. Quanto ao Estado, é importante garantir a dignidade dos empregos, aplicando as dirigências da Consolidação das leis do trabalho (CLT), além de fiscalizar regiões de fronteiras, combatendo o tráfico de drogas.” X Entre outras possibilidades: “Como seria possível, então, conciliar a imigração e o desenvolvimento do país, transformando em solução o que poderia se tornar um problema?”. além disso / além de ademais, ainda, também, outrossim, da mesma forma REGISTRE NO CADERNO 217PRODUÇÃO DE TEXTO A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 217 5/12/16 6:13 PM HORA DE ESCREVER Produza uma dissertação de acordo com a proposta do Enem 2013, reproduzida a seguir. Ao escrever sua dissertação, lembre-se de ficar atento especialmente ao aproveitamento dos textos motivadores para construir seus argumentos, bem como às diferentes possibilidades de elaboração de introdução e conclusão. A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil”, apresentando proposta de intervenção, que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista. Qual o objetivo da “Lei Seca ao volante”? De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), a utilização de bebidas alcoólicas é responsável por 30% dos acidentes de trânsito. E metade das mortes, segundo o Ministério da Saúde, está relacionada ao uso do álcool por motoristas. Diante deste cenário preocupante, a Lei 11.705/2008 surgiu com uma enorme missão: alertar a sociedade para os perigos do álcool associado à direção. Para estancar a tendência de crescimento de mortes no trânsito, era necessária uma ação enérgica. E coube ao Governo Federal o primeiro passo, desde a proposta da nova legislação à aquisição de milhares de etilômetros. Mas para que todos ganhem, é indispensável a participação de estados, municípios e sociedade em geral. Porque para atingir o bem comum, o desafio deve ser de todos. Disponível em: www.dprf.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013. Como você sabe, no final da unidade será realizado um simulado da prova de redação do Enem. Neste capítulo, como treinamento para a realização do simulado, você vai produzir uma dissertação. Disponível em: www.brasil.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013. Polícia Rodoviária Federal/Ministério da Justiça/Governo Federal 218 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 218 7/6/17 08:39 Repulsão magnética a beber e dirigir A lei da física que comprova que dois polos opostos se atraem em um campo magnético é um dos conceitos mais populares desse ramo do conhecimento. Tulipas de chope e bolachas de papelão não servem, em condições normais, como objetos de experimento para confirmar essa proposta. A ideia de uma agência de comunicação em Belo Horizonte foi bem simples. Ímãs foram inseridos em bolachas utilizadas para descansar os copos, de forma imperceptível para o consumidor. Em cada lado, há uma opção para o cliente: dirigir ou chamar um táxi depois de beber. Ao mesmo tempo, tulipas de chope também receberam pequenos pedaços de metal mascarados com uma pequena rodela de papel na base do copo. Durante um fim de semana, todas as bebidas servidas passaram a pregar uma peça no cliente. Ao tentar descansar seu copo com a opção dirigir virada para cima, os ímãs apresentavam a mesma polaridade e, portanto, causando repulsão, fazendo com que o descanso fugisse do copo; se estivesse virada mostrando o lado com o desenho de um táxi, ela rapidamente grudava na base do copo. A ideia surgiu da necessidade de passar a mensagem de uma forma leve e no exato momento do consumo. Disponível em: www.operacaoleisecarj.rj.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013 (adaptado). Disponível em: www.operacaoleisecarj.rj.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013 (adaptado). Operação Lei Seca/Governo do Estado do Rio de Janeiro 219PRODUÇÃO DE TEXTO A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 219 5/12/16 6:13 PM INSTRUÇÕES: • O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado. • O texto definitivo deve ser escrito à tinta, na folha própria, em até 30 linhas. • A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de Questões terá o número de linhas copiadas desconsiderado para efeito de correção. Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que: • tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada “insuficiente”. • fugir ao tema ou que não atender ao tipo dissertativo-argumentativo. • apresentar proposta de intervenção que desrespeite os direitos humanos. • apresentar parte do texto deliberadamente desconectada com o tema proposto. ANTEs DE EsCREvER Ao planejar sua dissertação, reveja as orientações dadas na página 200 e siga também estas: • Leia com atenção a proposta e os textos motivadores. • Defina a tese, os argumentos e o tipo de conclusão que pretende desenvolver. • Selecione nos textos motivadores fatos e dados que possam fundamentar sua argumentação. • Selecione nos textos motivadores fatos e dados que possam auxiliar na elaboração da introdução e/ou da conclusão. • Reúna fatos e dados de seu próprio repertório que possam ser associados às informações dos textos motivadores, com o fim de constituir argumentos consistentes. ANTEs DE PAssAR A LIMPO Antes de dar sua dissertação por finalizada, observe se seu texto atende aos itens apresentados na página 200 e também: • se as informações dos textos motivadores que foram selecionadas estão devidamente contextualizadas, possibilitando ao leitor compreendê­las sem precisar ter acesso aos textos originais; • se os dados selecionados dos textos motivadores e os dados do seu repertório pessoal contribuem, de fato, para a fundamentação dos argumentos e para que a introdução e/ou conclusão de seu texto sejam objetivas e consistentes; • se as partes essenciais da dissertação estão bem desenvolvidas e articuladas. 220 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 220 5/12/16 6:13 PM Clarice Lispector e Guimarães Rosa LITERATURA A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa Análise linguística: implícitos e intertextualidade CAPÍTULO 3 A dissertação (III) Clarice Lispector A autora é considerada um dos destaques da geração de 45 e um dos principais nomes da ficção brasileira. Em seus romances, contos e crônicas, a ação é um aspecto secundário, prevalecendo as impressões e o fluxo de emoções das personagens. Suas narrativas partem, geralmente, de situações corriqueiras, para, a seguir, voltarem­se para a interioridade das personagens, geralmente femininas, promovendo reflexões acerca da existência, das relações entre o eu e o outro, das relações familiares e, mesmo, do processo de elaboração do texto literário. Em sua obra, intimista e psicológica, verifica­se a presença de determinados recursos, como o tempo não linear e o monólogo interior (técnica narrativa que explora a mente das personagens, exprimindo o fluxo ininterrupto de seus pensamentos, lembranças, ideias, intuições, etc.), e o trabalho minucioso com a linguagem, criando sonoridades e imagens construídas por meio de metáforas, personificações, antíteses, paradoxos e elementos simbólicos. Além desses recursos, a obra de Clarice Lispector também apresenta Metaesquema (1950), de Hélio Oiticica. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil 221 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 221 5/12/16 6:16 PM momentos de epifania, termo originalmente religioso que tem o sentido de “revelação”. Durante o momento de epifania, as personagens apreendem o significado de uma situação, um objeto ou uma ação do mundo exterior, ou seja, é um momento de revelação interior, de tomada de consciência, que pode ser irrompido a partir de um fato corriqueiro, simples e inesperado, como um banho de mar, um esbarrão em alguém, etc. Embora a obra de Clarice Lispector revele um interesse especial pelo mundo feminino, predominando uma série de protagonistas mulheres, os temas de seus contos, crônicas e romances são universais, pois estão intimamente ligados à condição humana, como a solidão, o esvaziamento das relações familiares, o amor, a angústia e a velhice. O caráter introspectivo, filosófico, existencial e social de sua narrativa, associado ao trabalho acurado com a linguagem, promoveu uma renovação na ficção brasileira e, por isso, sua obra é uma referência permanente para leitores, em geral, e estudiosos de literatura. Clarice Lispector De origem judaica, Clarice Lispector (1926-1977) nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, e ainda bebê veio com os pais para o Brasil. Passou sua infância no Recife e, aos 15 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Formou-se em Direito, mas nunca advogou; começou a colaborar em jornais quando ainda estava na faculdade e exerceu o jornalismo até o fim de sua vida. Com apenas 17 anos, publicou seu primeiro livro, Perto do coração selvagem (1943), romance que foi saudado pela crítica. A autora também produziu contos e crônicas, reunidos em obras como Laços de família (1960), A legião estrangeira (1964) e Felicidade clandestina (1971), e literatura infantil, como A mulher que matou os peixes (1969) e A vida íntima de Laura (1974). Outros romances de Clarice Lispector são A paixão segundo G.H. (1964) e A hora da estrela, publicado em 1977, ano da morte da escritora. FOCO NO TEXTO Leia, a seguir, o conto “Amor”, da obra Laços de família, de Clarice Lispector. Amor Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida. Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se [...] No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença Ivan Cabral 222 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 222 5/12/16 6:16 PM literatura de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. [...] Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranquila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera. [...] O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto. A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles. Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados. Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida. Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito. A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. [...] [...] 223 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 223 5/12/16 6:16 PM Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite – tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca. Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite. Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico. Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo. [...] As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno. Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo. Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto. Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? [...] O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que coma rede atéoelevador,sua almabatia-lhenopeito—oque sucedia? [...]Omenino que se aproximoucorrendo eraumser de pernas compridas e rosto igual ao seu,que Nelson Provazi 224 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 224 5/12/16 6:16 PM LITERATURA à revelia: sem conhecimento da parte interessada. emergir: vir à tona. lide: trabalho pesado, labuta. periclitante: perigoso. sebe: cerca de plantas. sumarento: substancial, fundamental, primordial. corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se trêmula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal — o cego ou o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. [...] Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha? Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver. [...] Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos. Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros. [...] Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico. Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado. — O que foi?! gritou vibrando toda. Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo: — Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras. Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago. — Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela. — Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo. Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranquila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver. Acabara-se a vertigem de bondade. E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia. (Clarice Lispector. Laços de família. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 17-30.) Nelson Provazi 225 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 225 5/12/16 6:16 PM A pop art Como consequência da Segunda Guerra Mundial, o centro de gravidade artística em meados do século XX se deslocou da Europa para os Estados Unidos. A pop art, arte popular que extraía signos e símbolos da cultura de massa e da vida cotidiana, por exemplo, encontrou nos EUA sua genuína expressão. O artista Andy Warhol é um dos principais nomes da pop art. 1. Um dos recursos narrativos utilizados no conto em estudo é o flashback, suspensão do momento presente da ação para apresentar cenas ou situações anteriores ao que está sendo narrado. a. Identifique no início do texto uma situação típica do flashback. b. Durante o flashback, há um uso reiterado dos verbos no pretérito imperfeito do indicativo. Que sentidos esse recurso constrói no texto? Justifique sua resposta com elementos do texto. 2. No flashback, o narrador apresenta uma síntese da vida de Ana. a. De acordo com as descrições do narrador, a que classe social a protagonista pertence? Justifique sua resposta com elementos do texto. b. Ana é uma personagem que “viera a cair num destino de mulher”. De acordo com o texto, em que consiste esse destino? c. Releia este trecho: “O homem com que casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade, alegria.” O trecho sugere que Ana, depois de casada, teve uma mudança em sua perspectiva de vida. Qual seria essa mudança? Por que, para Ana, sua juventude anterior parecia estranha “como uma doença de vida”? Justifique sua resposta com trechos do fragmento em destaque. d. Conclua: Ana era feliz? Justifique sua resposta com elementos do texto. 3. Para Ana, em determinada hora do dia, “as árvores que plantara riam dela”. a. Explique essa imagem de acordo com o contexto em que está inserida. b. Qual é a reação de Ana nessa hora do dia? Por que ela reage dessa maneira? Justifique sua resposta com trechos do texto. 4. Nos contos de Clarice Lispector, a epifania – momento de revelação, de tomada de consciência – pode ser irrompida a partir de um fato corriqueiro. a. No conto em estudo, que fato desencadeia o momento de epifania por que passa a protagonista? “Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas.” 1. b) O emprego do pretérito imperfeito indica não somente a duração contínua das ações (“Cresciam, tomavam banho [...]”), mas também a dimensão habitual e repetitiva das atividades de Ana em suas tarefas domésticas (“Saía então para fazer compras”; “Encontrava os móveis de novo empoeirados”). 2. a) Pertence provavelmente à classe média, pois é uma mulher que não precisa trabalhar fora de casa, anda de bonde e mora em um apartamento financiado (“que estavam aos poucos pagando”) cuja cozinha é “espaçosa”. Uma vida de dona de casa dedicada exclusivamente às tarefas do lar (limpar a casa, cozinhar, lavar roupas, fazer compras, etc.) e aos cuidados com o marido e os filhos. Provavelmente, em sua juventude, Ana vivia feliz, algo que, depois de casada, foi dissipado, vivendo apenas numa rotina monótona; por isso, sua juventude lhe parecia estranha, “como uma doença de vida”. Não, pois, para ela, “também sem a felicidade se vivia”. 3. a) As árvores correspondem a tudo o que Ana cultivou em sua vida (marido, filhos, casa); no final da tarde, com a ausência da família e a casa limpa, ela não se sentia mais necessária e sua vida parecia vazia, de modo que tudo ao seu redor (“as árvores”) parecia desprezá-la (“riam dela”). b) Ela saía para fazer compras ou levar objetos para consertar, porque, assim, continuava a dar sentido à sua vida, cuidando do lar e da família, e “abafava” sentimentos ou pensamentos perturbadores (“na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto”). A visão de um cego, parado no ponto, mascando chiclete. Marilyn Monroe (1967), por Andy Warhol (1928-1987). Para Ana, em determinada hora do dia, “as árvores Explique essa imagem de acordo com o contexto Qual é a reação de Ana nessa hora do dia? Por que ela reage dessa maneira? Justifique sua resNos contos de Clarice Lispector, a epifania – momento de revelação, de tomada de consciência – pode ser irrompida a partir de um fato corriqueiro. No conto em estudo, que fato desencadeia o moREGISTRE NO CADERNO Nelson Provazi Coleção Thomas Ammann, Zurique, Suíça 226 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 226 5/12/16 6:16 PM LITERATURA b. Nesse momento de epifania, o que representa a imagem dos ovos quebrados e da rede? Justifique sua resposta com trechos do texto. c. No conto, o cego pode ser visto como uma figura paradoxal. Por quê? 5. Sob o efeito da visão do cego, Ana entra no Jardim Botânico, que, simbolicamente, remete ao jardim do Éden, ou seja, ao paraíso onde Adão e Eva viveram, de acordo com a B’blia. a. Nesse local, ela tem diferentes experiências sensoriais. Dos cinco sentidos humanos, qual ou quais a protagonista experimenta diante desse cenário natural? Que sentimentos tais experiências despertam na protagonista? Justifique sua resposta com elementos do texto. b. O que interrompe a fruição do jardim? 6. O momento de epifania se estende até o momento em que Ana chega a sua casa. a. O que a vivência desse momento revela à protagonista? Justifique sua resposta com elementos do texto. b. Esse processo epifânico modifica sua vida? Justifique sua resposta com elementos do texto. c. Na sua opinião, Ana será a mesma depois dessa experiência? 7. Qual é a relação que se pode estabelecer entre o título do conto, “Amor”, e o momento de epifania vivenciado pela personagem? 8. Em suas narrativas, Clarice Lispector explora de modo recorrente imagens, metáforas, antíteses e paradoxos surpreendentes. Releia este trecho: “Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.” a. Nesse trecho, que imagem paradoxal é criada? b. Discuta com os colegas: Que sentido há na imagem do cego entre os frutos do jardim? 9. Nesse conto, que se centra no universo psicológico e na consciência individual da personagem, há também uma dimensão social? Por quê? Guimarães Rosa Considerado um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, Guimarães Rosa não somente renovou a tradição regionalista como também a própria prosa brasileira. Diferentemente dos românticos, dos realistas e dos modernistas da geração de 30, o autor realizou novas experiências estéticas na ficção regionalista, sobretudo em relação à linguagem. Em suas narrativas, o falar sertanejo mistura­se a arcaísmos, a neologismos criados com a fusão de diferentes línguas e à exploração sonora, sintática e semântica do português. O emprego do ritmo, da rima e de aliterações, bem como a utilização de metáforas, comparações, metonímias, entre outros recursos, confere um traço poético à sua narrativa, promovendo uma aproximação entre prosa e poesia. 4. b) A desagregação da interioridade da personagem, como se tudo o que construíra em sua vida se despedaçasse e perdesse o sentido (“Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam”, “O mal estava feito”). A rede pode ser interpretada como uma prisão que, no conto, corresponde à sua vida de dona de casa presa à execução dos papéis impostos pelo casamento. Porque é o cego que faz Ana enxergar com profundidade a situação de sua vida. Visão (“vitórias-régias boiavam monstruosas”); olfato (“decomposição era [...] perfumada”); tato (“brisa se insinuava entre as flores”). Ela fica fascinada, sente-se atraída pela beleza do local, mas também sente nojo e, por achá-lo tão belo, chega a ter medo do Inferno. A lembrança de seus filhos, o que a faz se sentir culpada. Revela que Ana vivia uma vida insossa, presa ao seu “destino de mulher”, e que, interiormente, tinha uma grande “vontade de viver”, de experimentar e vivenciar a intensidade da vida fora de sua rotina controlada e monótona. Provavelmente não. No fim da noite, Ana aparece novamente presa à segurança do lar: ela se entrega à proteção do marido, que segura sua mão, “afastando-a do perigo de viver”, e, a seguir, penteia os cabelos “sem nenhum mundo no coração” e sopra a “flama do dia” ao se deitar, dando a entender que o acontecido seria apagado, esquecido, e tudo voltaria a ser como antes. Resposta pessoal. Sugestão: Não, pois, uma vez que tomara consciência da insatisfação de sua vida, por mais que Ana tente abafá-la, ela permanecerá gravada dentro de si. 7. Professor: Abrir a discussão com a classe, pois há a possibilidade de mais de uma resposta. Sugestão: Durante o momento de epifania, Ana sente piedade pelo cego e amor pelo mundo (“amava o mundo, amava o que fora criado”), revelando, num deslocamento do eu (do amor próprio e familiar) para o outro, uma preocupação com o que está fora de seu universo particular. O belo e o feio (ou o estranho), o bem e o mal se misturam, paradoxalmente, pois da beleza da flor sai o mosquito, assim como as belas vitórias-régias boiam em um lago escuro, soturno. Professor: Abra discussão com a classe, pois pode haver mais de uma resposta. Sugestão: A imagem do cego se mistura à visão da paisagem, evocando, de modo insólito, sua perturbação interior. Sim, pois apresenta uma reflexão a respeito da identidade feminina e da posição da mulher de classe média por volta da década de 1960. REGISTRE NO CADERNO 227 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 227 5/12/16 6:16 PM As diversas personagens que povoam suas narrativas – crianças, fazendeiros, vaqueiros, jagunços, loucos, cantadores – experimentam conflitos e anseios inerentes à condição humana, como o medo, o amor, o desejo de vingança, o ódio, o orgulho, a morte, etc. E, sem ignorar a complexidade do homem e do mundo que o cerca, a obra de Guimarães Rosa apresenta uma visão global da existência, fundindo, em uma única realidade, a natureza, o divino e o demoníaco, o bem e o mal, o uno e o múltiplo. Sua obra é, portanto, considerada universal, pois ultrapassa os limites da particularidade da paisagem sertaneja, bem como da cultura, das crenças e dos valores do homem do sertão mineiro, para exprimir com sutileza os diversos matizes das inquietações humanas, que independem do tempo e do espaço. Sagarana A obra de estreia de Guimarães Rosa tem como título um neologismo: saga, radical germânico que remete à narrativa, à lenda ou à epopeia, e rana, sufixo tupi que significa “à maneira de”. Entre os nove contos que compõem Sagarana, “A hora e vez de Augusto Matraga”, que você vai conhecer neste capítulo, é considerado por muitos críticos como o mais importante, sobretudo pelo tratamento que o autor dá à luta entre o bem e o mal e às angústias que tal luta provoca em cada ser humano ao longo de sua existência. O conto narra a história de Augusto Esteves, que aparece também com os nomes de Nhô Augusto e de Augusto Matraga. No início, o protagonista, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco­da­Embira, aparece como um fazendeiro violento e valentão que, voltado para o mal, se envolve em brigas e vinganças, tira as mulheres dos outros e não se importa com a esposa Dionóra e a filha Mimita. Essa fase de sua vida se finda quando ele perde suas terras, a mulher o abandona para viver com outro e alguns de seus capangas, a mando de Major Consilva, seu maior inimigo, surram­no violentamente e o marcam com ferro em brasa, como se faz a um boi, deixando­o praticamente morto. Com a ajuda de um casal de negros, a mãe Quitéria e o pai Serapião, o protagonista recupera sua saúde; e, para não correr o risco de ser morto pelos seus inimigos, foge com esse casal para a única propriedade que lhe restara, o Tombador. Nesse lugar pobre, ele inicia uma nova fase, voltada para o bom comportamento e para a penitência, trabalhando duramente todos os dias, sempre rezando, pois havia tomado a decisão: “Eu vou pr’a o céu, eu vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!...”. Certo dia, chega a sua região o bando do temido jagunço Joãozinho BemBem, que é imediatamente recebido por Nhô Augusto com todas as honras da hospitalidade sertaneja. O chefe dos jagunços reconhece a face valente do protagonista e o convida para participar do bando, mas ele recusa. Em busca de sua “hora e vez”, ele parte com um jumento pelas estradas e, sem destino certo, deixa­se conduzir pelo animal, até que reencontra Joãozinho Bem­Bem e seus jagunços no centro do arraial do Rala­Coco, onde estavam instalados. FOCO NO TEXTO Leia, a seguir, o episódio final do conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, momento em que o protagonista é recebido pelo jagunço Joãozinho Bem­Bem e seu bando no arraial do Rala­Coco. Guimar‹es Rosa João Guimarães Rosa (1908-1967) nasceu em Cordisburgo (MG). Desde cedo revelou interesse pela natureza e pelo estudo de línguas, tornando-se fluente em francês, alemão, italiano, espanhol e inglês, e conhecedor da gramática do húngaro, do árabe, do hebraico, do sânscrito e do tupi. Depois de cursar Medicina, clinicou em cidades do interior de Minas, onde teve contato com a fauna e a flora do sertão e a cultura do sertanejo, que lhe serviram de inspiração para sua produção literária. Depois de ingressar na carreira diplomática, em 1934, viveu em alguns países da Europa e da América Latina. Sua primeira produção literária foi Magma, livro que venceu, em 1936, o concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, mas que o autor, durante sua vida, não quis publicá-lo. Iniciou propriamente sua vida literária com o livro de contos Sagarana (1946), mas foi a partir da publicação de duas obras-primas, Grande sertão: veredas e Corpo de baile, em 1956, que se tornou um escritor amplamente reconhecido e aclamado pela crítica. Publicou também Primeiras estórias (1962) e Tutameia – Terceiras estórias (1967). Em 1967, três dias após ser eleito para a Academia de Letras, faleceu aos 59 anos, no Rio de Janeiro. Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press 228 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 228 5/12/16 6:16 PM LITERATURA [...] Fitava Nhô Augusto com olhos alegres, e tinha no rosto um ar paternal. Mas, na testa, havia o resto de uma ruga. — Está vendo, mano velho? Quem é que não se encontra, neste mundo?... Fico prazido, por lhe ver. E agora o senhor é quem está em minha casa... Vai se arranchar comigo. Se abanque, mano velho, se abanque! ... Arranja um café aqui p’ra o parente, Flosino! [...] Nhô Augusto mordia o pão de broa, e espiava, inocente, para ver se já vinha o café. — Tem chá de congonha, requentado, mano velho... — Aceito também, amigo. Estou com fome de tropeiro... Mas, qu’é de o Juruminho? — Ah, o senhor guardou o nome, e, a pois, gostou dele, do menino... Pois foi logo com o pobre do Juruminho, que era um dos mais melhores que eu tinha... — Não diga... O rosto de seu Joãozinho Bem-Bem foi ficando sombrio. — O matador — foi à traição, — caiu no mundo, campou no pé... Mas a família vai pagar tudo, direito! Seu Joãozinho Bem-Bem, sentado em cima da beirada da mesa, brincava com os três bentinhos do pescoço, e batia, muito ligeiro, os calcanhares, um no outro. Nhô Augusto, parando de limpar os dentes com o dedo, lastimou: — Coitado do Juruminho, tão destorcido e de tão bom parecer... Deixa eu rezar por alma dele... Seu Joãozinho Bem-Bem desceu da mesa e caminhou pela sala, calado. Nhô Augusto, cabeça baixa, sempre sentado num selim velho, dava o ar de quem estivesse com a mente muito longe. — Escuta, mano velho... Seu Joãozinho Bem-Bem parou em frente de Nhô Augusto, e continuou: —... eu gostei da sua pessoa, em-desde a primeira hora, quando o senhor caminhou para mim, na rua daquele lugarejo... Já lhe disse, da outra vez, na sua casa: o senhor não me contou coisa nenhuma de sua vida, mas eu sei que já deve ter sido brigador de ofício. Olha: eu, até de longe, com os olhos fechados, o senhor não me engana: juro como não há outro homem p’ra ser mais sem medo e disposto para tudo. É só o senhor mesmo querer... — Sou um pobre pecador, seu Joãozinho Bem-Bem... — Que-o-quê! Essa mania de rezar é que está lhe perdendo ... O senhor não é padre nem frade, p’ra isso; é algum? ... Cantoria de igreja, dando em cabeça fraca, desgoverna qualquer valente... Bobajada! ... — Bate na boca, seu Joãozinho Bem-Bem meu amigo, que Deus pode castigar! — Não se ofenda, mano velho, deixe eu dizer: eu havia de gostar, se o senhor quisesse vir comigo, para o norte... Já lhe falei e torno a falar: é convite como nunca fiz a outro, e o senhor não vai se arrepender! Olha: as armas do Juruminho estão aí, querendo dono novo ... — Deixa eu ver ... Nhô Augusto bateu a mão na winchester, do jeito com que um gato poria a pata num passarinho. Alisou coronha e cano. E os seus dedos tremiam, porque essa estava sendo a maior das suas tentações. Fazer parte do bando de seu Joãozinho Bem-Bem! Mas os lábios se moviam — talvez ele estivesse proferindo entre dentes o creio em deus padre — e, por fim, negou com a cabeça, muitas vezes: Cartaz de A hora e a vez de Augusto Matraga (2011), filme de Vinícius Coimbra baseado no conto homônimo de Guimarães Rosa. A hora e a vez de Augusto Matraga. Direção: Vinícius Coimbra. [S.I.]: Nossa Distribuidora, 2015. 229 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 229 5/12/16 6:16 PM — Não posso, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem!... Depois de tantos anos... Fico muito agradecido, mas não posso, não me fale nisso mais ... E ria para o chefe dos guerreiros, e também por dentro se ria, e era o riso do capiau ao passar a perna em alguém, no fazer qualquer negócio. — Está direito, lhe obrigar não posso... Mas, pena é.. . Nisso, fizeram um estardalhaço, à entrada. — Quem é? — É o tal velho caduco, chefe. — Deixa ele entrar. Vem cá, velho. O velhote chorava e tremia, e se desacertou, frente às pessoas. Afinal, conseguiu ajoelhar-se aos pés de seu Joãozinho Bem-Bem. — Ai, meu senhor que manda em todos... Ai, seu Joãozinho Bem-Bem, tem pena! ... Tem pena do meu povinho miúdo... Não corta o coração de um pobre pai... — Levanta, velho... — O senhor é poderoso, é dono do choro dos outros... Mas a Virgem Santíssima lhe dará o pago por não pisar em formiguinha do chão... Tem piedade de nós todos, seu Joãozinho Bem-Bem! ... — Levanta, velho! Quem é que teve piedade do Juruminho, baleado por detrás? — Ai, seu Joãozinho Bem-Bem, então lhe peço, pelo amor da senhora sua mãe, que o teve e lhe deu de mamar, eu lhe peço que dê ordem de matarem só este velho, que não presta para mais nada... Mas que não mande judiar com os pobrezinhos dos meus filhos e minhas filhas, que estão lá em casa sofrendo, adoecendo de medo, e que não têm culpa nenhuma do que fez o irmão... Pelo sangue de Jesus Cristo e pelas lágrimas da Virgem Maria! ... E o velho tapou a cara com as mãos, sempre ajoelhado, curvado, soluçando e arquejando. Seu Joãozinho Bem-Bem pigarreou, e falou: — Lhe atender não posso, e com o senhor não quero nada, velho. É a regra... Senão, até quem é mais que havia de querer obedecer a um homem que não vinga gente sua, morta de traição? ... É a regra. Posso até livrar de sebaça, às vezes, mas não posso perdoar isto não... Um dos dois rapazinhos seus filhos tem de morrer, de tiro ou à faca, e o senhor pode é escolher qual deles é que deve de pagar pelo crime do irmão. E as moças ... Para mim não quero nenhuma, que mulher não me enfraquece: as mocinhas são para os meus homens ... — Perdão, para nós todos, seu Joãozinho Bem-Bem... Pelo corpo de Cristo na Sexta-Feira da Paixão! — Cala a boca, velho. Vamos logo cumprir a nossa obrigação... Mas, aí, o velho, sem se levantar, inteiriçou-se, distendeu o busto para cima, como uma caninana enfuriada, e pareceu que ia chegar com a cara até em frente à de seu Joãozinho Bem-Bem. Hirto, cordoveias retesas, mastigando os dentes e cuspindo baba, urrou: — Pois então, satanás, eu chamo a força de Deus p’ra ajudar a minha fraqueza no ferro da tua força maldita!... Houve um silêncio. E, aí: — Não faz isso, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, que o desgraçado do velho está pedindo em nome de Nosso Senhor e da Virgem Maria! E o que vocês estão querendo fazer em casa dele é coisa que nem Deus não manda e nem o diabo não faz! Nhô Augusto tinha falado; e a sua mão esquerda acariciava a lâmina da lapiana, enquanto a direita pousava, despreocupada, no pescoço da carabina. Dera tom calmo às palavras, mas puxava forte respiração soprosa, que quase o levantava do selim e o punha no assento outra vez. Os olhos cresciam, todo ele crescia, 230 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 230 5/12/16 6:16 PM LITERATURA como um touro que acha os vaqueiros excessivamente abundantes e cisma de ficar sozinho no meio do curral. — Você está caçoando com a gente, mano velho? — Estou não. Estou pedindo como amigo, mas a conversa é no sério, meu amigo, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. — Pois pedido nenhum desse atrevimento eu até hoje nunca que ouvi nem atendi! ... O velho engatinhou, ligeiro, para se encostar na parede. No calor da sala, uma mosca esvoaçou. — Pois então. .. — e Nhô Augusto riu, como quem vai contar uma grande anedota — ... Pois então, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, é fácil... Mas tem que passar primeiro por riba de eu defunto ... Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem-assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era bronco excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz: — Epa! Nomopadrofilhospritossantaméin! Avança, cambada de filhos da mãe, que chegou minha vez!... E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio preso e pulando como dez demônios soltos. — Ô gostosura de fim de mundo! ... E garrou a gritar as palavras feias todas e os nomes imorais que aprendera em sua farta existência, e que havia muitos anos não proferia. E atroava, também, a voz de seu Joãozinho Bem-Bem: — Sai, Cangussu! Foge, daí, Epifânio! Deixa nós dois brigar sozinhos! [...] — Se entregue, mano velho, que eu não quero lhe matar... — Joga a faca fora, dá viva a Deus, e corre, seu Joãozinho Bem-Bem... — Mano velho! Agora é que tu vai dizer: quantos palmos é que tem, do calcanhar ao cotovelo! ... — Se arrepende dos pecados, que senão vai sem contrição, e vai direitinho p’ra o inferno, meu parente seu Joãozinho Bem-Bem! ... — Ui, estou morto ... A lâmina de Nhô Augusto talhara de baixo para cima, do púbis à boca do estômago, e um mundo de cobras sangrentas saltou para o ar livre, enquanto seu Joãozinho Bem-Bem caía ajoelhado, recolhendo os seus recheios nas mãos. Aí, o povo quis amparar Nhô Augusto, que punha sangue por todas as partes, até do nariz e da boca, e quê devia de estar pesando demais, de tanto chumbo e bala. Mas tinha fogo nos olhos de gato-do-mato, e o busto, especado, não vergava para o chão. — Espera aí, minha gente, ajudem o meu parente ali, que vai morrer mais primeiro. .. Depois, então, eu posso me deitar. — Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci! ... Eu sempre lhe disse que era bom mesmo, mano velho ... É só assim que gente como eu tem licença de morrer... Quero acabar sendo amigos... Aldemir Martins. Cangaceiro, s/ data/Coleção particular 231 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 231 5/12/16 6:16 PM — Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas, agora, se arrepende dos pecados, e morre logo como um cristão, que é para a gente poder ir juntos... [...] Alguém gritou: — “Eh, seu Joãozinho Bem-Bem já bateu com o rabo na cerca! Não tem mais!”... — E então Nhô Augusto se bambeou nas pernas, e deixou que o carregassem. [...] E o povo, enquanto isso, dizia: — “Foi Deus quem mandou esse homem no jumento, por mór de salvar as famílias da gente! ... "E a turba começou a querer desfeitear o cadáver de seu Joãozinho Bem-Bem [...] [...] Nhô Augusto falou, enérgico: — Para com essa matinada, cambada de gente herege! ... E depois enterrem bem direitinho o corpo, com muito respeito e em chão sagrado, que esse aí é o meu parente seu Joãozinho Bem-Bem! E o velho choroso exclamava: — Traz meus filhos, para agradecerem a ele, para beijarem os pés dele! ... Não deixem este santo morrer assim... P’ra que foi que foram inventar arma de fogo, meu Deus?! ... Mas Nhô Augusto tinha o rosto radiante, e falou: — Perguntem quem é aí que algum dia já ouviu falar no nome de Nhô Augusto Esteves, das Pindaíbas! — Virgem Santa! Eu logo vi que só podia ser você, meu primo Nhô Augusto... Era o João Lomba, conhecido velho e meio parente. Nhô Augusto riu: — E hein, hein João? ! — P’ra ver... Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sagaz contentamento. Dai, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido: — Põe a benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em ordem! Depois, morreu. (João Guimarães Rosa. Sagarana. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.379- 386.) 1. Ao reencontrar Nhô Augusto, o jagunço Joãozinho Bem­Bem o convida, pela segunda vez, para integrar o bando e lhe oferece as armas do finado Juruminho. a. Nesse contexto, que conflito o protagonista vivencia? Justifique sua resposta com trechos do texto. b. Tendo em vista as fases de vida de Nhô Augusto, levante hipóteses: Por que ele recusa o convite de Joãozinho Bem­Bem? 2. No universo sertanejo do conto em estudo, não há lugar para as leis e a justiça formais; nesse espaço, os jagunços são regidos por uma moral e por determinados códigos de conduta próprios. a. Na morte de Juruminho, que código de conduta foi desobedecido pelo homem que o assassinou? Diante de tal desobediência, qual é a “regra” a ser cumprida? b. De acordo com Joãozinho Bem­Bem, qual é a importância de se cumprir essa regra? c. Tendo em vista esse contexto moral e as atitudes de Joãozinho Bem­Bem, responda: Como se caracteriza essa personagem? Justifique sua resposta com elementos do texto. abancar-se: sentar-se. arranchar-se: hospedarse, reunir-se. atroar: fazer grande estrondo. caninana: serpente não venenosa. congonha: folhas geralmente utilizadas em substituição às do mate. contrição: prece em que o cristão pede perdão pelos pecados. cordoveias: expressão popular que significa veias e tendões do pescoço quando salientes. empalhar: expressão popular que significa atrapalhar. hirto: em posição reta, empertigado. lapiana: faca de ponta (regionalismo). maracajá: jaguatirica (regionalismo). sebaça: roubo (regionalismo). selim: sela para montar. winchester: carabina americana de repetição. Ele sente “a maior das tentações”, pois fica dividido entre sua índole violenta (“[...] bateu a mão na winchester, do jeito que um gato poria a pata num passarinho”) e seu lado penitente (“proferindo entre dentes o creio em deus padre”). Ele recusa o convite para não comprometer seu plano de salvação de sua alma. 2. a) O código de não atraiçoar o inimigo pelas costas. Como revide, diante do sumiço do assassino, a “regra” é se vingar na família, tirando a vida de um dos irmãos e violentando as irmãs. Professor: Comente com os alunos que, nesse contexto, a morte se paga com a morte, numa clara referência à antiga Lei de Talião (olho por olho, dente por dente). O cumprimento da regra de vingança garante a obediência ao chefe do bando. É um jagunço poderoso (“dono do choro dos outros”) que segue a moral e o código de conduta dos jagunços, o que o caracteriza como um líder respeitado por todos, inclusive por Augusto Matraga, mas, também, como um homem opressor e temido onde quer que passe. REGISTRE NO CADERNO 232 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 232 5/12/16 6:16 PM LITERATURA Com o estudo dos textos neste capítulo, você viu que: • Clarice Lispector e Guimarães Rosa, devido ao trabalho inovador com a linguagem, promoveram uma renovação na prosa ficcional brasileira; • a obra de Clarice Lispector se caracteriza por ser intimista e psicológica; há um predomínio de protagonistas mulheres, porém a autora extrapola o universo feminino, abordando temas essencialmente universais, como a solidão, o esvaziamento das relações familiares, o amor, a angústia e a velhice; • a obra de Guimarães Rosa, além de transpor os limites do regional e, assim, alcançar uma dimensão universal, também apresenta uma visão global da existência, fundindo, em uma única realidade, a natureza, o divino e o demoníaco, o bem e o mal, o uno e o múltiplo. 3. No conto, Nhô Augusto tem admiração e respeito por Joãozinho Bem­Bem. a. Por que, no conto, o protagonista se volta contra esse chefe dos jagunços? b. Nhô Augusto tinha sido um homem violento que, depois, se tornou penitente. Como essas duas faces antagônicas e conflitantes da personagem se manifestam no texto em estudo? c. Na luta contra os jagunços, Nhô Augusto exclama: “Ô gostosura de fim de mundo!...”. Com base na trajetória de vida dessa personagem, explique o sentido dessa afirmação no contexto em que ela está inserida. 4. Em suas obras, Guimarães Rosa insere determinados elementos simbólicos que remetem à mística e à religiosidade. Como esse traço de sua obra se apresenta no texto em estudo? Justifique sua resposta com elementos do texto. 5. A obra de Guimarães Rosa apresenta uma visão global da existência, fundindo, em uma única realidade, elementos como o divino e o demoníaco, o bem e o mal. Conclua: Que elemento presente no texto em estudo evidencia esse traço da obra roseana? 6. Um dos traços inovadores da prosa de Guimarães Rosa foi o tratamento dado à linguagem. Identifique no texto em estudo: a. traços de oralidade na fala do narrador e das personagens; b. com que finalidade é feita a junção de várias palavras na expressão “Nomopadrofilhospritossantamêin”; c. exemplos de estruturação sintática típica da fala do homem sertanejo. 3. a) Porque Joãozinho Bem-Bem fere os princípios de Nhô Augusto, que, voltado para a religiosidade e para o bem, não aceita a falta de clemência do chefe dos jagunços para com a família inocente do velho, que clamava por piedade “em nome de Nosso Senhor e da Virgem Maria”. Nhô Augusto explode em violência contra os jagunços para defender a família inocente do assassino, unindo, portanto, suas duas faces para fazer o bem. Nhô Augusto sente muita satisfação ao dar vazão à sua violência – que até então vinha reprimindo – para defender inocentes e, ao mesmo tempo, salvar sua própria alma. 4. Nhô Augusto chega de jumento ao arraial do Rala-Coco e sacrifica sua vida para salvar pessoas inocentes; tais elementos remetem, simbolicamente, à figura religiosa de Jesus Cristo (“Foi Deus quem mandou esse homem no jumento, por mór de salvar as famílias da gente [...]”). 5. A violência que, no texto, é um instrumento de redenção do protagonista. Professor: Comente com os alunos que tal fato confirma o lema do protagonista: “P’rá o céu eu vou, nem que seja a porrete!”. 6. a) Entre várias possibilidades: Na fala do narrador: “E garrou a gritar as palavras feias todas”, “mas puxava forte respiração soprosa”; na fala das personagens: “Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais maneiro de junta [...]”, “por mór de salvar as famílias da gente”, “Mas tem que passar primeiro por riba de eu defunto...”; “Posso até livrar de sebaça”. Para expressar a rapidez com que essa expressão foi falada pelo protagonista, instantes antes de iniciar o duelo com os jagunços. “Estou não”; “Lhe atender não posso”; “eu até hoje nunca que ouvi”. Cangaceiro Ponto Fino (1973), de Aldemir Martins. REGISTRE NO CADERNO Coleção particular 233 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 233 5/12/16 6:16 PM FOCO NO TEXTO Leia o cartum a seguir. Análise linguística: implícitos e intertextualidade LÍNGUA E LINGUAGEM 1. Observe a parte não verbal do cartum. a. O que cada um dos três pássaros está fazendo? b. O que o olhar do crocodilo expressa? 2. Agora leia a fala do pássaro e levante hipóteses: a. O começo de sua fala é uma resposta dada a qual fala anterior, implícita no contexto do cartum? De quem foi essa fala? b. O receio desse pássaro é de que aconteça o quê? c. O olhar do crocodilo é consequência de qual ação anterior que ele praticou? 3. Leia o boxe “O crocodilo e o pássaro­palito” e responda: a. Qual é o “livro sobre os animais” a que o terceiro pássaro faz referência? b. Por que ele julga importante que o crocodilo tenha lido esse livro? O 1º está ciscando no dente do crocodilo e o 2º está virado para o 3º, que olha para cima com uma expressão preocupada e fala alguma coisa. Tédio, cansaço, preguiça. Entre outras possibilidades, algo como: “Pode vir comer com a gente, não tem nenhum perigo”, dita por um dos outros passarinhos. De que o crocodilo os devore. Provavelmente ele tem esse olhar porque acabou de se alimentar, está com o estômago cheio e prestes a dormir. Um livro de biologia ou uma enciclopédia. Para saber que a relação entre eles é cooperativa, isto é, se o crocodilo não comer o pássaro, nenhum sai prejudicado e ambos se beneficiam. (Disponível em: //www.graphiqbrasil.com/tirasclassicas/animalcrackers.html. Acesso em: 18/3/2016.) O crocodilo e o pássaro-palito No estudo dos tipos de relações dos seres, a biologia chama a atenção para a protocooperação existente entre algumas espécies, na qual há benefícios para todos os seres envolvidos, embora eles não dependam um do outro para sobreviver. É esse o caso do crocodilo e do pássaro-palito: o pássaro se alimenta de parasitas e restos de comida que estão na boca do crocodilo e, como consequência, contribui para a higiene bucal de seu companheiro. 4. O humor do cartum é construído com base em uma quebra de expectativa trazida pela fala do pássaro. a. Qual expectativa é quebrada? b. Uma pessoa que não conhece a relação ecológica existente entre crocodilos e pássaros é capaz de compreender o cartum em sua totalidade? Justifique sua resposta. A de que as relações entre animais irracionais são predeterminadas, não envolvendo negociação ou raciocínio científico que dê base a elas. Não, pois não compreenderá a qual “livro” o pássaro faz referência, nem entenderá o que os pássaros fazem na boca do crocodilo sem que ele os devore. REGISTRE NO CADERNO Rog Bollen / Dist. by Tribune Media Services Juniors Bildarchiv GmbH/Alamy Stock Photo/Fotoarena 234 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 234 5/12/16 6:16 PM LÍNGUA e LINGUAGEM REFLEXÕES SOBRE A lÍNGUA Você viu, no estudo anterior, que um texto pode estabelecer uma relação direta com outro texto para construir seu sentido. A essa relação dá­se o nome de intertextualidade. Intertextualidade são as relações, menos ou mais explícitas, entre um texto e outros textos produzidos anteriormente a ele. Em princípio, a intertextualidade é uma característica de todos os textos, uma vez que qualquer atividade de linguagem tem como base textos com os quais seus produtores tiveram contato. Segundo esse ponto de vista, nós só conseguimos compreender efetivamente um texto em suas diversas nuances se conhecemos e levamos em conta os códigos, as leis e as convenções do gênero ao qual ele pertence e da situação de comunicação em que ele circula. E, para tanto, precisaremos levar em conta outros textos já lidos e produzidos, isto é, a intertextualidade, que pode variar desde uma referência explícita, como ocorre em citações, remissões, paráfrases ou paródias, ou pode estar implícita, como visto no cartum estudado na seção anterior. Os implícitos, por sua vez, são ideias que não estão declaradas nos textos, mas que são passíveis de serem apreendidas pelos interlocutores que conhecem os códigos, as leis e as convenções do gênero ao qual pertence o texto e da situação de comunicação em que ele circula. APlIQUE O QUE APrENdEU 1. Leia as piadas a seguir. I. A funcionária do banco, irada, diz para o gerente: – Eu estou me demitindo! O senhor não confia em mim! O gerente, espantado, diz: – Mas o que é isso? A senhora trabalha aqui há vinte anos, eu até deixo as chaves do cofre em cima da minha mesa!  – Eu sei! – diz a funcionária, chorando. – Mas nenhuma delas funciona! II. Um homem com ar de intelectual entra em uma biblioteca e se dirige à atendente. Cheio de si, pergunta: – Desculpe-me! Poderia me dizer onde se encontra o livro Homem, o ser mais perfeito da Terra? A atendente olha para o visitante e responde com firmeza: – Sinto muito, senhor, mas aqui não temos livros de ficção científica! III. O funcionário fala sério para seu chefe: – Seguinte, patrão, me dá um aumento, pois tem três empresas correndo atrás de mim! – É mesmo? Quais? – A de água, a de luz e a do telefone. (Piadas adaptadas do site //www.piadas.com.br/. Acesso em: 20/3/2016.) A paródia A paródia é um modo particular de se estabelecer uma relação intertextual, uma vez que paródias se apropriam das ideias do texto original, em geral para subvertê-lo ou mesmo satirizá-lo. Esse recurso pode ser utilizado por meio da exploração do estilo, da estrutura ou do tema do texto no qual a paródia se baseia. A literatura está repleta de exemplos de paródias. Um dos contos da obra Sagarana, de Guimarães Rosa, autor estudado por você na seção Literatura deste capítulo, é considerado por alguns estudiosos uma paródia. Trata-se do conto “O marido pródigo”, que, desde seu título, passando pelo nome da personagem Lalino Salãthiel, entre outras semelhanças, estabelece relação intertextual com a parábola bíblica “O filho pródigo”, tomando-a como referência para subvertê-la com a construção de novos sentidos. Editora José Olympio Andressa Honório 235 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 235 5/12/16 6:16 PM Para construir humor, as três piadas lidas exploram informações não explicitadas, quebrando as expectativas dos leitores. Identifique o trecho de cada piada no qual há um implícito e explique qual é a informação implícita que precisa necessariamente ser preenchida pelos interlocutores para que o efeito de humor se construa. Leia os anúncios a seguir e responda às questões de 2 a 5. Em I, o trecho “Mas nenhuma delas funciona!” permite pressupor que a funcionária já tentou abrir o cofre; em II, o trecho “livros de ficção científica”, pois sugere que a ideia de o homem ser o mais perfeito da Terra está fora da realidade; em III, o trecho “correndo atrás de mim”, que inicialmente precisa ser compreendido como empresas interessadas em contratá-lo. 2. Relacione o texto central dos anúncios a seu logotipo. a. Quem é o anunciante? Qual é a sua área de atuação? b. Qual é o slogan da campanha, presente nas três peças? 3. Para construir seu sentido com certo humor, os anúncios exploram relações intertextuais, especialmente entre os seus produtos e as relações sociais e familiares. a. Quem os legumes e as frutas representam em cada uma das peças? Justifique sua resposta com base nas imagens. b. Como estão as expressões faciais de cada uma das seis personagens dos anúncios? c. Identifique, nas três falas, os termos que criam o efeito de humor e justifique sua resposta apontando qual estratégia é utilizada em cada peça. 4. O anúncio também explora implícitos sobre as relações familiares. Identifique quais implícitos sobre as relações familiares permeiam as três peças em estudo. 5. Com base em suas respostas às questões anteriores, conclua: a. Qual é especificamente o público-alvo do anúncio? b. Qual imagem do anunciante o slogan, os desenhos e as falas constroem, tendo em vista os implícitos e as relações intertextuais exploradas? 6. Você viu no capítulo anterior que, para produzir uma boa redação em situações de avaliação, como é o caso do Enem, é interessante se apropriar de informações dos textos motivadores e explorá-las em seu próprio texto. Temos, nesse caso, um claro exemplo de intertextualidade. Leia os trechos a seguir, adaptados de redações reais, considerando que são introduções de textos dissertativo-argumentativos feitos com base na proposta de redação do Enem de 2012, também lida por você no capítulo anterior. Se julgar importante, volte à página 216 e releia a proposta. A rede de supermercados Hortifruti, especializada na comercialização de frutas, legumes e verduras. “É de família”. Pais e filhos. Os primeiros, pelo bigode e os rolinhos no cabelo, que remetem a pessoas mais velhas, e os filhos, pela mochila nas costas (2º e 3º quadrinhos). Na primeira, respectivamente: zangado e envergonhado; na segunda, preocupada e aborrecido; na terceira, aflita e solidário. 3. c) Na 1ª e na 3ª, as expressões os dentes e tô frita são ambíguas. A primeira se refere tanto ao dente de alho quanto ao suposto dente do filho, e a segunda, tanto a uma maneira de se preparar a batata na cozinha quanto à situação de estar em apuros. Na segunda, o humor é construído pela oposição entre as palavras casaco e casca. O de que os pais têm uma função de regular o comportamento dos filhos, cobrando deles as ações que julgam serem as mais adequadas. Pais e mães preocupados com a boa alimentação da família. A imagem de que a rede de supermercados anunciante sabe bem o que é a família e como são as relações familiares, passando a ideia de que ela faz parte do dia a dia das famílias. Fotografias: MP Publicidade/www.mppublicidade.com.br REGISTRE NO CADERNO (Disponível em: www.hortifruti.com.br/comunicacao/campanhas/e-de-familia/. Acesso em: 29/6/2017.) 236 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 236 7/6/17 08:40 LÍNGUA e LINGUAGEM I. “O fluxo mundial de pessoas sempre foi considerado importante para se entender a dinâmica econômica e social do globo. As últimas mudanças na economia e o novo espaço que o Brasil tem conquistado no cenário internacional vêm atraindo trabalhadores e turistas, além de gerarem movimentos migratórios cada vez mais intensos para o País. Tal situação mostra que chegou a vez de os brasileiros, que sempre criticaram o tratamento dado pela Europa aos imigrantes, lidarem com a mesma questão.” II. “O Brasil, no século XXI, tem tido certo destaque no cenário mundial por se mostrar uma nova área de atração populacional. O interesse global pela residência no país é resultado de conquistas nacionais benéficas para os habitantes que aqui vivem. Tal como diz o texto motivador da prova ‘Trilha da costura’, já são mais de 3 milhões só de imigrantes bolivianos no Brasil.” III. “A imigração vem ocorrendo de forma acentuada no Brasil desde a década de noventa, devido a melhorias nas áreas sociais e econômicas do País. É fato que a imigração estimula o respeito à diversidade cultural, mas ela também exige atenção, pois, se for negligenciada, poderá gerar situações problemáticas. Os 500 haitianos são um claro exemplo desses problemas.” (Disponível em: //ensinomediodigital.fgv.br/resources/pdf/guia_participante_redacao_enem_2013.pdf. Acesso: 29/6/2017.) Os três trechos lidos utilizam informações dos textos motivadores de diferentes formas. Indique, justificando suas escolhas: a. Qual é o trecho que deixa implícitas informações importantes, tornando-se problemático para quem não conhece o texto motivador ao qual ele faz referência. b. Qual é o trecho que faz uma referência explícita a um dos textos motivadores da prova, tornando-se problemático por explicitar na redação a situação de produção do exame. c. Qual é o trecho que utiliza de forma adequada um dos textos motivadores, apropriando-se das informações e parafraseando o trecho que lhe interessa. TEXTO E ENUNCIAÇÃO Leia o anúncio a seguir. a) O trecho III, que faz referência aos “500 haitianos” sem contextualizar a informação, deixando perdido o leitor que não conhece o texto motivador. O trecho II, que menciona o título do texto e diz que ele faz parte “da prova”, explicitando uma informação prejudicial à dissertação. O trecho I, que utiliza as informações do texto motivador ao qual faz referência com naturalidade, no desenvolvimento de sua tese. AlmapBBDO REGISTRE NO CADERNO (Disponível em: //flaviogomes. grandepremio.uol.com.br/2013/01/anothercomment-42. Acesso em: 30/6/2017.) 237 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 237 7/6/17 08:41 1. O anúncio é construído com base em um implícito que precisa ser compreendido por seus interlocutores para que ele faça sentido. Observe a parte não verbal do texto e levante hipóteses: a. Onde o carro está? b. Por que a imagem ao fundo está embaçada? 2. Releia o enunciado central. a. Levante hipóteses: Por que “agora” o fusca anda na faixa da esquerda? Onde ele andava anteriormente e por quê? b. Qual informação está implícita nesse trecho? c. Relacione o enunciado central com a orientação que está na parte inferior do anúncio, à esquerda. 3. Releia o enunciado da parte inferior, à direita, e identifique o efeito de sentido que é produzido pelo anúncio ao se referir ao fusca como “o carro”. Leia os cartazes a seguir, que circularam pela Internet e fazem parte de uma campanha da Controladoria Geral da União (CGU). Em uma rodovia. Porque ele está andando em alta velocidade. Porque ele está com um motor melhor, mais potente, o que permite atingir velocidades maiores. Antes ele andava na faixa da direita, pois seu motor era antigo e todos os outros carros o ultrapassavam. A de que, nas rodovias, os carros com velocidade mais baixa devem andar na faixa da direita, a fim de deixar os carros com velocidades mais altas passarem. Por sugerir no enunciado principal que o fusca permite ao seu dono correr mais nas estradas, o anúncio chama a atenção para a importância de respeitar os limites de velocidade, para não incentivar em seus leitores a prática de uma direção irresponsável e perigosa. Ao utilizar o artigo definido o, o anúncio chama a atenção para o fusca, como se ele fosse o melhor ou o único carro “genuíno” do mercado. 4. Levante hipóteses: a. Por que o enunciado central dos cartazes está entre aspas? b. De qual discurso, comum na sociedade, esses enunciados fazem parte? c. Qual é a função dessas frases no interior desse discurso? 5. Identifique as palavras ou as expressões que retomam essas frases: a. no enunciado em letras brancas e maiúsculas do cartaz; b. no enunciado em letras brancas na parte de baixo do cartaz; c. no logotipo da campanha. Porque sugere a reprodução de uma fala de alguém. 4. b) Fazem parte do discurso do “jeitinho” brasileiro, de pessoas que sempre querem obter vantagens em situações diversas da vida social. Elas são utilizadas como argumentos para justificar uma atitude ilícita. desculpa justificativas pequenas corrupções (Disponíveis em: //www.semprefamilia.com.br/cgu-faz-campanha-contra-corrupcao-em-atitudes-cotidianas. Acesso em: 22/3/2016.) REGISTRE NO CADERNO Fotografias: Controladoria Geral da União Controladoria Geral da União 238 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 238 5/12/16 6:16 PM 6. Leia as frases a seguir e, seguindo a mesma ideia analisada na questão anterior, identifique, no seu caderno, duas frases que também fizeram parte dessa campanha. I. “Não deseje ao próximo o que não quer para você” II. “Tem coisa muito pior” III. “Somos todos seres humanos” IV. “Ninguém está vendo” V. “As aparências enganam” 7. Com base em suas respostas às questões anteriores, conclua: Qual é a ideia que costuma permear as ações de alguns cidadãos e que também está implícita na campanha em estudo? X X A ideia de que sempre haverá uma desculpa que pode ser usada quando se tem intenção de tomar uma atitude ilegal, embora isso não justifique de fato o erro cometido por quem infringe a lei. A dissertação: o contexto de avaliação PRODUÇÃO DE TEXTO Em capítulos anteriores, você viu e analisou redações que receberam nota máxima no Enem de 2012, além de estratégias e tópicos importantes do estudo da língua a serem considerados na elaboração de textos dissertativo­argumentativos. Neste capítulo, vamos examinar trechos do Guia do participante, publicado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), a fim de que você conheça os critérios adotados pelos corretores que lerão o seu texto da prova do Enem. Muitos desses critérios são universais na correção de textos dissertativos, isto é, são utilizados pela maioria das instituições que, em processos seletivos, avaliam candidatos por meio de um texto dissertativo­argumentativo. FOCO NO TEXTO Leia, a seguir, um trecho do Guia do participante – A redação no Enem. A prova de redação exigirá de você a produção de um texto em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo, sobre um tema de ordem social, científica, cultural ou política. Os aspectos a serem avaliados relacionam-se às “competências” que devem ter sido desenvolvidas durante os anos de escolaridade. Nessa redação, você deverá defender uma tese, uma opinião a respeito do tema proposto, apoiada em argumentos consistentes estruturados de forma coerente e coesa, de modo a formar uma unidade textual. Seu texto deverá ser redigido de acordo com a modalidade escrita formal da Língua Portuguesa. Por fim, você deverá elaborar uma proposta de intervenção social para o problema apresentado no desenvolvimento do texto que respeite os direitos humanos. TEMA TESE ARGUMENTOS PROPOSTA DE INTERVENÇÃO Segundo o guia, o desempenho do estudante é avaliado de acordo com os critérios apresentados no quadro a seguir. 239PRODUÇÃO DE TEXTO A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 239 5/12/16 6:16 PM Competências avaliadas na redação do Enem Competência 1: Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa. Competência 2: Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa. Competência 3: Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista. Competência 4: Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação. Competência 5: Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos. O guia esclarece também algumas das dúvidas mais comuns entre os participantes. Veja: ➣ Quais as razões para se atribuir nota 0 (zero) a uma redação? A redação receberá nota 0 (zero) se apresentar uma das características a seguir: • fuga total ao tema; • não obediência à estrutura dissertativo-argumentativa; • texto com até 7 (sete) linhas; • impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do texto deliberadamente desconectada do tema proposto; • desrespeito aos direitos humanos; e • folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho. IMPORTANTE! Para efeito de avaliação e de contagem do mínimo de linhas, a cópia parcial dos textos motivadores ou de questões objetivas do caderno de prova acarretará a desconsideração do número de linhas copiadas, valendo somente as que foram produzidas pelo autor do texto. IMPORTANTE! Procure escrever sua redação com letra legível, para evitar dúvidas no momento da avaliação. Redação com letra ilegível não poderá ser avaliada. IMPORTANTE! O título é um elemento opcional na produção da sua redação e será considerado como linha escrita. 1. No contexto da redação dissertativo­argumentativa, tese é uma afirmação sobre determinado tema defendida por meio de argumentos. a. Entre os trechos de redações reais apresentados a seguir, aponte em seu caderno o que não constitui uma tese. I. “o Brasil enfrenta um grande desafio social e econômico ao receber tantos imigrantes na atualidade, e o governo deve interferir para integrar esses novos cidadãos assegurando emprego, qualificação e cursos de Língua Portuguesa, bem como garantindo direitos trabalhistas e habitação” II. “o Brasil vive um excelente momento econômico e o fluxo imigratório decorrente desse fato tende a ser benéfico economicamente, desde que o país saiba aproveitar a qualificação dos imigrantes em seu mercado de trabalho, transformando o que poderia ser problema em uma solução para outras questões” 240 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 240 5/12/16 6:16 PM III. “o Brasil precisa elaborar uma política de recepção desses imigrantes com regularização, integração ao mercado de trabalho, implantação de órgãos de recepção, oferecimento de cursos de Língua Portuguesa e de qualificação profissional. Essa recepção aos imigrantes proporcionaria maior arrecadação de impostos e poderia suprir áreas em que há falta de mão de obra” IV. “o Brasil vive um excelente momento econômico, destacando-se no panorama sul-americano, e essa estabilidade econômica atrai muitos imigrantes em busca de melhores condições de vida” b. O trecho que não constitui tese corresponde a um tema, a um argumento ou a uma proposta de intervenção? 2. Uma boa maneira de começar a produzir uma redação em contextos de avaliação é esquematizar as ideias que serão desenvolvidas no texto. Releia a proposta de redação do Enem 2012, na página 216, e, considerando que você vai produzir o texto solicitado, faça um esquema para a sua redação: a. Identifique o tema da proposta. b. Elabore uma tese relativa ao tema. c. Estabeleça argumentos que possam ser utilizados para defender a tese que você elaborou, bem como dados e fatos que possam servir de base para esses argumentos. d. Elabore uma proposta de intervenção diretamente relacionada à tese e aos argumentos definidos por você. e. Defina elementos e estratégias que você utilizará na conclusão do seu texto. 3. A fim de compreender bem o que é avaliado pelos corretores do Enem, relacione as colunas a seguir, em seu caderno. Para isso, releia o quadro de competências do Guia do participante e leia o detalhamento (à direita) de cada competência. Competência O que é avaliado • Competência 1 A. Uso de estratégias como comparação, causa­consequência, exemplificação, detalhamento, voz de autoridade, citação, entre outras, para a construção dos parágrafos; construção de parágrafos que tenham mais de um período, relacionados entre si; utilização de pronomes, elipses, sinônimos, etc, para fazer referência a termos já apresentados e que serão retomados ao longo do texto; uso adequado de operadores argumentativos. • Competência 2 B. Elaboração de uma proposta de intervenção na vida social que seja objetiva, exequível e pensada especificamente para a discussão desenvolvida no texto, com os meios para a sua realização devidamente descritos, respeitando os direitos humanos. Uma estratégia é procurar responder às seguintes perguntas: O que se pode apresentar como proposta de intervenção na vida social? Como viabilizar essa proposta? • Competência 3 C. Leitura atenta da proposta, especialmente da proposição, que em geral vem em destaque; utilização de informações dos textos motivadores, mas sem cópia e extrapolando as ideias trazidas por eles com informações do próprio repertório; construção de uma tese que esteja diretamente relacionada ao tema, dentro da abordagem proposta na prova, sem perda do foco. • Competência 4 D. Certificação de que as informações selecionadas de fato fundamentam o ponto de vista defendido no texto; estabelecimento de relações entre as partes do texto, por meio de retomada e/ou desenvolvimento, em um parágrafo, de uma ideia iniciada no anterior, sem, no entanto, repeti­la, acrescentando informações novas; preocupação em selecionar ideias e construir argumentos que tomam por base a realidade abordada, considerando todos os fatores relacionados ao tema. • Competência 5 E. Ausência de marcas de oralidade; utilização de registro formal; respeito às regras vigentes na norma padrão em relação a: concordâncias e regências nominal e verbal, pontuação, colocação dos pronomes, ortografia. X A uma proposta de intervenção. Professor: As respostas dos itens dessa questão serão retomadas na seção Hora de escrever e deverão servir de base para uma das propostas de produção de texto do capítulo. Portanto, excluí da a identificação do tema, as outras respostas são individuais e comporO movimento imigratório para o Brasil no século XXI. tam inúmeras variações. Resposta individual. Resposta individual. Resposta individual. Resposta individual. Professor: A proposta de intervenção não precisa constar necessariamente na conclusão. Os alunos podem optar por desenvolvê-la, por exemplo, ao longo do texto e, no final, fazer um fechamento da discussão por meio de um resumo do que foi discutido. Competência 4 Competência 5 Competência 3 Competência 2 Competência 1 241Produção de texto A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3 PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 241 5/12/16 6:16 PM 4. O Guia do participante esclarece também os motivos para a atribuição de nota zero a uma redação. Considere as seguintes situações hipotéticas: I. Texto inteiramente construído por meio de cópia de trechos de textos motivadores e de trechos das questões da prova II. Texto com letra difícil de ler III. Texto narrativo IV. Texto sem título V. Texto com paráfrases de trechos dos textos motivadores VI. Texto com tema diferente do proposto na prova VII. Texto sem proposta de intervenção Com base nas razões apontadas no guia para a atribuição de nota zero e nos critérios gerais de correção da prova: a. identifique quais dos textos considerados nas situaçõs hipotéticas teriam nota zero; b. levante hipóteses: Os demais textos seriam prejudicados na avaliação? Justifique sua resposta. HORA DE EsCrEVEr Seguem duas propostas de produção de texto. 1. Produza uma dissertação de acordo com a proposta do Enem 2012, reproduzida na página 216. Ao escrever, utilize o esquema que você elaborou na questão 2 da seção Foco no texto. 2. Retome as redações que você produziu nos capítulos 1 e 2 desta unidade e reescreva­as, procurando torná­las mais adequadas aos critérios de avaliação do Enem, especialmente às competências estudadas neste capítulo. ANTEs dE EsCrEVEr Planeje sua dissertação, seguindo estas orientações: • Retome as orientações dadas nas páginas 200 e 220; • Procure empregar adequadamente os tópicos de análise linguística e produção de texto estudados nos capítulos desta unidade, em especial: progressão referencial; estrutura do texto dissertativo­argumentativo; relevância informativa e senso comum; aproveitamento dos textos motivadores na construção de argumentos; estratégias de fundamentação dos argumentos; recursos de elaboração de introdução e conclusão; implícitos e intertextualidade. • Faça um planejamento de seu texto, estabelecendo o tema, a tese, os argumentos, as estratégias argumentativas que pretende utilizar e a proposta de intervenção. • Procure atender, na construção do texto, aos critérios de avaliação do Enem, entre eles o das competências. ANTEs dE PAssAr A lImPO Antes de dar sua dissertação por finalizada, observe se seu texto atende aos itens elencados nas páginas 200 e 220 e também: • se segue as diretrizes definidas no planejamento; • se está de acordo com as competências consideradas nos critérios de avaliação do Enem. I, III, VI. II: a dificuldade na leitura em razão da letra poderia gerar dúvidas ou interpretação equivocada por parte do avaliador; IV e V: não haveria nenhum prejuízo; VII: o candidato teria nota zero em relação à competência 5 e as demais seriam consideradas normalmente. Como você já sabe, no final da unidade será realizado um simulado com provas de redação do Exame Nacional do Ensino Médio. Neste capítulo, como treinamento para o simulado, você produzirá um texto dissertativo-argumentativo e reescreverá redações que produziu anteriormente. 242 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 242 5/12/16 6:16 PM VEsTIbUlAr Em CONTEXTO Ao longo desta unidade, você estudou e produziu dissertações relacionadas ao Enem. Conheça, agora, uma proposta comentada da Fuvest (SP). POR DENTRO DO ENEm E DO VEsTIbUlAr REDAÇÃO Na verdade, durante a maior parte do século XX, os estádios eram lugares onde os executivos empresariais sentavam-se lado a lado com os operários, todo mundo entrava nas mesmas filas para comprar sanduíches e cerveja, e ricos e pobres igualmente se molhavam se chovesse. Nas últimas décadas, contudo, isso está mudando. O advento de camarotes especiais, em geral, acima do campo, separam os abastados e privilegiados das pessoas comuns nas arquibancadas mais embaixo. (…) O desaparecimento do convívio entre classes sociais diferentes, outrora vivenciado nos estádios, representa uma perda não só para os que olham de baixo para cima, mas também para os que olham de cima para baixo. Os estádios são um caso exemplar, mas não único. Algo semelhante vem acontecendo na sociedade americana como um todo, assim como em outros países. Numa época de crescente desigualdade, a “camarotização” de tudo significa que as pessoas abastadas e as de poucos recursos levam vidas cada vez mais separadas. Vivemos, trabalhamos, compramos e nos distraímos em lugares diferentes. Nossos filhos vão a escolas diferentes. Estamos falando de uma espécie de “camarotização” da vida social. Não é bom para a democracia nem sequer é uma maneira satisfatória de levar a vida. Democracia não quer dizer igualdade perfeita, mas de fato exige que os cidadãos compartilhem uma vida comum. O importante é que pessoas de contextos e posições sociais diferentes encontrem-se e convivam na vida cotidiana, pois é assim que aprendemos a negociar e a respeitar as diferenças ao cuidar do bem comum. Michael J. Sandel. Professor da Universidade Harvard. O que o dinheiro não compra. Adaptado. Comentário do Prof. Michael J. Sandel referente à afirmação de que, no Brasil, se teria produzido uma sociedade ainda mais segregada do que a norte-americana. O maior erro é pensar que serviços públicos são apenas para quem não pode pagar por coisa melhor. Esse é o início da destruição da ideia do bem comum. Parques, praças e transporte público precisam ser tão bons a ponto de que todos queiram usá-los, até os mais ricos. Se a escola pública é boa, quem pode pagar uma particular vai preferir que seu filho fique na pública, e assim teremos uma base política para defender a qualidade da escola pública. Seria uma tragédia se nossos espaços públicos fossem shopping centers, algo que acontece em vários países, não só no Brasil. Nossa identidade ali é de consumidor, não de cidadão. Entrevista. Folha de S. Paulo, 28/04/2014. Adaptado. [No Brasil, com o aumento da presença de classes populares em centros de compras, aeroportos, lugares turísticos etc., é crescente a tendência dos mais ricos a segregar-se em espaços exclusivos, que marquem sua distinção e superioridade.] (…) Pode ser que o fenômeno “camarotização”, isto é, a separação física entre classes sociais, prospere para muitos outros setores. De repente, os supermercados poderão ter ala VIP, com entrada independente, cuja acessibilidade, tacitamente, seja decidida pelo limite do cartão de crédito. Renato de P. Pereira. www.gazetadigital.com.br, 06/05/2014. [Resumido] e adaptado. Até os anos de 1960, a escola pública que eu conheci, embora existisse em menor número, tinha boa qualidade e era um espaço animado de convívio de classes sociais diferentes. Aprendíamos muito, uns com os outros, sobre nossas diferentes experiências de vida, mas, em geral, nos sentíamos pertencentes a uma só sociedade, a um mesmo país e a uma mesma cultura, que era de todos. Por isso, acreditávamos que teríamos, também, um futuro em comum. Vejo com tristeza que hoje se estabeleceu o contrário: as escolas passaram a segregar os diferentes estratos sociais. Acho que a perda cultural foi imensa e as consequências, para a vida social, desastrosas. Trecho do testemunho de um professor universitário sobre a Escola Fundamental e Média em que estudou. Os três primeiros textos aqui reproduzidos referem-se à “camarotização” da sociedade – nome dado à tendência a manter segregados os diferentes estratos sociais. Em contraponto, encontra-se também reproduzido um testemunho, no qual se recupera a experiência de um período em que, no Brasil, a tendência era outra. 243 Por dentro do Enem e do vestibular PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 243 5/12/16 6:16 PM Tal como explicitado na proposta, a Fuvest solicita a elaboração de um texto dissertativo, uma estrutura semelhante à do texto do Enem, estudada ao longo desta unidade. A prova também segue um modelo parecido, com textos motivadores que abordam o tema geral e uma proposição mais específica, que deve guiar o desenvolvimento das redações. Nessa proposta, a Fuvest traz a proposição “Camarotização” da sociedade brasileira: a segregação das classes sociais e a democracia, além de quatro textos motivadores, com informações que os participantes podem utilizar para elaborar sua tese e desenvolver seus argumentos. Os dois primeiros textos fazem uma crítica à denominada “camarotização” das sociedades, incluindo a brasileira, uma vez que esse fenômeno contribuiria para que as distâncias entre as classes de uma sociedade sejam cada vez mais ampliadas, colocando em risco a ideia de democracia. Os dois textos mencionam exemplos de espaços públicos, nos quais tempos atrás coexistiam e confraternizavam indivíduos de origens e classes variadas. Além disso, segundo eles, hoje em dia alguns lugares passam pelo processo de “camarotização”, ao criar espaços diferenciados para membros de classes abastadas, que podem pagar mais caro para ter acesso a áreas privilegiadas. Nesse sentido, o último texto, que traz o depoimento de um professor, é um claro exemplo de quem viveu essa mudança da sociedade e não a vê com bons olhos, dadas as perdas nas áreas cultural e social citadas por ele. O terceiro texto, por sua vez, em outro sentido, menciona a ascensão das classes populares brasileiras a determinados espaços aos quais antes não tinham acesso, o que teria contribuído para o surgimento das áreas VIPs. Levando em conta tais relações entre os textos, o participante poderia utilizá­los para elaborar sua tese acerca do assunto, assumindo um posicionamento claro em relação ao fenômeno descrito. Vale lembrar que assumir um posicionamento não necessariamente implica dizer se é “certo” ou “errado”, “bom” ou “ruim”, mas sim estabelecer um ponto de vista, uma opinião sobre o assunto, que deve ser sempre relativizada e contraposta a ideias diferentes, a fim de se refutarem, de antemão, possíveis contra­argumentações às afirmações presentes no texto. Para tanto, poderia ser conveniente utilizar alguns dos exemplos dos textos motivadores citados, associados a informações, dados e fatos já conhecidos do participante e que também se mostrassem relevantes para a discussão. QUEsTõEs dO ENEm E dO VEsTIbUlAr REGISTRE NO CADERNO 1. (ENEM) Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. [...] Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. [...] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes. Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde sabeTendo em conta as sugestões desses textos, além de outras informações que julgue relevantes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema “Camarotização” da sociedade brasileira: a segregação das classes sociais e a democracia. Instruções: • A redação deve ser uma dissertação, escrita de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa. • Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível. Não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação. • Dê um título a sua redação. 244 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 244 5/12/16 6:16 PM rei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso registrar os fatos antecedentes. LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (fragmento). A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota­se essa peculiaridade porque o narrador a. observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens. b. relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem. c. revela­se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso. d. admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas. e. propõe­se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção. 2. (ENEM) Texto I O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias, mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? MELO NETO, J. C. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994 (fragmento). Texto II João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfere-a, aqui, ao retirante Severino, que, como o Capibaribe, também segue no caminho do Recife. A autoapresentação do personagem, na fala inicial do X texto, nos mostra um Severino que, quanto mais se define, menos se individualiza, pois seus traços biográficos são sempre partilhados por outros homens. SECCHIN, A. C. João Cabral: a poesia do menos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999 (fragmento). Com base no trecho de Morte e vida severina (Texto I) e na análise crítica (Texto II), observa­se que a relação entre o texto poético e o contexto social a que ele faz referência aponta para um problema social expresso literariamente pela pergunta “Como então dizer quem fala / ora a Vossas Senhorias?“. A resposta à pergunta expressa no poema é dada por meio da a. descrição minuciosa dos traços biográficos do personagem­narrador. b. construção da figura do retirante nordestino como um homem resignado com a sua situação. c. representação, na figura do personagem­narrador, de outros Severinos que compartilham sua condição. d. apresentação do personagem­narrador como uma projeção do próprio poeta, em sua crise existencial. e. descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha­se de ser descendente do coronel Zacarias. 3. (ENEM) Ai, palavras, ai, palavras que estranha potência a vossa! Todo o sentido da vida principia a vossa porta: o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota... A liberdade das almas, ai! Com letras se elabora... E dos venenos humanos sois a mais fina retorta: frágil, frágil, como o vidro e mais que o aço poderosa! Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam... MEIRELES, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento). O fragmento destacado foi transcrito do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Centralizada no episódio histórico da Inconfidência Mineira, a obra, no entanto, elabora uma reflexão mais ampla sobre a seguinte relação entre o homem e a linguagem: a. A força e a resistência humanas superam os danos provocados pelo poder corrosivo das palavras. X REGISTRE NO CADERNO 245 Por dentro do Enem e do vestibular PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 245 5/12/16 6:16 PM b. As relações humanas, em suas múltiplas esferas, têm seu equilíbrio vinculado ao significado das palavras. c. O significado dos nomes não expressa de forma justa e completa a grandeza da luta do homem pela vida. d. Renovando o significado das palavras, o tempo permite às gerações perpetuar seus valores e suas crenças. e. Como produto da criatividade humana, a linguagem tem seu alcance limitado pelas intenções e gestos. 4. (ENEM) Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por que é que você não cria galinhas-d'angola, como todo o mundo faz? — Quero criar nada não... — me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. [...] Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra. [...] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe. ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio (fragmento). Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros. No texto, destaca­se essa relação porque o personagem­narrador a. relata a seu interlocutor a história de Zé­Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho. b. descreve o processo de transformação de um meeiro — espécie de agregado — em proprietário de terra. c. denuncia a falta de compromisso e a desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra. d. mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente. e. mantém o distanciamento narrativo condizente com sua posição social, de proprietário de terras. 5. (ENEM) Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir o risco de infarto, X X mas também de problemas como morte súbita e derrame. Significa que manter uma alimentação saudável e praticar atividade física regularmente já reduz, por si só, as chances de desenvolver vários problemas. Além disso, é importante para o controle da pressão arterial, dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e a aumentar a capacidade física, fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-se, nesses casos, com acompanhamento médico e moderação, é altamente recomendável. ATALIA, M. Nossa vida. Época. 23 mar. 2009. As ideias veiculadas no texto se organizam estabelecendo relações que atuam na construção do sentido. A esse respeito, identifica­se, no fragmento, que a. a expressão “Além disso” marca uma sequenciação de ideias. b. o conectivo “mas também” inicia oração que exprime ideia de contraste. c. o termo “como”, em “como morte súbita e derrame”, introduz uma generalização. d. o termo “Também” exprime uma justificativa. e. o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de colesterol e de glicose no sangue”. 6. (ENEM) O Flamengo começou a partida no ataque, enquanto o Botafogo procurava fazer uma forte marcação no meio campo e tentar lançamentos para Victor Simões, isolado entre os zagueiros rubro-negros. Mesmo com mais posse de bola, o time dirigido por Cuca tinha grande dificuldade de chegar à área alvinegra por causa do bloqueio montado pelo Botafogo na frente da sua área. No entanto, na primeira chance rubro-negra, saiu o gol. Ap—s cruzamento da direita de Ibson, a zaga alvinegra rebateu a bola de cabeça para o meio da área. Kléberson apareceu na jogada e cabeceou por cima do goleiro Renan. Ronaldo Angelim apareceu nas costas da defesa e empurrou para o fundo da rede quase que em cima da linha: Flamengo 1 a 0. Disponível em: //momentodofutebol.blogspot.com (adaptado). O texto, que narra uma parte do jogo final do Campeonato Carioca de futebol, realizado em 2009, contém vários conectivos, sendo que a. após é conectivo de causa, já que apresenta o motivo de a zaga alvinegra ter rebatido a bola de cabeça. b. enquanto conecta duas opções possíveis para serem aplicadas no jogo. X REGISTRE NO CADERNO 246 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 246 5/12/16 6:16 PM c. no entanto tem significado de tempo, porque ordena os fatos observados no jogo em ordem cronológica de ocorrência. d. mesmo traz ideia de concessão, já que “com mais posse de bola”, ter dificuldade não é algo naturalmente esperado. e. por causa do indica consequência, porque as tentativas de ataque do Flamengo motivaram o Botafogo a fazer um bloqueio. 7. (ENEM) Disponível em: www.ccsp.com.br. Acesso em: 26 jul. 2010 (adaptado). O anúncio publicitário está intimamente ligado ao ideário de consumo quando sua função é vender um produto. No texto apresentado, utilizam­se elementos linguísticos e extralinguísticos para divulgar a atração “Noites do Terror”, de um parque de diversões. O entendimento da propaganda requer do leitor a. identificação com o público­alvo a que se destina o anúncio. b. a avaliação da imagem como uma sátira às atrações de terror. c. a atenção para a imagem da parte do corpo humano selecionada aleatoriamente. d. o reconhecimento do intertexto entre a publicidade e um dito popular. e. a percepção do sentido literal da expressão “noites do terror”, equivalente à expressão “noites de terror”. 8. (ENEM) Diferente do que o senso comum acredita, as lagartas de borboletas não possuem voracidade generalizada. Um estudo mostrou que as borboletas de asas transparentes da família Ithomiinae, comuns na Floresta Amazônica e na Mata Atlântica, consomem, sobretudo, plantas da família Solanaceae, a mesma do tomate. Contudo, os ancestrais dessas borboletas consumiam espécies vegetais da família Apocinaceae, mas a quantidade dessas plantas parece não ter sido suficiente para garanir o suprimento alimentar dessas borboletas. Dessa forma, X X as solanáceas tornaram-se uma opção de alimento, pois são abundantes na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica. Cores ao vento. Genes e fósseis revelam origem e diversidade de borboletas sul-americanas. Revista Pesquisa FAPESP. Nº 170, 2010 (adaptado). Nesse texto, a ideia do senso comum é confrontada com os conhecimentos científicos, ao se entender que as larvas das borboletas Ithomiinae encontradas atualmente na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica apresentam a. facilidade em digerir todas as plantas desses locais. b. interação com as plantas hospedeiras da família Apocinaceae. c. adaptação para se alimentar de todas as plantas desses locais d. voracidade indiscriminada por todas as plantas existentes nesses locais. e. especificidade pelas plantas da família Solanaceae existentes nesses locais. 9. (FUVEST – SP) Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos. Antonio Candido, “Dez livros para entender o Brasil”. Teoria e debate. Ed. 45, 01/07/2000. Constitui recurso estilístico do texto I. a combinação da variedade culta da língua escrita, que nele é predominante, com expressões mais comuns na língua oral; II. a repetição de estruturas sintáticas, associada ao emprego de vocabulário corrente, com feição didática; III. o emprego dominante do jargão científico, associado à exploração intensiva da intertextualidade. Está correto apenas o que se indica em a. I. b. II. c. I e II. d. III. e. I e III. X X REGISTRE NO CADERNO Thinkstock/Getty Images/Rony Costa/Finephoto (adaptado) 247 Por dentro do Enem e do vestibular PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 247 5/12/16 6:16 PM Simulado Enem − A redação em exame Como encerramento da unidade, você e seus colegas organizarão um simulado da prova de redação do Enem, que consistirá na aplicação de provas anteriores do exame, em determinado dia e horário. Preparação e divulgação do simulado • Organizem-se em dois grupos, cada um dos quais ficará responsável por selecionar uma prova de redação do Enem de anos anteriores. • Convidem professores e funcionários da escola, ou mesmo pais de alunos, para, no dia do simulado, auxiliarem na parte administrativa: organizar e fazer a distribuição das provas, controlar o tempo de aplicação, recolher os textos, lacrar os envelopes e encaminhá-los aos grupos organizadores. • Façam uma divulgação antecipada do simulado para a comunidade da escola e convidem outros interessados para participar. • Elaborem uma ficha de inscrição, simplificada, a ser disponibilizada em certo(s) local(is) por um período estipulado, para que vocês saibam antecipadamente quantas pessoas participarão do simulado. • Com a lista dos inscritos em mãos, dividam o número de pessoas, igualmente, entre os dois grupos. Organização da prova • Cada grupo deverá selecionar uma prova do Enem de anos anteriores, sem permitir que o outro grupo tome conhecimento de qual foi a prova escolhida. • Organizem os participantes pela sequência dos números de inscrição, que devem constar nas provas em vez dos nomes, a fim de que a identidade dos autores das redações não seja conhecida no momento da correção. Rico/Arquivo da editora 248 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 248 7/6/17 08:41


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