Peço licença ao leitor para contar uma história de amor. Quando vivia o começo de um relacionamento, no ápice da paixão, certo dia, depois de um café da manhã conversando e rindo, senti que havia algo mais. Era amor. Um inequívoco “eu te amo” queria sair, teimava em ser dito. Engoli a seco e, em vez de dizer o que queria, falei: “Sinto que você vai me amar muito”. A canção imortalizada na voz de Cazuza ficou ecoando em mim: “É que eu preciso dizer que te amo”. Pensei o que, afinal, motivava a necessidade de afirmar o amor pelo outro, por que sentimos medo de dizer, por que é tão importante ouvirmos de volta?
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Existem múltiplas formas de amar, mas aqui, falamos de amor romântico. Ao longo dessa matéria, você vai ler história de casais de diversas orientações sexuais e as formas como disseram (ou não) eu te amo. Pense em todos os filmes românticos aos quais você já assistiu, nos livros de amor que já leu, nas novelas das quais se lembra. É quase um consenso que, se falamos de romance, as três palavrinhas sempre aparecem nos diálogos. Longe das páginas e das telas, assumir o amor com todas as letras também é uma questão para os casais.
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A professora de antropologia e pesquisadora norte-americana Helen Fisher estuda a atração romântica interpessoal há mais de 30 anos e já escreveu vários livros sobre o assunto, como “Anatomia do amor”, “Por que amamos”, e “Por que ele, por que ela?”. A especialista acredita que sentir amor e declarar o amor são processos totalmente distintos.
“É como o dia e a noite. Se você sente que ama, o sentimento está apenas em você. Quando você diz ao outro, você se vulnerabiliza, você afirma o que sente e coloca a outra pessoa em uma posição de corresponder ou não. A pessoa pode dizer apenas um muito obrigada”, explica ela.
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“Um dia eu falei: 'Então vamo?' e minha namorada entendeu 'eu te amo'e disse 'e eu te amo também', sorrindo fofa. Eu arregalei os olhos, porque não esperava o e respondi meio confusa "eu também te amo". Aí ela também ficou confusa e percebeu que tinha ouvido errado. Rimos e foi legal, porque conversamos e as duas já sentiam e tinham vontade de dizer mesmo” Isabelle Saint Martin, sobre um eu te amo que saiu quase sem querer, mas era (e é) amor.
E, de acordo com Helen, absolutamente todos desejam ouvir que são amados de volta. “Quando você ama alguém, pensa na pessoa o tempo todo, deseja demais estar com a pessoa e quer sentir uma união emocional com o outro, ou seja você quer ser amado de volta”, diz ela.
Amar dá onda
A pesquisadora explica que ouvir um eu te amo pode trazer uma série de sensações físicas. “Cada pessoa reage de uma forma. Caso você não sinta aquele amor de volta, a sensação pode ser de claustrofobia, frustração, irritabilidade. Mas, quando você ama, o cérebro libera dopamina e você sente excitação, euforia, otimismo, emoção”, diz ela. As borboletas no estômago e o frio na espinha são reais.
Helen identificou em seus estudos que o cérebro de quem ama entende a pessoa amada como diferente de todas as outras. “Um mapeamento do cérebro mostra que tudo sobre quem se ama é especial, o jeito que eles falam, a forma como dirigem, o carro que tem. Há uma energia específica para quem ama. Um desespero quando as coisas vão mal, uma felicidade específica quando tudo está bem, a boca fica seca, a saudade é desesperadora. Há um verdadeiro tsunami no cérebro”, diz ela. Intenso, né?
E essa sentimento não tem idade. Helen conta que já trabalhou o cérebro de um bebê de 2 anos e meio. “Essa criança ficava completamente hipnotizada na presença de uma menininha, não interagia com mais ninguém, queria ficar perto dela o tempo todo, e fazia carinho na cabeça dela. Ele ainda não entende isso, mas é um efeito do amor”, diz. Helen conta que também já viu um caso de intenso estado de amor em um senhor idoso de 87 anos.
A construção social do amor
Para a psicoterapeuta Denise Figueiredo, do Instituto do Casal, a capacidade de verbalizar os sentimentos tem a ver com os exemplos que tivemos. “O amor é construído culturalmente, socialmente e a forma como a gente expressa o amor depende de como fomos educados e criados. Se na sua casa diziam muito eu te amo, a sua chance de expressar o amor pela palavra é maior, se na sua família o eu te amo vem de um lugar que representa insegurança, você não deve ter tanta facilidade em declarar”, explica ela.
O medo de não ouvir o eu te amo de volta é tanto que muitos (como eu) guardam seus sentimentos.
“Eu comprei um livro pela internet para dar de presente e o namoro terminou antes do livro chegar. Escrevi uma dedicatória e lá disse que eu o amava. Foi ótimo porque não havia a pressão de ouvir de volta. Eu nunca tinha falado antes e achei que era bom que ficasse registrado e que ele soubesse” Julia Souza, sobre um eu te amo tardio, para o namorado com quem acabou reatando
“Há quem só fale quando sabe que o outro vai dizer de volta. Eu atendo muitos casais que há anos não falam eu te amo e dizer é poderoso. Tem um poder quando você verbaliza o que sente, é capaz de transformar as relações”, diz ela.
A hora certa para dizer eu te amo
Nesse ponto, a ciência e as etiquetas sociais não são capazes de ajudar. Não há o momento certo para dizer que ama. Cedo demais, tarde demais: tudo é subjetivo.
“Não há regras para o amor, é ter a coragem de dizer e bancar aquilo o que vc sente. Se eu digo que amo, tenho que ter a consciência de que posso escutar do outro que não ama ainda, preciso aguentar a rejeição, entender que o outro não está tão engajado”, diz Denise Figueiredo.
“Eu já ouvi sem responder durante um relacionamento. Eu dizia ‘que fofo’ ou mandava emoticons. Hoje me arrependo, acho que poderia ter falado mesmo sem amar, porque dói menos um eu te amo mentiroso do que uma resposta que você não tem para dar. Ouvir um ‘eu te amo’ sem amar a pessoa é horrível, ter que pensar no que falar é aterrorizante. Chegou um momento que eu tinha pânico de ouvir ‘eu te amo’” Patrícia Albuquerque, sobre não conseguir corresponder um amor.
A psicoterapeuta acredita que declarar o amor deveria acontecer de acordo com o que se sente, sem levar em conta se o outro dirá ou não (apesar de ser difícil). “A melhor expressão do eu te amo é quando ocorre de maneira independente do outro, quando se é fiel às próprias emoções, ao que você sabe sentir. Não espere o eu te amo do outro para falar o seu eu te amo. A lógica e a cronologia do coração são completamente diferentes da nossa razão”, diz ela.
Para comunicar amor
O comunicólogo Rodrigo Amorim, pesquisador de relacionamentos 2.0, acredita que declarar o amor tem a ver com um desejo inato do ser humano de negar a dor da solidão.
“Todos nós queremos nos sentir vinculados ao outro. Quando nós dizemos eu te amo, nós tentamos dar sentido a uma relação entre duas pessoas que querem e precisam construir afeto. O corpo pede afeto, nós precisamos construir vínculos e o eu te amo é uma teia, um tecido capaz de construir essa união”, explica ele.
“Eu tive dificuldade em assumir o relacionamento, porque existia uma diferença de idade e eu a achava muito nova, isso me causava insegurança, eu pensava que ela poderia conhecer outras pessoas. Além disso, estava em um momento em que eu não conseguia fazer planos a longo prazo. Limitei essa relação, mas o sentimento cresceu independentemente do que eu pretendia racionalmente. Apesar de qualquer relutância, era amor. Quando a gente terminou, eu engoli a seco e não falei” Ingrid Laureano, sobre um amor que nunca foi declarado
Se você ficou curioso sobre o meu caso em particular, o meu eu te amo saiu um pouco depois desse dia, cheio de certeza.