Quais são as enzimas hepáticas mais importantes a serem avaliadas?

Introdução

Anatomia hepatobiliar

  • Fígado:
    • Maior órgão sólido do corpo humano
    • Encontrado no QSD do abdómen
    • As suas funções incluem desintoxicação, metabolismo (hidratos de carbono, proteínas e lípidos), armazenamento de nutrientes e produção de proteínas.
  • Vesícula biliar e vias biliares:
    • Saco em forma de pêra
    • Funciona como o órgão de armazenamento da bílis e a rede de ductos que transportam a bílis da vesícula biliar para o intestino para excreção
Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Fisiologia hepatobiliar

  • As principais funções do fígado são:
    • Produção de bílis
      • Ajuda a excretar resíduos metabólicos
      • Auxilia na absorção e digestão de lípidos
    • Armazenamento e/ou metabolismo de vitaminas lipossolúveis
    • Metabolismo de fármacos
    • Metabolismo da bilirrubina
      • Heme → biliverdina → bilirrubina não conjugada
      • O fígado conjuga a bilirrubina, que é então secretada na bílis.
    • Função imunológica: eliminação de microrganismos e endotoxinas do sangue portal
    • Síntese proteica
  • Podem ser avaliadas várias proteínas hepáticas individualmente, mas o painel de função hepática standard avalia o seguinte:
    • Proteínas totais
    • Bilirrubina
    • Albumina
    • ALT
    • AST
    • Rácio AST/ALT
    • Fosfatase Alcalina (ALP)
  • As proteínas hepáticas podem ser agrupadas pelo tipo de disfunção hepática que medem:
    • Parâmetros de dano hepático: ALT, AST, rácio AST/ALT e glutamato desidrogenase (GLDH, pela sigla em inglês)
    • Parâmetros de doença biliar: gama-glutamil transpeptidase (GGTP, pela sigla em inglês), ALP e bilirrubina
    • Parâmetros de síntese hepática: albumina, colinesterase, TP (tempo de protrombina)

Tabela: Padrões enzimáticos na doença hepática

Doença hepáticaALT e ASTALPBilirrubinaGGTPTP
Lesão hepática aguda (por exemplo, hepatite viral) ↑↑↑
> 10 vezes o valor normal
Geralmente ALT > AST
Normal ou ↑ Normal ou ↑ Normal
Lesão hepática crónica (por exemplo, esteatose hepática) ↑↑ Normal ou ↑ Normal ou ↑ Normal
Doença hepática alcoólica (ALD, pela sigla em inglês)
AST/ALT > 2
Normal ou ↑ Normal ou ↑ ↑↑ Normal
Colestase ↑↑
> 4 vezes
↑↑ ↑↑ Normal
Cirrose
AST > ALT
Normal ou ↑ ↑ Em estadios avançados Prolongado
Cancro de fígado Normal ou ↑ ↑↑ Normal ou ↑ Normal ou ↑ Prolongado
Hepatite autoimune ↑↑
ALT > AST
Normal ou ↑ Normal
Lesão isquémica/choque hepático ↑↑↑ Normal ou ↑ Prolongado

Parâmetros de Dano Hepático

Quando os hepatócitos estão danificados, libertam as suas enzimas na circulação. A magnitude da disfunção dos níveis enzimáticos reflete a gravidade do dano hepático.

Tabela: Parâmetros de lesão hepática

ParâmetroIntervalo normalFunçãoCausas de elevaçãoALTASTGLDHRácio AST/ALT
8–20 U/L
  • Produzido no fígado
  • Marcador específico de lesão hepática
  • Envolvido no metabolismo de aminoácidos, catalisa a transferência de um grupo amina entre glutamato e alanina
  • Todos os tipos de lesão hepática
  • Quando apenas AST está alterado:
    • Lesão muscular
    • EAM

> 1000 U/L:
  • Hepatotoxicidade induzida por fármacos
  • Hepatite isquémica
  • Hepatite viral aguda
8–20 U/L
  • Envolvido no metabolismo de aminoácidos, catalisa a transferência de um grupo amina entre o glutamato e o aspartato
  • Também presente no coração, músculo e rins
1–10 U/L
  • Produzido na mitocôndria
  • Converte glutamato em α-cetoglutarato, libertando amónia no ciclo da ureia
  • Elevado quando a necrose dos hepatócitos é o evento predominante
  • Hepatite grave
  • Toxinas
  • Isquemia hepática
Aproximadamente 0.8 Usado para diferenciar as causas de lesão hepatocelular
  • Na maioria das doenças hepáticas, ALT > AST, com rácio > 1
  • Em ALID AST > ALT, com rácio > 2
  • AST > ALT na doença hepática não alcoólica sugere cirrose

Parâmetros da Doença Biliar

  • Doença biliar: patologia que afeta os ductos biliares intra e extra-hepáticos e a vesícula biliar
  • Colestase: falha na excreção de bilirrubina conjugada para o duodeno

Tabela: Parâmetros de doença biliar

ParâmetroIntervalo normalFunçãoCausas de elevaçãoGGTPALPBilirrubina
9–48 U/L
  • Envolvida no transporte de aminoácidos e metabolismo da glutationa
  • Presente também no rim, pâncreas e intestino
  • Perturbação do abuso de álcool (AUD, pela sigla em inglês)
  • Colestase
44–147 UI/L Responsável pela desfosforilação de vários compostos
  • 3º trimestre de gravidez
  • Colestase
  • Doença óssea:
    • Metástases esqueléticas
    • Osteomalácia
    • Cicatrização de fraturas
Total 0.1–1 mg/dL Pigmento amarelo produzido durante a destruição das hemácias via catabolismo do grupo heme Elevada em várias doenças do fígado, vesícula biliar, árvore biliar ou hemácias (por exemplo, hemólise)
Direto 0.0–0.3 mg/dL Conjugada com ácido glucurónico, solúvel em água Geralmente associada a causas de colestase obstrutiva
Indireto Geralmente medida como a diferença entre a bilirrubina total e direta Não conjugada com ácido glucurónico, lipossolúvel
  • Síndromes hereditárias de defeitos na conjugação da bilirrubina
  • Hemólise de hemácias

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Parâmetros de Síntese Hepática

  • O fígado é responsável pela produção de muitas proteínas e enzimas.
  • A lesão hepatocelular pode reduzir a capacidade de síntese.

Tabela: Parâmetros de síntese hepática

ParâmetroIntervalo normalFunçãoCausas de elevaçãoAlbuminaColinesteraseTP
3.5–5.5 g/dL
  • Proteína sérica principal
  • Determina a pressão oncótica intravascular
  • Transporte intravascular de substâncias (fármacos, hormonas, bilirrubina)
  • Elevada na desidratação
  • Diminuída na doença hepática avançada (por exemplo, cirrose) ou perda urinária de proteínas (por exemplo, síndrome nefrótica)
8–18 U/mL
  • Decompõem os ésteres de colina (importantes para o metabolismo de muitos fármacos, incluindo anestésicos)
  • Produzida apenas pelo fígado
  • Elevada na doença de Alzheimer, diabetes tipo 2, doença cardíaca coronária (CHD, pela sigla em inglês)
  • Diminuída na doença hepática avançada (por exemplo, cirrose) e desnutrição
  • Inibida no envenenamento por pesticidas organofosforados
9.5–13.5 segundos
  • Mede a capacidade do fígado de sintetizar fibrinogénio e fatores de coagulação II, VII, IX e X
  • Avalia a eficiência das vias extrínseca e comum da cascata de coagulação
    Prolongado em:
  • Deficiência de vitamina K
  • Doença hepática (por exemplo, cirrose), que impede a produção de fator de coagulação
  • Sobredosagem de Varfarina
  • CID
  • Deficiência hereditária de fator de coagulação (por exemplo, hemofilia)

Relevância Clínica

Doenças hepáticas

  • Neoplasias:
    • Tumores benignos do fígado: hemangiomas cavernosos, adenomas hepatocelulares e hiperplasia nodular focal (FNH, pela sigla em inglês)
    • Cancro do fígado: carcinoma hepatocelular (HCC, pela sigla em inglês); colangiocarcinoma intra-hepático; hepatoblastoma; angiossarcoma; hemangioendotelioma; metástases hepáticas de malignidades GI, mama e pulmão; e tumores hepáticos raros (carcinossarcomas, teratomas, tumores do saco vitelino, tumores carcinoides e linfomas)
  • Infeções:
    • Abcesso hepático piogénico: acumulação de pus que se forma no fígado devido a uma infeção bacteriana, fúngica ou parasitária. Doentes com abcesso hepático piogénico devem ser submetidos à drenagem do abcesso e receber antibióticos sistémicos.
    • Hepatite viral: causada principalmente pelos vírus da hepatite A, B, C, D e E, resultando em inflamação direcionada ao fígado. Os doentes desenvolvem sintomas inespecíficos, como náuseas, vómitos, anorexia e dor abdominal.
  • Doenças inflamatórias:
    • Doença hepática alcoólica: doença progressiva caracterizada por inflamação e lesão hepática devido ao abuso excessivo de álcool a longo prazo. Os doentes classicamente apresentam aumento das enzimas hepáticas, com AST mais elevada do que ALT.
    • Esteatose hepática não alcoólica (NAFLD, pela sigla em inglês): caracterizada pela acumulação excessiva de gordura no fígado sem ingestão excessiva de álcool. A gravidade da condição varia desde assintomática a esteato-hepatite não alcoólica (NASH, pela sigla em inglês) caracterizada por lesão hepática progressiva.
    • Hepatite autoimune (AIH, pela sigla em inglês): processo inflamatório progressivo que leva à hepatite crónica ou cirrose. A hepatite autoimune é caracterizada pela presença de autoanticorpos circulantes e altas concentrações de globulina sérica.
    • Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis: caracterizada pela inflamação da cápsula hepática que ocorre em mulheres como complicação da doença inflamatória pélvica (PID, pela sigla em inglês).
  • Hereditárias:
    • Hemocromatose: doença genética autossómica recessiva devido a uma mutação do gene HFE, quen resulta em aumento da absorção intestinal de ferro. Os doentes apresentam hepatomegalia, cirrose, pele bronzeada, diabetes, artralgia e cardiomiopatia (CM, pela sigla em inglês).
    • Doença de Wilson: doença metabólica autossómica recessiva no qual há alteração na excreção de cobre, o que leva à acumulação de cobre no fígado.
    • Síndrome de Dubin-Johnson: doença autossómica recessiva rara com níveis elevados de bilirrubina conjugada que levam a um depósito de pigmento semelhante à melanina no fígado, o que causa o que é conhecido como “fígado preto”. Clinicamente, a síndrome de Dubin-Johnson apresenta icterícia devido aos níveis elevados de bilirrubina conjugada.
  • Miscelânea:
    • Hipertensão portal: devido à pressão elevada na veia porta. A hipertensão portal é mais frequentemente causada por cirrose, schistosomíase, trombose da veia porta ou outras anomalias vasculares hepáticas. A condição está raramente associada à hipertensão pulmonar (PH, pela sigla em inglês).
    • Cirrose: condição causada por lesão hepática crónica. A cirrose pode ser a consequência de uma infinidade de insultos crónicos ao fígado. A doença hepática alcoólica é uma das principais causas. A cirrose é caracterizada por necrose do parênquima hepático, que acaba por levar à fibrose e insuficiência hepática.
    • Síndrome de Budd-Chiari: condição rara resultante de obstrução da veia hepática que leva a hepatomegalia, ascite e desconforto abdominal.

Doenças biliares

  • Litíase biliar: presença de cálculos na vesícula biliar.
  • Colecistite: condição caracterizada por inflamação da vesícula biliar, geralmente devido a infeção bacteriana que leva à obstrução do ducto quístico. Os doentes apresentam dor intensa no quadrante superior direito.
  • Colangite: infeção do trato biliar, geralmente devido ao fluxo ascendente de bactérias, facilitado pela estase biliar. A colangite pode levar a estenoses, estase biliar adicional e coledocolitíase recorrente.
  • Cirrose biliar primária (PBC, pela sigla em inglês): também conhecida como colangite biliar primária, a PBC é uma doença autoimune progressiva crónica caracterizada pela destruição dos ductos biliares intra-hepáticos, o que leva a colestase, cirrose e insuficiência hepática.
  • Colangite esclerosante primária (PSC, pela sigla em inglês): inflamação crónica progressiva dos ductos biliares que leva a fibrose e estenose, sem causa conhecida. A colangite esclerosante primária está significativamente associada à doença inflamatória intestinal (IBD, pela sigla em inglês).

Referências

  1. Giannini, EG, Testa, R, & Savarino V. (2005). Liver enzyme alteration: A guide for clinicians. CMAJ, 172(3),367–79. //pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15684121/
  2. Hall, P, & Cash, J. (2012). What is the real function of the liver “function” tests? The Ulster Medical Journal, 81(1),30–36. //pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23536736/
  3. Hoekstra, LT, et al. (2013). Physiological and biochemical basis of clinical liver function tests: A review. Annals of Surgery,  257(1),27–36. //pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22836216/
  4. Kalra, A, Yetiskul, E., Wehrle, CJ, et al. Physiology, liver. [Updated 2020 May 24]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan–.
  5. Lindenmeyer, CC. (2019). Laboratory tests of the liver and gallbladder. MDS Manual. Merck & Co., Inc., Kenilworth, NJ, USA. Retrieved May 27, 2021 from: //www.msdmanuals.com/professional/hepatic-and-biliary-disorders

Quais as principais enzimas hepáticas?

São duas as principais enzimas do fígado, conhecidas como aspartato aminotransferase (AST ou TGO) e alanina aminotransferase (ALT ou TGP). Concentrações altas dessas enzimas no sangue tendem a indicar alterações ou doenças no fígado.

Quais enzimas avaliam melhor a função hepática?

A alanina aminotransferase (ALT) e a aspartato aminotransferase (AST) são liberadas pelos hepatócitos lesionados; assim, estas enzimas são boas marcadoras de lesão hepática.

Quais são os exames de enzimas hepáticas?

Testes de Função Hepática.
Fosfatase alcalina. ... .
Alanina transaminase (ALT – TGP) ... .
Aspartato transaminase (AST – TGO) ... .
Bilirrubina. ... .
Gamaglutamil transpeptidase (GGT) ... .
Albumina. ... .
Alfafetoproteina. ... .
Tempo de protrombina..

Quais são as enzimas biomarcadores que são utilizadas para avaliar a função hepática?

Na análise bioquímica, atualmente procede-se à medição dos biomarcadores mais comuns como a ALT, a aspartato aminotransferase (AST), a fosfatase alcalina (ALP), a gama glutamiltransferase (GGT) e a bilirrubina.

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