O Barroco foi a escola das contradições, e Gregório de Matos foi a síntese desse período.
Gregório de Matos foi considerado a síntese do Barroco, sua vida foi tão tumultuada quanto o período que ele representou. Sua obra foi permeada de temáticas controversas, pois a mesma mão que escrevia sátiras e pornografias produzia sobre o amor e a religião.
Nascido na Bahia, em uma família abastada, Gregório de Matos estudou os primeiros anos em um colégio de Jesuítas e, depois, aos 14, mudou-se para Portugal. Os trinta e dois anos passados na corte foram de paz e tranquilidade. Ao voltar ao Brasil, foi designado ao serviço de Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia, cargo que não ocupou por muito tempo por não se enquadrar no perfil da instituição.
Após ter sua expulsão concretizada, Gregório de Matos passou a satirizar a sociedade baiana, bem como a eclesiástica. Sua poesia pornográfica e satírica fez com que fosse apelidado de “Boca de inferno”. Em virtude do teor de sua obra, ganhou vários desafetos, nem seu casamento com Maria dos Povos impediu sua decadência moral e profissional. Cada dia a situação do poeta ficava mais difícil, até ficar insustentável, o que o fez ser deportado para Angola para não ser assassinado.
Voltou ao Brasil após contribuir com o esclarecimento de uma conspiração militar, mas não pôde voltar para sua terra natal, ficando em Recife, onde morreu em decorrência de uma febre contraída em Angola.
A obra de Gregório foi extensa e pode ser encontrada no livro “Obras Completas”, organizado pela Academia Brasileira de Letras. Alguns de seus poemas são atemporais, como “A cada canto um grande conselheiro” e “À cidade da Bahia”, pois Gregório criticou a sociedade da época, a corrupção e imperfeições da justiça, a desigualdade social, a falta de valores dos cidadãos etc.
No fim de sua vida, Gregório arrependeu-se da forma com que se relacionou com a Igreja Católica. Usando todo seu conhecimento religioso, ele escreveu sobre a fragilidade do homem perante Deus, sobre o pecado, a necessidade de perdão e as misericórdias de Deus. Um dos poemas dessa época foi “A Cristo N. S. crucificado.”
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Os poemas de Gregório de Matos sofreram forte influência de Góngora e Quevedo, grandes escritores espanhóis da época e principais representantes do Cultismo e Conceptismo, tanto que esses estilos também são conhecidos, respectivamente, por Gongorismo e Quevedismo, em homenagem aos seus ícones. A seguir, acompanhe as principais características dos estilos que embora não se excluam, enfatizam elementos diferentes.
Conceptismo: ressaltava as ideias, que deveriam aparecer de forma clara, lógica.
Cultismo: cultuava a forma, por isso havia uma grande preocupação com a escolha das palavras, já que elas precisavam ser expressivas, por isso o recorrente uso de figuras de linguagem.
Gregório escreveu poesia sacra, lírico-amorosa e satírica. Veja as principais características da sua obra:
Lírico-amorosa:
- Amor: representava ao mesmo tempo fonte de prazer e de sofrimento;
- Mulher: o retrato da mulher também era dual, uma vez que representava a figura de um anjo, mas por ser fonte do prazer carnal, também representava a perdição.
Sacra:
- Pecado X Virtude;
- Culpa X Salvação;
- Às vezes, citava trechos da bíblia advogando em sua própria defesa. Exatamente por ter consciência do seu lado pecaminoso, precisava interceder por si mesmo, na busca pelo perdão.
Satírica:
- Mistura de tragédia e comédia;
- Denúncia dos maus costumes da sociedade da época;
- Denúncia de valores pecaminosos.
Como é possível perceber, os temas são controversos, demonstrando e sintetizando os conflitos vivenciados na época, já que o homem barroco estava constantemente diante das dicotomias pecado e perdão, amor e ódio, céu e inferno, vida e morte. Logo, é possível afirmar que Gregório de Matos conseguiu sintetizar em sua obra o momento vivido por sua época.
Os três primeiros séculos da literatura no Brasil mostram que houve simultaneidade dos estilos Barroco, Neoclacissismo e Arcadismo. Podemos fazer tal afirmação, uma vez que as características, muitas vezes, somavam-se e nem sempre os períodos seguiam cronologia exata – é sempre bom lembrar que as datas apresentadas nos manuais de literatura servem-nos apenas como uma pista para entender o momento histórico em que as correntes artísticas aconteciam. O Barroco literário brasileiro nasceu com os primeiros textos jesuíticos e se manteve até o século XVIII e teve como principais representantes Padre Antônio Vieira, Bento Teixeira e Gregório de Matos Guerra.
A literatura produzida naqueles movimentos estéticos resultava de um conceito muito difundido na época situada entre o Renascimento e o Romantismo: a regra da criação literária era a imitação. Ao poeta daquele período não era suficiente a inspiração; o êxito e a perfeição poéticas somente poderiam ser alcançados a partir da imitação dos clássicos. O professor Afrânio Coutinho, em seu livro Introdução à literatura no Brasil, diz que
Essa norma decorria do próprio sistema educacional vigente, baseado nas famosas Literae Humaniores. Nele exercia papel fundamental a retórica, através da obra dos retóricos clássicos – Aristóteles, Isócrates, Cícero, Horário, Quintiliano. A tradição retórica dominou a época como uma sólida corrente de interpretação e crítica, tanto quanto de formação intelectual, cujo objetivo era ensinar a falar e escrever com persuasão. […] Naquele tempo era motivo de superioridade e não de inferioridade artística […] um escritor mostrar que imitava um modelo da Antiguidade(p.85-86)
O Barroco tentava a conciliação do ideal medieval, espiritual com os novos valores renascentistas: o humanismo, o gosto pela coisas terrenas, as satisfações mundanas e carnais. Movimento que surgiu logo após a Contra-Reforma, o Barroco era um novo estilo de vida que refletia as contradições da época e as expressava nas artes plásticas, na filosofia, na religião e na literatura.
Gregório de Matos Matos (1636 – 1696) era doutor in utroque jure pela Universidade de Coimbra. Sua produção literária continha poesias líricas, religiosas e satíricas. Havia em sua poesia denúncias contra as autoridades da colônia, o desprezo pelos mestiços, a cobiça pelas mulatas, o fervor religioso.
À mesma dona Ângela
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica
flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda
À mesma dona Ângela é uma poesia lírica. Aqui podemos perceber o caráter imitativo da obra de Gregório de Matos que, assim como poetas como Shakespeare, comparava a beleza da musa a elementos da natureza. A musa é, ao mesmo tempo, comparada a um anjo e à flor angélica. O paradoxo, figura de linguagem bastante explorada no Barroco literário também é encontrada no poema: “Sois anjo que me tenta e não me guarda”. Angélica é retratada metaforicamente como um ser tão puro que pode ser comparado a um anjo ou a uma flor, porém sua beleza é tão perturbadora para o eu lírico que estar próximo a ela é uma tentação.
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado
de vossa alta piedade me despido.
Antes quanto mais tenho delinquido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido;
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já
cobrada
glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,
eu sou, Senhor, ovelha desgarrada:
cobrai-a, e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.
O Barroco foi influenciado pela ideologia da Contra-Reforma e pelo Concílio de Trento. A estética barroca é composta pelo dualismo razão/fé. A Contra-Reforma “opôs a concepção de ‘homem aberto’, voltado para o céu assim, à ideia renascentista do ‘homem fechado’, limitado à terra” (COUTINHO, 1995). O poema Pequei, Senhor reflete o homem barroco saudoso da religiosidade medieval.
Epílogos
Que vai pela clerezia?………………Simonia
E pelos membros da Igreja?……….Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?…..Unha.
Sazonada
caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos frades há manqueiras?………Freiras
Em que ocupam os serões?…………Sermões
Não se ocupam em disputas?………Putas.
Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.
O açúcar já se acabou?………………Baixou
E o dinheiro se extinguiu?………….Subiu
Logo já convalesceu?…………………Morreu.
À Bahia aconteceu
o que a um
doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.
A Câmara não acode?……………….Não pode
Pois não tem todo o poder?………..Não quer
É que o governo a convence?……..Não vence.
Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.
Gregório ficou conhecido pelo apelido Boca do Inferno pelo teor de suas poesias satíricas e pelo vocabulário deselegante que empregava em suas obras. No poema Epílogos, o autor utiliza a estética medieval com estrofes em redondilha maior (sete sílabas métricas). Outra característica barroca presente no texto é o processo de disseminação e recolha: as palavras são espalhadas por versos diferentes para depois serem reunidas em um mesmo verso, como podemos ver em “Simonia, Inveja, Unha” e nas estrofes seguintes.