A g�nese do lazer na sociedade moderna
Segundo Mascarenhas (2003), o lazer n�o � algo que est� est�tico, ou seja, est� em movimento na sociedade e seu atual significado e crescente import�ncia na sociedade contempor�nea possuem refer�ncias hist�ricas.
Fazendo um �resgate� hist�rico do Lazer, podemos perceber que a defini��o do mesmo se confunde com a no��o de �cio, pois de acordo com Chau� (1999), no pensamento cl�ssico ou ideal grego, �cio isto � skhole, era percebido como uma forma de vida cujas a��es humanas orientavam-se pela contempla��o e reflex�o de supremos valores da �poca. Tendo em vista que o modo de produ��o vigente na �poca assentava-se sobre a escravid�o, os sentidos atribu�dos ao �cio derivavam de uma forma de organiza��o social economicamente estratificada. �cio era tido como um tempo social de n�o trabalho.
No per�odo Romano uma nova concep��o de �cio � introduzida em oposi��o ao neg�cio, �cio passa a ser concebido como tempo de descanso do corpo e de recrea��o do esp�rito.
Diferente do que ocorre na Gr�cia o trabalho perde sua conota��o negativa e �cio passa a ter o significado de um tempo livre do trabalho. Em fun��o do contexto s�cio econ�mico, �cio passa a ter outra fun��o, atrav�s da pol�tica do �p�o e circo� surge o ��cio das massas�. Este, em contraponto ao �cio das classes dirigentes, passa a ser meio de despolitiza��o e controle pelo Estado.
Na Idade M�dia o �cio passa a ser utilizado como distintivo de classes, o que o remete � esfera do consumo, demonstra��o ostensiva de poder econ�mico a ser manifestada pela utiliza��o e gasto do tempo livre ocioso.
No In�cio da Idade moderna com o Puritanismo Religioso e a Reforma Protestante, novo valor se sobrep�e ao �cio, devido agora � exalta��o do trabalho. De castigo Divino que fora, tornou-se virtude, tornou-se regra moral, transforma��o exemplificada pelo dito �m�os desocupadas, oficina do Diabo�. O trabalho passa a ser sin�nimo de esfor�o pessoal necess�rio para o acumulo de riquezas. Ent�o considerado como anti-trabalho o �cio passa a ser considerado sin�nimo de v�cio, sin�nimo de tempo perdido.
Com a Revolu��o Industrial, pensava-se erroneamente no aumento de tempo livre, mas o novo modo de produ��o imp�s aos oper�rios exaustivas jornadas de trabalho. Esse cen�rio de explora��o dos trabalhadores desencadeou intensas lutas sociais pela redu��o da jornada de trabalho e aumento regularmente do tempo livre. E no momento que sucede o capitalismo, o tempo livre limitava-se ao tempo de desconto necess�rio para recupera��o de for�as f�sicas do trabalhador, n�o havendo lugar para o �cio.
Sendo assim, o tempo livre passa a ser realidade do trabalhador e seria preciso inaugurar-se estrat�gicas para controle desse tempo livre. A Igreja, a Escola, a fam�lia contribuem para o controle do tempo livre, mesmo assim o �cio e suas negativas manifesta��es sobreviviam subvertendo a ordem social estabelecida. Nasce, ent�o, o lazer, para se contrapor aos h�bitos doentios da ociosidade, estendendo-se para toda a popula��o como o modo de vida presente nas formas de entretenimento e divers�o.
Nas sociedades rurais n�o havia uma separa��o entre as esferas da vida do homem. O local de trabalho muitas vezes era na pr�pria moradia e trabalho e lazer se confundiam. Na sociedade moderna, marcadamente urbana a industrializa��o acentuou a divis�o social de trabalho. A industrializa��o pode ser considerada como divisor de �guas entre trabalho/lazer.
Podemos perceber que o fen�meno do lazer como esfera pr�pria e concreta se d� a partir da revolu��o industrial, com o processo de automa��o que acentuou a divis�o do trabalho e a aliena��o. O lazer � resultado desse processo hist�rico que permitiu uma maior produtividade em menos tempo e surgiram com isso reivindica��es sociais pela distribui��o do tempo liberado de trabalho.
O lazer � um fen�meno tipicamente moderno, resultante das tens�es entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espa�o de viv�ncias l�dicas, lugar de organiza��o da cultura, perpassado por rela��es de hegemonia. (MASCARENHAS, 2003)
Antunes (2003) julga que �n�o � poss�vel compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e alienado com tempo (verdadeiramente livre). E que uma vida desprovida do sentido no trabalho � incompat�vel com uma vida cheia de sentido fora do trabalho�. Ele tamb�m afirma que a concep��o de lazer na ordem burguesa est� em rela��o ao trabalho, pois o lazer como forma de humaniza��o s� � poss�vel para aqueles que se apropriaram do capital cultural.
Se o trabalho torna-se dotado de sentido, ser� tamb�m (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da literatura, da m�sica, do tempo livre, do �cio, que o ser social poder� humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo. (ANTUNES, 2002, p.177)
Castellani Filho (1994), afirma que as primeiras pol�ticas para o esporte e o lazer foram planejadas na d�cada de 30 (trinta), com o objetivo de disciplinarizar o esporte e os corpos. Tamb�m foram criados os Clubes de Menores Oper�rios, com o objetivo de salvaguardar a moral do pequeno trabalhador, assim como os Parques Infantis, espa�os destinados � recrea��o familiar. De acordo com Mascarenhas, nessa mesma �poca, algumas publica��es espec�ficas dirigidas ao lazer tamb�m come�am a aparecer.
Para Marcassa (ENAREL, 2003), o lazer � determinado pela constru��o hist�rica que se opera na sociedade e, portanto, as atividades que passam a constitu�-lo s�o vivenciadas e fru�das pelos homens em conjunto, segundo as condi��es econ�micas, culturais e sociais criadas.
O lazer surge como solu��o para o reequ�libro social e vai ganhando import�ncia na medida em que precisava orientar a apropria��o do tempo livre no sentido de afastar a fam�lia moderna dos espa�os e atividades suscept�veis � degenera��o e imoralidade das horas de �cio indiscriminado. (MARCASSA, 2000, p.7, apud MASCARENHAS, 2003, p.23)
Para Sant� Anna (1994, apud Mascarenhas, 2003, p. 14), na d�cada de 1970, ao passo que o lazer deixa de ser concebido exclusivamente como oportunidade de descanso e entretenimento � e como espa�o de consumo e potencial instrumento para veicula��o de normas e valores consonantes com os interesses econ�micos da racionalidade produtiva � firma-se uma pol�tica especifica para o setor. O lazer passa a figurar como direito social, devendo sua pr�tica ser assegurada e disseminada pelo Estado brasileiro.
Desse modo, compatibilizando suas a��es com a pol�tica estatal, o Servi�o Social do Com�rcio (SESC) desempenha papel fundamental na constru��o e consolida��o do lazer enquanto campo do conhecimento. Todos os estudos do SESC voltam-se para a sociologia do lazer, elegendo como seu grande baluarte o franc�s Joffre Dumazedier que define o lazer da seguinte maneira: �� um conjunto de ocupa��es �s quais o indiv�duo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para desenvolver sua informa��o ou forma��o desinteressada, sua participa��o social volunt�ria ou sua livre capacidade criadora ap�s livrar-se ou desembara�ar-se das obriga��es profissionais, familiares e sociais�. Oleias (2003), em seu artigo intitulado Conceitos de Lazer, mostra que nos trabalhos de Dumazedier est� ausente uma abordagem da interfer�ncia do Estado na defini��o de pol�ticas p�blicas para o lazer e tamb�m de uma abordagem do car�ter classista do lazer.
O lazer j� foi caracterizado como um anti-valor ou anti-mercadoria, ou seja, tratado como direito e alcan�ado junto ao conjunto das pol�ticas sociais. Agora este fen�meno se tornou mercadoria e seus antigos valores, como: o descanso, a divers�o ou o desenvolvimento (DUMAZEDIER, 1976), muito pouco ou nada valem no atual est�gio de desenvolvimento do modo de produ��o capitalista. (MASCARENHAS, ENAREL, 2003).
Em larga medida, cedeu espa�o ao merco lazer, do qual n�o se espera outra coisa sen�o a realiza��o de um valor de troca, o salto perigoso em dire��o ao equivalente geral, momento final do giro do capital em que se resgata a mais-valia e se conferem os lucros, objetivo essencial da ind�stria do lazer. (MASCARENHAS, ENAREL, 2003)
Atualmente, temos o �xtase do lazer, pois � o lazer que procura o prazer imediato (esportes radicais), entretanto, o acesso a este tipo de lazer est� destinado a um seleto grupo que possua as condi��es econ�micas e financeiras necess�rias. Mascarenhas (2003) divide o lazer em uma pir�mide, onde no topo est� o �xtase do lazer, e na base est� o �tele-lazer�, o lazer-solid�rio ou lazer-filantr�pico e no meio desta pir�mide est� o lazer gen�rico (shoppings) e o lazer p�blico (parques p�blicos), sendo que o lazer da base geralmente est� relacionado com os pobres e miser�veis e o lazer do meio da pir�mide est� relacionada � classe m�dia.
Na sociedade contempor�nea frequentemente o lazer vem se confundindo com os outros produtos da ind�stria cultural, cuja meta primordial � produzir bens e servi�os destinados ao consumo. Para Werneck (2002), mesclado com o consumo, o lazer se torna uma via de diferencia��o entre classes e grupos sociais.
Em nome da busca do prazer estimulado pela fantasia, muitas das experi�ncias proporcionadas pela ind�stria cultural acabam nos subjugando �s estrat�gias de modismo e homogeneiza��o cultural em diferentes perspectivas: em termos de linguagem; de gestos; de comidas e bebidas; de m�sicas; de roupas, de atitudes e valores, dentre outras. (WERNECK, 2002)
Em nossa realidade, s�o vis�veis as formas com que a cultura dominante se manifesta no lazer. Existe hoje o que podemos nomear de cultura ocidental, liderada pela ind�stria norte-americana que a todos absorve desde os fast-foods como Mc Donalds, parques tem�ticos como a Disney Word ou filmes hollywoodianos como Homem Aranha, para citar alguns exemplos da atualidade. (MARCASSA, 2003)
Contudo, na medida em que o projeto de hegemonia capitalista se expressa sob a produ��o cultural, o lazer refor�a a aliena��o e contribui para o funcionamento das mesmas rela��es de poder e domina��o. E por outro lado, frente a esta situa��o, a sociedade tamb�m desenvolve mecanismos para resistir, incorporar, negar e reproduzir as rela��es e pr�ticas institu�das, possibilitando que o lazer se torne uma ag�ncia promotora de valores comprometidos com as reais necessidades de todos.
Devemos ter uma a��o pol�tico-pedag�gica consciente e diretiva, e uma vez comprometida com os interesses das camadas populares, o lazer deve ser orientado �para o exerc�cio da cidadania e pr�tica da liberdade� (Mascarenhas, 2000, p.17).
Concordamos com Padilha (2003), quando lembra que se o lazer for compreendido no seu sentido mais amplo, como cultura vivenciada no tempo dispon�vel e por livre escolha das pessoas e ainda se cultura for concebida como fruto de trabalho, de a��o e cria��o humana que se d� num processo, ent�o, lazer e cultura podem existir n�o apenas como mercadorias restritas aqueles que podem pagar por elas, mas como algo que pertence a todos n�s, ao povo, como processo de conhecimento popular que se constr�i e reconstr�i a cada dia.
Diversas vis�es em rela��o ao lazer
Entendemos que �em nosso campo de pesquisa, s�o muitas as tentativas de defini��o e conceitua��o do lazer, assim como s�o v�rias as possibilidades de interpret�-lo e explica-lo�. (MARCASSA, 2003). O lazer � entendido a partir de algumas categorias centrais que buscam responder � sua abrang�ncia e totalidade, pois a viv�ncia do lazer pressup�e, n�o s� um tempo, mas determinadas atividades relacionadas � cultura universal produzida pelos homens e ainda espa�os em que essa experi�ncia se d�. As categorias de tempo, espa�o, pr�xis, cultura e educa��o, quando atravessadas pela no��o de trabalho, permitem conceber o lazer como uma pr�tica social permeada por contradi��es e perpassada por rela��es de hegemonia.
Segundo Padilha (2003), temos dois tipos de abordagens sobre o fen�meno do lazer. As abordagens funcionalistas e as abordagens Marxistas, sendo que, sob a �tica funcionalista, o lazer � visto como algo necessariamente bom em oposi��o ao trabalho visto como algo necessariamente ruim. J� na vis�o Marxista, o trabalho e o lazer s�o atividades complementares e n�o opostas, assim, problemas em uma esfera provocam problemas tamb�m na outra esfera. Sobre as abordagens funcionalista de lazer, (Marcellino 1987 apud Mascarenhas 2003, p.23) sugere a seguinte classifica��o: rom�nticas e moralistas, que, muito pr�ximas, situam o lazer dentro de uma perspectiva nost�lgica apontando para a necessidade de manuten��o de certas tradi��es e defendendo h�bitos, cren�as e valores em que a exalta��o da institui��o fam�lia tem forte presen�a; compensat�ria, que, vendo o trabalho como tempo e espa�o de aliena��o, acreditam no lazer como uma possibilidade de fuga individual �s insatisfa��es; e utilitaristas que potencializam as atividades de lazer como instrumento de recupera��o e manuten��o da for�a de trabalho.
Para Marcelino, entre os estudiosos do lazer podemos distinguir duas linhas: a) a que se fundamenta na vari�vel da atitude e considera lazer como um estilo de vida; e b) a que se op�e esse tempo como tempo liberado de trabalho de �tempo livre� n�o s� do trabalho, mas de outras obriga��es sociais. Do ponto de vista da atitude, at� o trabalho pode ser considerado lazer, desde que fosse gratificante e fosse uma forma de realiza��o pessoal, mas isso atinge uma minoria. J� na quest�o do tempo livre, Marcellino coloca o conceito como simplista, pois nas rela��es sociais tempo algum � livre de coa��es de normas de conduta.
O conceito de lazer para Dumazedier �:
O lazer � um conjunto de ocupa��es as quais o indiv�duo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se, entreter-se, ou ainda desenvolver sua informa��o ou forma��o desinteressada, sua participa��o volunt�ria ou sua livre capacidade criadora, ap�s livrar-se ou desembara�ar-se das obriga��es profissionais, familiares e sociais. (1976, p.34)
Outra defini��o bastante pr�xima � a do soci�logo Renato Requixa, que entende o lazer como �uma ocupa��o n�o obrigat�ria de livre escolha do indiv�duo que a vive, e cujos valores propiciam condi��es de recupera��o psicossom�tica e desenvolvimento pessoal e social�. (REQUIXA, 1977)
Como dito anteriormente, na concep��o de lazer destes autores est� ausente uma abordagem da interfer�ncia do Estado na defini��o de pol�ticas p�blicas para o lazer e tamb�m de uma abordagem do car�ter classista do lazer. O lazer n�o deve ser dissociado da realidade total e deve contribuir n�o s� para as contradi��es existentes na �rea espec�fica do lazer, mas trazer solu��es mais abrangentes, em termos da vida social como um todo.
De acordo com Padilha (2003) o que tem predominado nas abordagens de lazer � a id�ia de que ele tem algumas fun��es importantes para a vida humana, sendo destacado o seu papel de recuperar as pessoas para que elas possam se refazer e compensar os desgastes das atividades obrigat�rias. Nesta abordagem a sociedade � compreendida como harm�nica e que deve manter sempre o equil�brio. Dessa forma, se por um lado, o trabalho cansa, fatiga, aliena, por outro lado, o lazer recupera, descansa, compensa. Assim, o lazer � compreendido como rem�dio que visa curar os males sociais. Esta � a abordagem funcionalista. Um exemplo desta abordagem est� no seguinte conceito:
O lazer � sempre liberat�rio de obriga��es: busca compensar ou substituir algum esfor�o que a vida social imp�e. Assim � ir ao cinema para descarregar as tens�es do trabalho ou quebrar a rotina sedent�ria com uma corrida em um parque. Esta � a propriedade mais �bvia do lazer (...). (Luiz Otavio Lima Camargo, apud Padilha 2003).
No entanto, para Padilha (2003), h� outra maneira de entender a sociedade e o lazer, que s�o as abordagens inspiradas no pensamento cr�tico marxista. Seu m�todo de an�lise � o materialismo hist�rico-dial�tico, ou seja, visa compreender a sociedade tomando como base as condi��es materiais e econ�micas da exist�ncia, sendo o homem compreendido como um sujeito que constr�i e reconstr�i a hist�ria ao mesmo tempo em que constr�i e reconstr�i a si mesmo. Este processo n�o se d� de forma harmoniosa, equilibrada, mas sim repleto de conflitos e contradi��es. Por isso, a necessidade de recorrer ao racioc�nio dial�tico para ler o que est� escrito nas entrelinhas, para alcan�ar a ess�ncia que est� por tr�s das apar�ncias. As apar�ncias s�o profundamente enganosas e, portanto, � preciso aten��o na leitura do mundo. A utiliza��o dessa abordagem faz-se presente na seguinte compreens�o do lazer:
[...] O lazer se manifesta como fonte de tens�o e desequil�brio. � medida que se desenvolvem as atividades � isto �, na medida em que se joga, dan�a, representa, passeia etc. � os componentes do grupo interrogam o tema e a si mesmos. Seu modo de agir, atitudes, valores e prefer�ncias perante uma dada atividade passam a ser questionados. Nessa perspectiva, aceitam-se e fazem-se sujeitos. (MASCARENHAS, 2003)
A an�lise do lazer, inspirada na perspectiva marxiana, � capaz de compreender o lazer para al�m de mero ant�doto das mazelas sociais ou ap�ndice do trabalho, visando compensar o que n�o pode ser compensado. A partir de uma an�lise fundamentada na concep��o marxista e considerando as m�ltiplas rela��es de causalidade presentes na totalidade da realidade concreta em que se expressa o lazer contempor�neo, passamos a questionar a exist�ncia un�voca dos aspectos positivos do lazer.
Esse questionamento emerge da seguinte reflex�o: se a sociedade a partir dos preceitos capitalistas cria um trabalho que cansa, aliena e entedia, n�o pode haver solu��o desses problemas num lazer criado sobre a mesma base sociol�gica, ou seja, a l�gica que rege o tempo de trabalho � a mesma l�gica que rege o tempo de n�o-trabalho. Esta l�gica totalizadora referida � a l�gica do capital, que transforma tudo e todos em mercadoria, em �coisa� a ser produzida, vendida, comprada.
Se um homem trabalha sem verdadeira rela��o com o que est� fazendo, se compra e consome mercadorias de um modo abstrato e alienado, como pode usar o seu tempo livre de um modo ativo e significativo? (...) Na realidade, n�o � livre para gozar o seu tempo dispon�vel; seu consumo das horas de lazer est� determinado pela ind�stria, como acontece �s mercadorias que compra; seu gosto � manipulado, quer ver e ouvir o que se lhe obriga a ver e ouvir; a divers�o � uma ind�stria como qualquer outra, fazendo-se o consumidor comprar divers�o assim como se lhe faz comprar roupa ou sapato. (Erich Fromm, apud Padilha 2003).
Para os autores marxistas, o tempo de lazer � polu�do pelos valores do capitalismo. Nesse sentido, n�o � poss�vel uma vis�o otimista e ing�nua das fun��es e pap�is determinados ao lazer dentro desta sociedade, todavia, isso n�o quer dizer que, dentro da complexidade e contradi��o que envolve o lazer, este n�o possa ser um tempo/atividade de reflex�o, de cr�tica, de resist�ncia. O lazer deve ser considerado como uma reivindica��o social, necess�ria ao desenvolvimento completo do homem, n�o vista apenas como um meio para descansar e consumir determinados produtos. Para Marcellino (1995):
A �especificidade concreta� do lazer, considerado em sua manifesta��o na sociedade atual, � colocada como reivindica��o social. Portanto, seu significado � bastante diferente do entendimento da Antiguidade Cl�ssica. � uma quest�o de cidadania, de participa��o cultural [...]. Entendo ainda a participa��o cultural como uma das bases para a renova��o democr�tica e humanista da cultura e da sociedade, tendo em vista n�o s� a instaura��o de uma nova ordem social, mas de uma nova cultura [...]. (p.17)
Pensar o lazer como um direito social, � consider�-lo como parte integrante da cidadania e das rela��es que se estabelecem entre a sociedade e o Estado. A compreens�o do lazer como um direito social tem rela��o com o direito ao tempo livre do trabalho, com o direito �s f�rias, ao repouso semanal e o acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade. A conquista desses direitos est� ligada, historicamente, �s lutas dos movimentos trabalhistas por mais igualdade.
Um dos grandes problemas em considerar o lazer, somente, como mercadoria seria que, nesse sentido, uma parcela significativa da nossa sociedade estaria exclu�da do acesso a essas experi�ncias, tendo em vista que mal possui condi��es de reprodu��o da vida social e muito menos uma reserva econ�mica para poder usufruir desse �produto�, o lazer. Portanto, a concep��o capitalista de lazer, que promove a mercadoriza��o deste fen�meno, � eminentemente classista, elitista e excludente.
Sendo assim, n�o devemos negar a rela��o do lazer com o mercado, pois �obviamente as possibilidades de lazer veiculadas pela m�dia, e comercializadas pela ind�stria cultural, s�o fortemente acorrentadas pelo vi�s mercantil, mas podem perder essa caracter�stica e ganhar uma outra, por meio de a��es e inser��es comprometidas com a constru��o de uma nova sociedade, mais justa, solid�ria e humanizada.� (WERNECK, 2002).
As rela��es entre lazer e trabalho
Estudaremos a partir de agora as rela��es entre lazer e trabalho, pois n�o podemos trat�-los separadamente. Conforme dito anteriormente, Antunes (2003) julga que �n�o � poss�vel compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e alienado com tempo (verdadeiramente livre). E que uma vida desprovida do sentido no trabalho � incompat�vel com uma vida cheia de sentido fora do trabalho�. Ele tamb�m afirma que a concep��o de lazer na ordem burguesa est� em rela��o ao trabalho, pois o lazer como forma de humaniza��o s� � poss�vel para aqueles que se apropriaram do capital cultural.
Se o trabalho torna-se dotado de sentido, ser� tamb�m (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da literatura, da m�sica, do tempo livre, do �cio, que o ser social poder� humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo. (Antunes, 2002, p.177)
Como j� vimos, a defini��o de lazer acaba se confundindo com a no��o de �cio, pois desde o Pensamento Cl�ssico at� o in�cio da Idade Moderna, a concep��o de �cio teve v�rios significados. Entre estes significados, est� o de reflex�o dos valores da �poca, o de oposi��o ao neg�cio, o meio de despolitiza��o e controle do Estado e o sentido de distintivo de classe entre outros.
O trabalho tamb�m possui v�rios significados entre os estudiosos do assunto. A palavra latina que d� origem ao nosso voc�bulo �trabalho� � tripalium, instrumento de tortura, e �labor� (em latim) significa esfor�o penoso, dobrar-se sob o peso de uma carga, dor, sofrimento, pena e fadiga.
A id�ia do trabalho como desonra e degrada��o aparecem em quase todos os mitos que narram a origem das sociedades humanas como efeito de um crime cuja puni��o ser� a necessidade de trabalhar para viver. Com o in�cio da idade moderna e a reforma protestante h� uma exalta��o do trabalho como castigo divino tornando-se virtude.
Para Marx o trabalho � uma das dimens�es da vida humana que revela nossa humanidade, pois o trabalho exterioriza numa obra a interioridade do criador, ou numa linguagem hegeliana o trabalho objetiva o subjetivo, o sujeito se reconhece como produtor do objeto. O trabalho se torna alienado a partir do momento que a classe dos trabalhadores, para sobreviver, se v� obrigada a trabalhar para outra classe social, a burguesia, vendendo sua for�a de trabalho, sendo assim, o produto do seu trabalho dist�ncia-se do trabalhador, pois foi produzido por for�as alheias e n�o por suas necessidades e ainda na maioria das vezes o mesmo n�o tem acesso ao que produziu.
O oper�rio trabalha para o capitalista a quem entrega, pelo contrato salarial, o produto do seu trabalho. Quanto mais o trabalhador produz, maior se torna o poder do capital e mais limitados os meios do trabalhador se apropriar de seus produtos.
Em o �Direito a Pregui�a�, Lafargue coloca a redu��o de jornada de trabalho para tr�s horas di�rias durante seis meses por ano, como vi�vel, porque de um lado a abund�ncia de mat�ria-prima e produtos, e do outro as m�quinas. Se isso acontecesse n�o s� haveria pleno emprego, mas, sobretudo n�o estando esgotados do corpo e da mente, come�ariam a praticar os v�cios da pregui�a.
Ao proporcionar aos oper�rios um tempo livre do controle do capital, livre do poderio da burguesia a pregui�a gera virtude, isto �, o fortalecimento do corpo e do esp�rito da classe oper�ria preparando-a para a a��o revolucion�ria da emancipa��o do g�nero humano. Lafargue (1999) imaginava que com a automa��o, o trabalhador iria cultivar as virtudes da pregui�a, mas contrariando seu pensamento o trabalhador passou a lutar pelo direito ao trabalho, pela jornada de oito horas, pelo sal�rio m�nimo, etc. Dessa forma, n�o surgiu como esperavam Arist�teles e Lafargue, a sociedade da abund�ncia a �nica em que os seres humanos poderiam recuperar o trabalho como a��o criadora, mas sim surgiu a sociedade administrada que al�m de controlar o corpo e mente dos trabalhadores tamb�m controla as conquistas prolet�rias sobre o tempo de descanso o chamado �tempo livre�. A ind�stria cultural, a ind�stria da moda e do turismo, a ind�stria do esporte e do lazer est�o estruturadas em conformidade com as exig�ncias do mercado capitalista e s�o elas que consomem todo o tempo que Lafargue esperava que fosse dedicado as virtudes da pregui�a.
No mundo do trabalho, fordista-taylorista, o lazer apareceu como atividade in�til para os trabalhadores j� que a rotina fabril n�o combina com o descompromisso do prazer. O tempo da vida prioriza, nessa ordem social, o tempo de trabalho cujas jornadas passaram de extensivas (longas lidas de 14 a 16 horas inclusive para crian�as e mulheres) para intensivas (redu��o das jornadas com aumento da produtividade cronometradas das tarefas). Assim n�o s� o trabalho � controlado pelo rel�gio, mas a vida cotidiana tamb�m passa a ser regido por ele j� que todas as demais atividades (sociais, culturais e religiosas) se tornam subordinadas ao tempo de trabalho. Mas, ao longo do s�culo XX, a qualidade de vida engendrada pela produ��o social levou a que todos os segmentos sociais reivindicassem tamb�m tempo e condi��es para a frui��o dos bens culturais. Eis que tais reivindica��es oscilam hoje entre o direito do cidad�o e o servi�o ao consumidor de lazeres.
Neste contexto, o tempo livre surge como uma conquista de classe. A quest�o da redu��o da jornada de trabalho sempre esteve presente como uma das reivindica��es centrais na luta dos trabalhadores.
Contudo, a quest�o do tempo livre � analisada por diversos autores, com enfoques diferentes. Comum a todos eles � a compreens�o de que o tempo livre se constitui de um saldo restante que fica ap�s o trabalho ou demais obriga��es e necessidades.
Existem alguns autores que preferem substituir o tempo �livre�, como � o caso de Newton Cunha, optando pela defini��o de �tempo residual�, j� Marcellino acredita que nenhum tempo est� livre de coa��es ou normas, prefere o termo �tempo dispon�vel�. Ainda para ele o trabalho � t�o somente uma dentre as v�rias obriga��es, as outras seriam familiares, religiosas, pol�ticas, c�vicas, sociais, escolares e em oposi��o ao tempo dispon�vel possuir�amos o tempo das obriga��es, no qual se insere o tempo de trabalho. Marcellino ainda coloca o tempo desocupado, o que fica confuso, pois o autor n�o deixa claro se tem como refer�ncia o tempo de trabalho ou o suposto tempo das obriga��es.
O tempo das necessidades seria um novo conceito em substitui��o a defini��o tempo de trabalho. O tempo das necessidades compreenderia todo o tempo dedicado a qualquer atividade, e que a principal delas ainda � o trabalho, que se concretize na vida do indiv�duo procurando responder ao conjunto de suas necessidades f�sicas e materiais.
Segundo Newton Cunha, tempo de trabalho ou tempo produtivo � o tempo necess�rio � cria��o do produto social, � gerado pelas rela��es sociais de produ��o, tempo em que os indiv�duos exercem esfor�os economicamente produtivos.
Tempo n�o Produtivo
Tempo Residual
Percebemos que a vida social se desenrola atrav�s de tempos distintos, embora intimamente ligados e interdependentes. S�o distintos quanto � natureza da a��o, quanto aos fatores que condicionam nosso agir e quanto aos valores da sociedade dominante.
No tempo de trabalho os objetos e os seres humanos se convertem, antes de qualquer coisa, em instrumento ou partes de um sistema muito objetivo, situados fora de nossos desejos at� possibilidades reais. O tempo de trabalho n�o oferece a possibilidade da afirma��o individual, h� exce��es, como certos trabalhos art�sticos, intelectuais, pol�ticos ou cient�ficos, mas n�o � o caso da grande maioria. Assim acontece porque o tempo produtivo, o tempo socialmente necess�rio � produ��o � imposto e coercitivo.
Tempo de Lazer
Alguns autores chegam a dar ao lazer, como sin�nimo a express�o �tempo livre�, mas n�o se trata de uma escolha ou de constru��o livre.
O conte�do do tempo de lazer est� preso a uma s�rie de circunst�ncias sociais, culturais, econ�micas, ideol�gicas, f�sicas. O lazer s� ser� poss�vel de acordo com a capacidade de consumo e com a posi��o ocupada na estrutura social.
Ainda hoje a qualidade do tempo livre est� colocada como compensat�ria ao tempo de trabalho, compreendido dessa forma �o lazer n�o existe como ess�ncia, como subst�ncia�, portanto se ele est� em rela��o ao trabalho ele n�o existe em si pr�prio.
Segundo Ricardo Antunes, a redu��o da jornada de trabalho tem sido uma das mais importantes reivindica��es do mundo do trabalho, e pode ser um punho decisivo que al�m de minimizar o desemprego dos trabalhadores, permitir� uma reflex�o fundamental sobre o tempo: tempo de trabalho, tempo livre, o auto controle sobre o tempo de trabalho e o tempo de vida. O lazer � resultado desse processo hist�rico que permitiu uma maior produtividade em menos tempo e surgiram com isso reivindica��es sociais pela distribui��o do tempo liberado de trabalho.
Concordamos com Mascarenhas e entendemos que para a compreens�o do lazer, as categorias tempo de trabalho e tempo livre, mostram-se como instrumentos imprescind�veis ao nosso estudo. Nesse sentido, a no��o de tempo livre n�o pode estar baseada na op��o de escolha ou livre iniciativa, no voluntarismo ou espontane�smo, muito menos no prazer ou desejo individualista contido na possibilidade de cada um fazer o que quer e o tempo de trabalho � todo o tempo reservado � atividade humana destinada a cria��o, conserva��o, circula��o ou troca de bens considerados necess�rios por uma sociedade.
Considera��es finais
Com este estudo preliminar, percebemos que com o desenvolvimento hist�rico um determinado fen�meno vai se modificando com as circunst�ncias, por�m, as transforma��es pelas quais passou o fen�meno do lazer foram tamanhas que seria um absurdo consider�-lo como a mesma coisa que era em sua g�nese, ou seja, objetivamente �cio e lazer s�o fen�menos distintos, embora tanto um quanto outro, tenha ra�zes no l�dico. Percebemos tamb�m, que ao longo da hist�ria do capitalismo, as rela��es trabalho/lazer formam um sistema em que o movimento de um afeta o movimento do outro e que o fen�meno do lazer, como esfera pr�pria e concreta, originou-se a partir da revolu��o industrial.
Baseado nos autores marxistas, concordamos que o tempo de lazer � �polu�do� pelos valores do capitalismo, mas deve ser considerado como uma esfera de reivindica��o social necess�ria ao desenvolvimento completo do homem e n�o apenas como um meio para descansar, consumir determinados produtos e reproduzir a for�a de trabalho. Entendemos ainda, que a compreens�o do Lazer como um direito social tem rela��o com o direito ao tempo livre do trabalho, �s f�rias, ao repouso semanal e ao acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade e que a conquista destes direitos est� ligada �s lutas dos movimentos trabalhistas por igualdade.
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