Ementa Oficial
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL: DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO CONCOMITANTE À PESSOA FÍSICA E À PESSOA JURÍDICA.
1. Conforme orientação da 1ª Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A
norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação." (RE 548181, Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 6/8/2013, acórdão eletrônico DJe-213, divulg. 29/10/2014, public. 30/10/2014).
2. Tem-se, assim, que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes desta Corte.
3. A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode
servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução.
4. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(RMS 39.173/BA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 13/08/2015)
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.
(RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
A possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, conforme anteriormente mencionado, encontra-se no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. A partir desse mandado constitucional de criminalização, o art. 3º da Lei 9.605/1998 estabelece:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Existem duas hipóteses constitucionais de responsabilização penal da pessoa jurídica. A primeira é a do art. 225, e a segunda está presente no art. 173, § 5º, CF:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
[...]
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Tal dispositivo traz a hipótese de crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, e a Constituição autoriza a punição da pessoa jurídica, todavia, não existe regulamentação dessa punição. Atualmente a única hipótese de responsabilização penal da pessoa jurídica é a dos crimes ambientais.
Para explicar essa possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, existem duas teorias:
- Teoria da ficção (Savigny): de acordo com essa posição, a pessoa jurídica não é uma realidade, é uma ficção jurídica, por isso não possui capacidade de ação, culpabilidade ou pena, ou seja, não pode receber sanção penal nem responder criminalmente;
- Teoria da realidade ou personalidade real (Otto Gierke): segundo essa teoria, a pessoa jurídica é uma realidade distinta daquela de seus membros, e possui personalidade. Portanto, é permitida sua responsabilização civil e penal. Esta é a teoria adotada pela Constituição Federal e pela Lei de Crimes Ambientais.
Existe ainda uma terceira teoria que era adotada no Brasil em complementação à teoria da realidade: a teoria da dupla imputação ou imputação por ricochete. Conforme tal posição, para que a pessoa jurídica seja punida criminalmente, ou para que simplesmente seja processada, também deve-se punir uma pessoa física. Essa teoria foi afastada pelo STJ (RMS 39.173/BA, 6ª Turma), que entendeu que a pessoa jurídica poderia ser punida a despeito de punição de uma pessoa física. O STF adotava a teoria da dupla imputação, mas recentemente modificou seu entendimento (RE 548181), julgando não ser mandatório o ingresso de ação penal contra uma pessoa física concomitantemente à ação penal da pessoa jurídica para ser possível a punição da última, inclusive a absolvição da pessoa física não impediria a condenação da pessoa jurídica. Esse posicionamento do STF decorreu de uma interpretação literal do art. 225, § 3º, CF, que fala em sanção penal dos infratores pessoas físicas ou jurídicas.
É possível imputar crime ambiental à pessoa jurídica de direito público?
Não existe qualquer restrição legal quanto à imputação de crime ambiental à pessoa jurídica de direito público. Contudo, a doutrina entende que isso não seria possível pois a pessoa jurídica de direito público possui obrigação constitucional de cuidar do meio ambiente, obstando a prática de crime ambiental. Ademais, a depender da pena concretamente cominada, quem arcaria com o pagamento da pena seriam os contribuintes, o que não faria o menor sentido. Por estes motivos não haveria possibilidade de reconhecer sua imputação penal.
Nos crimes ambientais, a desconsideração da personalidade jurídica é condicionada apenas à percepção de inviabilidade do ressarcimento dos prejuízos causados ao meio ambiente. É o que estabelece o art. 4º da Lei de Crimes Ambientais:
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.