Natureza jurídica do direito processual Civil

Referir: MEDEIROS, Flavio Meirelles. Código de Processo Penal Comentado. //flaviomeirellesmedeiros.com.br: 2019
ou
MEDEIROS, Flavio Meirelles. Manual do processo penal. Porto Alegre: AIDE, 1987

CAPÍTULO 21 – NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO – O PROCESSO COMO CONTRATO

Noções

Indagar a natureza jurídica do processo é questionar o que ele representa do ponto de vista jurídico, o que é o processo visto em seu conteúdo, qual sua essência jurídica, como ele se relaciona com o direito (FLORIAN, Eugenio. opus cit. p. 80).

A teoria do processo como contrato dominou a Europa, principalmente a França, nos séculos XVIII e XIX.

O instituto que lhe deu origem nasceu em Roma, à época do processo formulário. Os romanos não admitiam a intervenção do Estado em seus negócios particulares. Para se sujeitarem aos efeitos da decisão judicial era necessário, antes, que as partes houvessem assim pactuado.

O processo formulário dividia-se em duas fases: in iure e in iudicio. Aquela primeira fase terminava com a litiscontestatio, com o acordo dos litigantes de pôr fim à questão segundo a fórmula. Litiscontestatio era, portanto, uma fase ou um ato complexo pela qual demandante e demandado concordavam em submeter o litígio ao julgamento de um terceiro nos termos da fórmula. Tratava-se, assinala Cretella Júnior, de verdadeiro contrato judiciário (CRETELLA JÚNIOR, J. opus cit. p. 374). Ato complexo, pois envolvia tríplice operação pela qual o pretor entregava a fórmula ao autor (dare iudicium), esse propunha ao réu (edere indicium), e o último aceitava (accipere iudicium) (TORNAGHI, Hélio. opus cit. v. I, p. 318).

Com a evolução das instituições jurídicas, a teoria do processo como contrato perdeu toda sua significação. A jurisdição, entre outros princípios (da inércia, da indeclinabilidade, etc.), é informada pelo princípio da inevitabilidade. A parte chamada à jurisdição não possui como evitá-la. A vontade do demandado é incapaz de produzir qualquer efeito sobre a jurisdição. Citado validamente, o acusado fica vinculado ao processo e à força obrigatória da sentença, independentemente de seu consentimento. A presença do acusado é dispensável e a revelia não o desvincula do litígio. Não é a vontade da parte que fundamenta a validade do processo e da decisão, mas a lei.

CAPÍTULO 22 – O PROCESSO COMO QUASE CONTRATO

Noções

Considerando certo que inexiste acordo das partes no sentido de se submeterem à jurisdição, os privatistas recorreram à figura do quase contrato.

Quase contrato, segundo os romanos, era “o ato lícito e voluntário que torna seu autor credor de outra pessoa, sem que tenha havido prévio acordo de vontade entre ambos” (CRETELLA JÚNIOR, J. opus cit. p. 374). Chegava-se, também, a sua definição, por via de exclusão: “a fonte daquelas obrigações que não provinham de ato ilícito nem de contrato, derivam de algo como contrato, semelhante ao contrato” (TORNAGHI, Hélio opus cit. v. I, p. 318).

O representante desta teoria foi o francês Arnault de Guényvau, com seu trabalho Du quasi-contrat judiciaire. Segundo seus adeptos, a noção de processo como quase contrato superaria o problema da falta de acordo e explicitaria as razões pelas quais o processo produz obrigações para os que dele participam.

CAPÍTULO 23 – O PROCESSO COMO INSTITUIÇÃO

Noções

Conforme Couture, a idéia de que o processo é um instituição já se encontrava levemente assinalada no pensamento de Wach. A mesma noção aparece indicada empiricamente pelos escritores franceses Hariou e Rénard. Foi retomada, e com novo impulso, por Guasp” (COUTURE, Eduardo. opus cit. p. 63).

Jaime Guasp define instituição como un conjunto de actividades relacionadas entre sí por el vínculo de una idea comun y objetiva a la que figuran adheridas, sea esa o no su finalidad individual, las diversas voluntades particulares de los sujetos de quienes precede aquella actividad. Verifica dois elementos em toda a instituição: 1º) a ideia comum; 2º) as vontades particulares que aderem à ideia comum. Assim entendido – é Guasp quem escreve -, o processo é, por sua natureza, uma verdadeira instituição. A ideia comum que nele se observa é a satisfação de uma pretensão. As vontades particulares que atuam no processo se aderem todas a esta ideia comum: lo mismo el juez en su fallo que el actor en su pretensión, que el demandado en su oposición, tratan de satisfacer la reclamación que engendra el proceso aunque cada una de los sujetos procesales entienda de una manera particularmente distinta el contenido concreto que en cada caso debe integrar la satisfación que se persigue” (GUASP, Jaime. Derecho procesal civil. 3 ed. Instituto de Estudos Políticos, Madrid, 1943. p. 21-22).

Instituição, na definição de Paulo Dourado Gusmão, é o conjunto de padrões de conduta cristalizadas, que atendem a uma atividade vital ou social básica ou, ainda, a um núcleo de interesse fundamental para a vida social, controlador das ações sociais. E acrescenta o professor: “perduram no meio social, não sofrendo em suas características básicas o impacto das transformações sociais, apesar de se adaptarem a elas” (GUSMÃO, Paulo Dourado de. opus cit. p. 55).

Estabelecida assim a definição de instituição, não temos dúvida em, quanto a sua natureza, enquadrar o processo na categoria de instituição jurídica, de instituição regulada pelo direito. O processo como entidade perdura no meio social, sofrendo transformações para adaptar-se a novas condições, sem, contudo, perder suas características básicas. É composto de um conjunto de padrões de conduta preestabelecidos em lei e atende a um interesse fundamental para a vida social, que é o de tornar materialmente possível a preservação dos bens jurídicos.

É importante salientar que a concepção do processo como instituição, já assinalava Guasp, não exclui a existência de direito e deveres na atividade processual.

CAPÍTULO 24 – O PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA

Noções

Foi criticando a teoria da relação jurídica que Goldschmidt, em seu livro Der Prozess als Rechtslage (O processo como situação jurídica), elaborou a teoria da situação jurídica.

Segundo esta doutrina, qualificada como “original e atrevida” pelo tratadista Giovanni Leone (LEONE, Giovanni. opus cit. v. I, p. 220), o direito subjetivo adquire no processo uma visão dinâmica, transformando-se em possibilidades, expectativas, perspectivas e ônus (CINTRA, Antonio Carlos de Araujo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Candido. opus cit. p. 24).

Para Goldschmidt, a situação jurídica “é o estado de expectativa de uma pessoa, considerada do ponto de vista de uma sentença que se espera conforme o direito”. Pode ser definida, ainda, como “o conjunto de expectativas, possibilidades, ônus e liberações de ônus processuais de uma parte” (apud FLORIAN, Eugenio. opus cit. p. 82).

Foi grande o impacto causado pela teoria da situação jurídica na doutrina. Foi, e ainda é, severa e calorosa a oposição. Vale a pena transcrever, a título de ilustração, a crítica que, em 1931, Florian formulava à doutrina da situação jurídica: No sabemos lo que esta doctrina, expuesta para el proceso penal y el civil, pueda aplicarse al primero; pero ya a primera vista se descubre, segun nuestra opinión, un defecto en ella, es el de haber sido expuesta para los dos procesos indiferentemente. En todo caso, parece que no corresponde el contenido y a los fines del proceso penal, donde se imponem al juez y a las partes verdaderas obligaciones y se les conceden derechos, que no pueden ser desconecidos sin que siga la correspondientes sanción penal. Florian termina suas objeções observando que tal concepção retira do processo todo seu aspecto jurídico, o destrói e o torna totalmente empírico: lo transforme en cosa casi de puro echo, sometido a la sagacidad e destreza de las partes (FLORIAN, Eugenio. opus cit. p. 83).

CAPÍTULO 25 – O PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA E TEMAS AFINS

Atos e fatos jurídicos

Carnelutti diz que um fato se chama jurídico quando a lei lhe atribui um efeito jurídico. E – continua o eminente professor -, como a virtude de produzir efeitos jurídicos recebe o nome de eficácia, o conceito se traduz neste outro: um fato é jurídico quando possui eficácia jurídica (CARNELUTTI, Francisco. opus cit. v. I, p. 69).

Fatos jurídicos são todos aqueles acontecimentos capazes de criar, modificar, transmitir e extinguir relações jurídicas.

Hipótese e fato jurídico são conceitos que merecem ser distinguidos. A hipótese jurídica é abstrata. Sua localização é na norma. A hipótese é o requisito (hipótese simples) ou o conjunto de requisitos (hipótese complexa) descritos na lei, cuja realização é exigida para que se produzam efeitos jurídicos. Fato jurídico é a realização no mundo da hipótese.

O delito é conhecido como fato antijurídico, ou seja, como fato contrário ao direito, ao ordenamento jurídico. Sob outro ângulo, o crime pode ser visto como fato jurídico. É fato jurídico no sentido de que produz efeitos jurídicos. Com a prática do delito nasce o direito do Estado de punir o seu ator e o correspondente dever deste de sujeição à pena. É o nascimento da relação jurídica de direito penal que vincula o Estado, ocupando a posição ativa, ao criminoso, este na posição passiva.

Os fatos jurídicos são divididos em fatos jurídicos em sentido estrito e atos jurídicos. Aqueles independem da vontade humana (nascimento, maioridade, morte, decurso de tempo). Já por atos jurídicos entende-se os atos decorrentes de vontade humana.

O processo inicia, se desenvolve e termina com sucessivas realizações de fatos e atos jurídicos processuais. A morte, o decurso do tempo, são fatos jurídicos processuais, pois que produzem efeitos jurídicos sobre o processo, ou seja, dão nascimento, modificam e extinguem relações processuais. O mesmo se dá com os atos jurídicos processuais, os quais, observa Mariconde, são o resultado do exercício de direitos e de cumprimento de deveres (MARICONDE, Alfredo Velez. opus cit. v. II, p. 48). São exemplos de atos jurídicos processuais: o oferecimento da denúncia e da defesa prévia, o interrogatório, a interposição e o recebimento de recursos, a inquirição de testemunha, etc.

Direito subjetivo

É conhecida a divisão do direito em objetivo e subjetivo. Direito objetivo é a norma agendi, é o conjunto de normas do ordenamento jurídico. Quanto ao direito subjetivo, foi definido por Ihering como o interesse juridicamente protegido. Windscheid, por sua vez, conceituou-o como o poder da vontade conferido pela ordem jurídica. Estas acepções não resistiram às críticas – se o direito subjetivo dependesse da vontade ou do interesse, ele não existiria quando estes elementos estivessem ausentes em seu titular – e, hoje, entende-se, comumente, o direito subjetivo como a faculdade de agir assegurada pelo ordenamento jurídico.

Temos para nós que o direito subjetivo não é a faculdade de agir. Se fosse faculdade, como se explicaria a categoria do direito-dever? Direito subjetivo é a possibilidade de agir assegurada pela ordem normativa. Quando se tratar apenas de direito haverá faculdade e possibilidade de agir. Sendo direito-dever não haverá a faculdade, mas só a possibilidade de agir.

Direito de punir e direito de liberdade

O direito subjetivo de punir, cuja existência é negada, entre outros juristas, pelo penalista Aníbal Bruno (BRUNO, Aníbal. opus cit. v. I, tomo I, p. 33. et seq.) nasce com a prática de delito. Seu titular é o Estado. Com o crime nasce uma relação jurídica de direito penal vinculando o Estado ao criminoso, aquele na posição ativa, detendo o direito de punir, e este na posição passiva, com a obrigação de sujeitar-se à pena.

Quando dissemos que o direito de punir nasce com o delito, nos referimos ao direito de punir em concreto, visto que, o direito de punir em abstrato é preexistente. Consoante Celso Delmanto, enquanto a lei penal não é violada, o direito que o Estado tem de punir seus eventuais infratores é apenas abstrato. Quando, porém, há efetiva violação da lei penal, aquele direito, antes só abstrato, torna-se concreto (Delmanto, Celso. Código Penal Comentado. 9ª. Ed. Editora Saraiva: 2016, p116).

Os direitos subjetivos, quanto à eficácia, são divididos em relativos e absolutos. Claude du Pasquier propõe as seguintes definições: “Os direitos relativos valem frente a uma ou várias pessoas determinadas, enquanto que os absolutos existem frente a todos” (apud MAYNEZ, Eduardo Garcia. opus cit. p. 199).

O direito subjetivo de liberdade pode ser visto tanto como um direito relativo como um direito absoluto. Será direito relativo do cidadão se colocarmos na posição passiva da relação jurídica o Estado, este com o dever de assegurar a liberdade do cidadão. Será direito absoluto de uma determinada pessoa se vislumbrarmos ocupando a posição passiva todas as demais pessoas.

Se alguém passeia pela praça, chuta uma bola de futebol, fuma um cigarro, escreve, está exercendo seu direito de liberdade. A ordem jurídica não é indiferente à nossa vontade de fumar um cigarro. Temos o direito de fumar a inutilidade, por menos saudável que seja sua qualidade. O sujeito passivo deste nosso direito é universal, todos possuem o dever de respeitar nosso direito. E se não se considerar universal o sujeito passivo, então ele é o Estado. O Estado com o dever de assegurar nosso direito de passear, de fumar e de escrever. Se alguém pretender proibir-nos de passear na praça poderemos recorrer ou ao Judiciário ou ao poder de polícia da Delegacia mais próxima.

O direito de liberdade é, portanto muito amplo. Pode ser visto como um direito complexo, composto de uma série de direitos derivados ou, como podem considerar melhor alguns estudiosos, um direito que se constitui de uma série de faculdades.

A incidência do direito subjetivo penal de punir sobre o delinquente não exclui por completo seu direito de liberdade. O que se exclui por completo é apenas o direito penal de liberdade. O condenado terá o dever de sujeitar-se apenas à pena e nada mais. Parte, e não pequena, de seu direito de liberdade subsistirá. Condenado e preso, continuará detendo o direito de escrever, fumar, conversar, trabalhar, etc. Em poucas palavras: o direito penal de punir exclui o direito penal de liberdade, mas não o direito de liberdade, que é mais amplo e que subsiste, apenas sofrendo diminuição de seu conteúdo. Daí a razão pela qual, se quisermos ser mais rigorosos, ao falarmos do direito subjetivo do acusado inocente, devemos nos referir ao seu “direito penal de liberdade” ou ao seu “direito penal de não ser punido”, e não ao seu “direito de liberdade”, como fazemos.

Relação jurídica

Na vida são travadas relações sociais, econômicas, religiosas, políticas, etc. Onde existem pessoas agrupadas, a consequência é o relacionamento. As relações, quando reguladas pelo direito, elevam-se à categoria de relações jurídicas.

O direito – diz Ferrara – eleva as relações de vida a relações de direito, munindo-as de eficácia, transformando e plasmando estas relações humanas em relações jurídicas vinculantes (apud GUSMÃO, Paulo Dourado de. opus cit. p. 297).

A relação jurídica supõe o fato jurídico, ou seja, supõe acontecimento ao qual a lei empresta efeitos jurídicos.

De um lado da relação está o sujeito ativo, detentor do direito subjetivo, e do outro o sujeito passivo, o devedor, obrigado a uma prestação.

Relação jurídica, na definição de Paulo Dourado de Gusmão, é o vínculo que une duas ou mais pessoas, decorrente de um fato, de um ato ou de uma conduta, previsto pela norma jurídica, que produz efeitos jurídicos (GUSMÃO, Paulo Dourado de. – opus cit. p. 299).

Interessa ao nosso estudo, como se verá adiante, esclarecer os significados de relações complexas e de relações plurilaterais.

Quanto a seu conteúdo, as relações jurídicas classificam-se em simples e complexas. Simples são aquelas que “se constituem de um só direito subjetivo. A contraposição dos dois sujeitos verifica-se em termos exclusivos, ocupando um deles a posição ativa e outro a posição passiva. Aquele que se põe do lado ativo é o titular do direito subjetivo. As relações complexas encerram vários direitos subjetivos. As pessoas vinculadas por uma relação desse tipo ocupam, simultaneamente, as duas posições. Figuram, reciprocamente, como sujeito ativo e passivo” (GOMES, Orlando – opus cit. p. 128).

Quanto ao número de pessoas que dela participam, a relação jurídica pode ser bilateral ou plurilateral. É bilateral quando formada por duas pessoas, e plurilateral quando de mais de duas pessoas. Exemplo desta última é o direito de crédito em relação a devedores solidários.

O processo como relação jurídica

O primeiro jurista a se referir expressamente ao processo como relação jurídica foi Oskar von Büllow, em sua obra Die Lehre von den Prozesseinseden und die Prozessvoraussetzungen (A teoria das exceções e dos Pressupostos Processuais), publicada em 1868. Externamente, o processo é conjunto de atos, é procedimento. Foi a partir de Büllow que se inicia a investigação do aspecto interior do processo.

O processo é uma relação jurídica. De um lado estão as partes com o direito subjetivo público processual da ação e do outro está o juiz com o dever de prestar jurisdição. Trata-se de relação jurídica complexa, unitária, plurilateral, pública, autônoma e progressiva.

Complexa pois o juiz e as partes ocupam, simultaneamente, as posições ativa e passiva. O juiz não possui apenas o dever jurisdicional mas, uma vez estimulado com o pedido de tutela, possui também o direito de prestar jurisdição. As partes, por sua vez, não detêm apenas o direito à prestação jurisdicional, mas também o dever de se submeter a ela. É ainda complexa a relação jurídica porque dá origem a uma série de relações jurídicas derivadas. O direito de ação (e o direito de exceção não deixa de ser direito de ação) é direito complexo constituído por vários direitos derivados ou, como podem preferir alguns, é um direito composto por um conjunto de faculdades. Semelhantemente, o dever jurisdicional do juiz importa em pluralidade de obrigações processuais. Ao direito de oferecer denúncia corresponde o dever do juiz de recebê-la. Ao direito de oferecer defesa prévia, correlato é o dever de recebê-la. O mesmo vale para a interposição de recursos, para a proposição de provas, etc. São múltiplas as relações jurídicas que derivam da principal.

A relação jurídica processual é unitária, mas não, como se diz, porque os seus atos estão todos dirigidos a um mesmo fim. “Um complexo de atos dirigidos para o mesmo fim, ainda quando haja vários sujeitos, não chega a ser só por isso uma relação jurídica, a não ser que se empreste a esse termo uma acepção inteiramente nova. Um rebanho não constitui uma relação só pelo fato de ser um complexo jurídico de coisas semoventes” (COUTURE, Eduardo. Fundamentos do direito processual civil. São Paulo. Saraiva. 1946. p. 96). A relação jurídica é unitária, é uma só, pela razão de que, vista em sua totalidade, é uma só mesmo, apenas que do tipo complexo.

É plurilateral pois que de um lado estão autor e acusado, ambos com o direito de ação e ambos com o dever de se submeter à jurisdição. Observe-se que o direito de exceção é o nome que se dá ao direito de ação do réu, queremos dizer, ao direito do acusado à prestação jurisdicional.

A relação jurídica é pública, eis que regulada por ramo de direito público, pelo direito processual. Daí serem públicos os direitos subjetivos de seus sujeitos.

É autônoma, não porque a relação jurídica pode existir sem que exista a relação jurídica material, como se tem afirmado, pois partimos do princípio de que a relação jurídica de direito penal sempre existe no processo. A relação jurídica processual é autônoma porque independe da relação jurídica material, ou seja, pela razão de que o desenvolvimento da primeira é incapaz de exercer influência sobre a identidade dessa última.

É progressiva. Os fatos jurídicos são acontecimentos que criam, modificam e extinguem relações jurídicas. Na relação processual, o que ocorre é diverso. Os fatos jurídicos processuais, ao extinguirem, fazem nascer, simultaneamente, novas relações jurídicas. A publicação de sentença é fato jurídico processual que, extinguindo o direito das partes ao pronunciamento judicial, dá nascimento ao direito delas de interpor recurso. O recebimento do recurso (que é dever correlato ao direito de interposição) extingue o direito de interpô-lo e faz nascer uma nova relação jurídica vinculando as partes aos magistrados do tribunal, aquelas com o direito e esses com o dever do julgamento. Assim, observa-se que o exercício de direitos e o cumprimento de deveres no processo constituem fatos jurídicos que originam novas relações jurídicas com novos direitos subjetivos e deveres. É dessa maneira que progride o processo até seu final. Distintamente do que ocorre na área cível, em que a relação processual finda com a sentença, e em que a execução configura uma nova relação processual, no processo penal, a fase de execução é continuação da relação jurídica processual inicialmente instaurada.

Sujeitos principais da relação processual

É interessante recordar, rapidamente, a discordância que existe na doutrina no que tange às pessoas que se encontram vinculadas pela relação jurídica processual. Para Kohler, o juiz não participa da relação. Encontram-se vinculados apenas o autor e o réu. Para Hellwig, as partes vinculam-se exclusivamente com o juiz. Para Büllow e Wach, a relação é triangular, as partes vinculam-se com o juiz e entre si. Foram poucos os adeptos da concepção de Kohler. A mais difundida foi a apresentada por Büllow e Wach. A nós, dessas três, parece mais aceitável a concepção de Hellwig. A relação jurídica que vincula o vencedor ao vencido, o primeiro com o direito ao reembolso das custas e o segundo com o dever de reembolsar, que é normalmente apresentada como vínculo que une as partes, parece-nos, mesmo estando prevista e com localização em lei adjetiva, relação jurídica de direito material, e não de direito processual.

Demais sujeitos da relação processual

Sujeitos principais da relação jurídica processual são o juiz, o Ministério Público e o réu. Porém, sem razão os que pretendem reduzir todos os sujeitos da relação a esses três. Esses, como se assinalou, são apenas os principais. Todos aqueles que possuem participação no processo, regulamentada pela lei processual, são sujeitos da relação processual. Assim, são também sujeitos o defensor, as testemunhas, os peritos, o escrivão, os intérpretes… Ora, se o defensor possui direitos, e direitos distintos de quem ele representa, se a testemunha tem a obrigação de comparecer em juízo quando notificada, se o intérprete tem o dever de bem exercer a sua função, deveres e direitos esses regulamentados pela norma processual, não há como excluí-los da relação jurídica processual.

Situações jurídicas no processo

Uma última questão que merece ser colocada: existem situações jurídicas no processo? Para responder esta questão, é indispensável, antes, definir situação jurídica. A expressão tem sido empregada com múltiplos significados.

Vejamos o que significou inicialmente e o que Carnelutti e Passarelli passaram a entender por ela. Segundo Betti, a expressão situação jurídica foi usada inicialmente para significar os estados preliminares na formação da relação jurídica que dão lugar ao fenômeno de pendência e a uma expectativa de direito. Para Carnelutti, a situação jurídica corresponde a cada lado da relação jurídica, isoladamente considerando, e caracterizada como um dos interesses opostos, convertidos em um poder ou num dever. Já Passarelli reserva a expressão para nomear as relações jurídicas preliminares, as meramente instrumentais em relação a outras, chamadas definitivas (apud GOMES, Orlando. opus cit. p. 122).

São múltiplos os significados que se emprestam à expressão situação jurídica. Há, ainda, um outro segundo o qual situação jurídica é conjunto de relações jurídicas às quais uma pessoa determinada encontra-se sujeita. Definida assim, pode-se visualizar situações jurídicas no interior do processo.

As situações jurídicas processuais são aqueles feixes de relações jurídicas a que os sujeitos do processo em um determinado momento da atividade processual encontram-se vinculados. Na medida em que a relação processual se desenvolve e progride, com a extinção de relações jurídicas pelo cumprimento das obrigações nelas contidas, surgem novas relações jurídicas processuais, novos feixes de relações, enfim, novas situações jurídicas.

O processo é um complexo de realizações de direitos e deveres em movimento. As situações jurídicas podem ser comparadas a fotografias desse mecanismo. A cada nova fotografia que é tirada desta engrenagem, novas situações jurídicas são reveladas. O processo enquanto situação jurídica é a visão do complexo de relações jurídicas do processo é um determinado momento. É uma visão estática.

Qual a natureza jurídica do Direito Processual Civil?

Os princípios do Direito Processual Civil podem ser tanto de natureza constitucional (ou fundamental), previstos na Constituição Federal e aplicáveis, portanto, a todas as áreas do Direito, quanto de natureza infraconstitucional e, portanto, previsto no Novo CPC.

O que é natureza da ação civil?

É toda aquela em que se pleiteia em juízo um direito de natureza civil, ou seja, não criminal. Trata de conflitos de natureza civil, ou seja, pertencente às áreas familiar, sucessória, obrigacional ou real. Fonte: STF.

Qual é a natureza jurídica do direito de ação?

al., 2001) conceitua o direito de ação como o “direito público, subjetivo e abstrato, de natureza constitucional, regulado pelo Código de Processo Civil, de pedir ao Estado-juiz o exercício da atividade jurisdicional no sentido de solucionar determinada lide”.

Qual a natureza jurídica do direito processual constitucional?

2 O DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL COMO CIÊNCIA JURÍDICA O direito processual constitucional é uma nova ciência do ramo do direito público que se explica a partir da relação que existe entre o processo e a constituição.

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