The place of the peasant and agrarian question in the Russian Revolution of 1917.ResumoNo ano do centenário da Revolução Russa de 1917, o artigo procura revisitar os escritos de Vladimir Ilitch Uliánov (1870-1923), Lenin, sobre os camponeses e a questão agrária na Rússia ao longo dos acontecimentos que abalaram o mundo no ano de 1917. Em síntese, refletimos sobre as persistências e inflexões do pensamento lenineano que influenciaram a práxis do partido bolchevique em relação ao campesinato. Show
Palavras-chave: AbstractIn the year of the centenary of the Russian Revolution of 1917, the article seeks to revisit the writings of Vladimir Ilitch Ulyanov (1870-1923), Lenin, on peasants and the agrarian question in Russia throughout the events that shook the world in the year 1917. In summary, we reflect on the persistences and inflections of Lenin's thought that influenced the praxis of the Bolshevik party's in relation to the peasantry. Keywords: 1. IntroduçãoEsse ano completam 100 anos da Revolução Russa! Nesse ano de comemoração desse centenário, uma série de debates, seminários, filmes e livros tem se dedicado a resgatar a conjuntura e as lutas dos revolucionários que abalaram o mundo em 1917 na Rússia1 1 Referência ao livro de Jonh Reed “Dez dias que abalaram o mundo” (REED, 1967). . Nesse espírito o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) junto as Universidade do estado do Rio de Janeiro (UFRJ, UERJ, UFF, UFRJ dentre outras), realizaram a jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA)2 2 Essa jornada ocorre há quatro anos em diferentes universidades do Brasil no período de abril procurando pautar o tema da Reforma Agrária no meio acadêmico dando visibilidade a temática. com o tema “Paz, pão e terra: contra a criminalização e a retirada de direitos.”3 3 “Paz, terra e pão” foi uma das palavras de ordem levantadas pelos revolucionários russos em 1917, denunciando a guerra, o problema agrário e a fome. Essa jornada procurou relembrar as contribuições teóricas e os episódios que marcaram os debates e a construção dos projetos políticos sobre o campesinato e a questão agrária na Rússia de 1917. Nessa jornada, procurou-se resgatar aprendizados históricos com os processos revolucionários do início do século XX para pensar as resistências do tempo presente de acelerados retrocessos em direitos, com mudanças legislativas que aprofundaram a contra reforma agrária e a retirada de direitos sociais (como com as contrarreformas trabalhistas e previdenciária) no Brasil. Como afirmado por Walter Benjamin em suas “teses sobre o conceito da história” em momentos de perigo torna-se ainda mais importante pesquisar a história dos vencidos, promovendo uma história a contrapelo, tirando do silêncio as lutas do passado que ficaram esquecidas, pois quanto mais elas são escondidas mais se reforça a história dos vencedores (BENJAMIN, 2008). Dessa forma, em momentos de perigo aos direitos com o avanço do conservadorismo político e do neoliberalismo torna-se ainda mais importante relembrar o passado. A questão agrária e os camponeses foram temas polêmicos no marxismo. Hegedüs (1984)HEGEDÜS, András. A questão agrária. In: HOBSBAWM, Eric. História do Marxismo. Rio de Janeiro: editora Paz e Terra, volume 4, p. 149-172. destaca que
Karl Marx analisou a questão agrária e camponesa ao longo de sua vida e identificou possíveis tendências diferentes nos países da Europa Ocidental e Oriental. (WALICKI, 1986WALICKI, Andrzej. Socialismo russo e populismo. In: HOBSBAWM, Eric. História do Marxismo III, 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.). O modelo de desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra descrito por Marx no Capital não seriam necessariamente os mesmos da formação econômica e social da Rússia, por exemplo. (PADILHA, 2009PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153.). Assim como, as análises sobre o camponês de Marx no “O 18 Brumário”, na qual o autor descreve o papel das diferentes classes sociais no golpe de Estado de Luiz Bonaparte, apresentando o camponês como “saco de batatas”, uma massa amorfa, muitas vezes conservadora, cuja consciência teria de ser despertada e a prática guiada pelo proletariado (MARX, 1987). Entretanto, as cartas de Marx em resposta a Vera Zasulich4 4 No período dessa correspondência Vera Zasulich era uma populista russa. , manifestavam-se em outro sentido sobre a dinâmica na Rússia. Nestas cartas, Marx afirmava que a comuna camponesa russa não estava ameaçada a uma fatalidade histórica e que dela poderia iniciar mudanças para o comunismo. Destacava os hábitos camponeses não como conservadores, mas, a propriedade comunal, com características diferentes da propriedade capitalista. Sinalizava também as peculiaridades dos camponeses dos diferentes países, em especial, as diferenças dos países da Europa Ocidental e Oriental. Marx apontou a comuna camponesa russa como “ponto de apoio natural da regeneração social da Russa” (MARX, 2005__________. Rascunhos da carta à Vera Sassulitch de 1881. In: Universidade Federal de Campina Grande. Raízes – Revista de Ciências Sociais e Econômicas, vol. 24, n. 1 e2, jan. – dez. 2005., p.123) Esse debate presente na teoria marxista irá perpassar as análises de Vladimir Ilitch Uliánov (1870-1923), Lenin___________________. Três crises. Escrito: em 7 (20) de Julho de 1917. Primeira edição: em 19 de Julho de 1917 no n.° 7 da revista Rabótnitsa. Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso – Moscovo. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 32, pp. 428-432.). Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/07/20.htm. Acesso em: 28 ago. 2017., que refletiu sobre a questão agrária e camponesa ao longo do desenrolar dos acontecimentos que marcaram a Revolução Russa de 1917. Esse é um tema que sempre retorna aos debates contemporâneos, especialmente com a presença na cena política de movimentos camponeses e de trabalhadores rurais. Nesse artigo, apesar de não sermos historiadoras, nem pretendermos realizar uma revisão da historiografia sobre o tema, buscamos revisitar os escritos de Lenin____________________ A Situação Política (Quatro Teses). Escrito: em 10 (23) de Julho de 1917. Primeira edição: em 2 de Agosto (20 de Julho) de 1917, no n.º 6 do jornal Proletárskoe Delo. Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso – Moscovo. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 34, pp. 1-5. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/07/23.htm. Acesso em 28 ago. 2017. sobre o campesinato e a questão agrária na Rússia, dando especial atenção às formulações feitas ao longo do ano de 1917. O artigo encontra-se dividido em duas partes, além dessa introdução e das considerações finais. No próximo ponto é apresentado, por meio de revisão bibliográfica em fontes secundárias, o contexto agrário russo anterior a 1917. No terceiro tópico são analisados os escritos de Lenin________________. A Propósito das Palavras de Ordem. Escrito: em meados de Julho de 1917. Primeira edição: Publicado em 1917 em brochura editada pelo Comité de Cronstadt do POSDR(b). Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso - Moscovo Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 34, pp. 10-17. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/07/15.htm. Acesso em: 28 ago. 2017. em meio aos acontecimentos de 1917. Nas considerações finais buscamos avaliar as persistências e inflexões do pensamento lenineano, que influenciaram a práxis do partido bolchevique ao longo da Revolução Russa. 2. Lenin e as reflexões sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia e o campesinatoAs peculiaridades do campesinato na Rússia, conforme Silva (2012)SILVA, Ligia Maria Osório. Lenin: a questão agrária na Rússia. _Rev_Critica_Marxista-35, 2012. Disponível em:
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo283Artigo%206.pdf Conforme a autora, a antiga polêmica sobre a comuna rural russa ressurgira em meados do século XIX: “À esquerda, os populistas acreditavam que ela poderia ter um lugar na construção do socialismo. À direita, acreditava-se que ela era compatível com o desenvolvimento capitalista” (Silva
2012SILVA, Ligia Maria Osório. Lenin: a questão agrária na Rússia. _Rev_Critica_Marxista-35, 2012. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo283Artigo%206.pdf Lenin, em 1896, escreveu o livro “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, procurando desconstruir as teses dos populistas, a partir da analise, por meio de dados estatísticos, da formação do mercado interno para o capitalismo russo, observando as mudanças ocorridas na agricultura após a reforma
promovida em 1861 pelo Czar Alexandre II.5 5 Lenin explica no prefácio à primeira edição do “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, que só teve acesso ao livro de Kautsky, “Desenvolvimento da agricultura na sociedade capitalista”, após a redação de seu livro. Segundo Lenin essa obra era a literatura mais notável da economia moderna depois do Capital do Marx. Lenin apontava que era as características do processo vivenciado na Europa Ocidental
eram muito semelhantes ao processo de desenvolvimento na Rússia, apesar do autor destacar que “apesar de todas as particularidade, econômicas e não-econômicas” que se observam na Rússia. (LENIN, 1988, p.6.) Segundo Lenin, ainda no prefácio à primeira edição do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, nessa obra Kautsky compreende como impensável uma passagem da “comunidade rural a uma organização comunitária da grande agricultura moderna”. (LENIN, 1988, p.7). Lenin nesse momento de sua obra
aponta na mesma direção ao polemizar com os populistas russos, que atribuíam características socialistas à comuna rural, para Lenin o campesinato estava em decomposição e, portanto, essas comunas também. Cabe destacar que o Império Russo foi o último Estado europeu a abolir a servidão e que até meados do século XIX a comuna camponesa russa (mir)6 6 O mir era uma comunidade de aldeia que tinha poder sobre as terras dos
camponeses e as distribuía entre seus membros segundo diversos critérios que supostamente mantinham certa igualdade entre as famílias camponesas. Para efeito de distribuição, a unidade era a família. Calcula-se geralmente que no começo do século as glebas assim distribuídas representavam cerca da metade das terras cultivadas; as terras restantes eram: terras dos proprietários rurais, dos camponeses desligados do mir, as terras de colonização (principalmente situadas nas regiões conquistadas
havia um século pela Rússia czarista), e as terras do Estado, da coroa e das instituições religiosas (Bettelheim, 1979, p.190 e 193-194 apudSilva, 2012). foi pouco alterada. Apenas com a Reforma de 1861 que o regime de servidão começou a ser abolido. Silva (2012SILVA, Ligia Maria Osório. Lenin: a questão agrária na Rússia. _Rev_Critica_Marxista-35, 2012. Disponível em:
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo283Artigo%206.pdf
Analisando essas mudanças Lenin (1988)LENIN, V. I. O desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (volume I). In: Os economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1988. identificou um processo de decomposição dos pequenos agricultores em patrões e operários agrícolas que constituiriam a base da formação do mercado interno na produção capitalista. Lenin no livro “Desenvolvimento do capitalismo na Rússia” explica que
Dessa forma, segundo Lenin (1988)LENIN, V. I. O desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (volume I). In: Os economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1988. a reforma de 1861 foi uma reforma anticamponesa, que promoveu a “desintegração do campesinato” e a criação de novos tipos de população rural, o autor explica que o “campesinato antigo não se 'diferencia' apenas: ele deixa de existir, se destrói, é inteiramente substituído por novos tipos de população rural, que constitui-se a base de uma sociedade dominada pela economia mercantil e pela produção capitalista. Esses novos tipos são a burguesia rural (sobretudo pequena burguesia) e o proletariado rural – a classe dos produtores de mercadorias na agricultura e a classe dos operários agrícolas assalariados” (LENIN, 1988LENIN, V. I. O desenvolvimento do Capitalismo na Rússia (volume I). In: Os economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1988., p. 114). Em 1903, Lenin durante a elaboração do Programa do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR)7 7 No II
Congresso do POSDR (1903), o partido se dividiu em duas frações, mencheviques e bolcheviques. (PADILHA, 2009). assinalou as especificidades da questão agrária na Rússia com relação aos países da Europa ocidental. Silva (2012)SILVA, Ligia Maria Osório. Lenin: a questão agrária na Rússia. _Rev_Critica_Marxista-35, 2012. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo283Artigo%206.pdf
Na análise de Silva (2012SILVA, Ligia Maria Osório. Lenin: a questão agrária na Rússia.
_Rev_Critica_Marxista-35, 2012. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo283Artigo%206.pdf
Wolf (1984)WOLF, Erik. As guerras camponesas do século XX. Editora Global, 1984 [versão digital, s.p]. destaca que no período pré-Revolução de 1905 episódios de insurreição camponesas, como em Vitebsk, na Rússia Branca, onde “os camponeses exigiram a publicação da ‘verdadeira’ Proclamação da Emancipação de 1861”. As sublevações camponesas espalharam-se pela região agrícola central e, embora fossem localizadas, possuíam “as mesmas exigências básicas: abolição do controle oficial sobre a vida camponesa; término dos pagamentos de redenção, abrandamento dos impostos e repartição de terras”. Iniciavam-se as organizações de “sindicatos camponeses, estimulado no verão, pelos liberais dos zemstvos e pelos revolucionários profissionais que viviam nas zonas rurais”, que instigavam “os camponeses a ocupar terras pertencentes aos proprietários de terras e recusar-se a pagar os impostos”.
Nesses anos, Lenin analisando as especificidades da Rússia defendia a importância das alianças do proletariado com o campesinato para rupturas revolucionárias com o Estado autocrático, Lenin compreendia que os “camponeses russos eram revolucionários do ponto de vista democrático-burguês” (PADILHA, 2009PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153., p. 53).8 8 Concomitantemente a essas insurgências camponesas, várias greves operárias eclodiam pela Rússia (PADILHA, 2009). Padilha (2009)PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153. destaca que
A autora explica que no decorrer a revolução de 1905, as formulações do POSDR passaram a apoiar “a ação revolucionária dos camponeses até chegar ao confisco das terras dos latifundiários, reconhecendo a revolução burguesa como revolução agrária camponesa.” (PADILHA, 2009PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153., p. 70). Também ressalta que essa formulação suscitou o debate na social democracia russa se ela “deveria apoiar: a partilha de terras dos latifundiários, entregando aos camponeses em forma de propriedade ou; a municipalização das terras dos latifundiários ou; a estatização de todas as terras.” (PADILHA, 2009PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153., p. 70). Nesse debate Lenin defende a estatização de todas as terras, com a nacionalização das terras e a propriedade concedida ao Estado, como “efetiva realização da revolução agrária camponesa na Rússia, sendo o único meio de acabar com o feudalismo na agricultura e melhor regime agrário concebível sob o capitalismo. (PADILHA, 2009PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153., p.71). Entretanto, as reformas agrárias realizadas Stolípin não alteraram substancialmente as estruturas tradicionais no campo, mantendo os camponeses na pobreza (PADILHA, 2009PADILHA, Tânia Maria de Almeida. Entre o semear e a próxima colheita:Uma análise dos escritos de Lenin sobre a questão agrário-camponesa. (Dissertação de Mestrado). UNESP, 2009, 153.). O objetivo desse tópico do artigo foi de forma sintética apresentar o cenário agrário russo e os debates no contexto anterior a 1917. Conforme Wolf (1984)WOLF, Erik. As guerras camponesas do século XX. Editora Global, 1984 [versão digital, s.p]. , três fatores predominantes e sincronizados determinaram o êxito da Revolução de 1917 que derrubou o Estado czarista e as suas classes: “o desenvolvimento da greve das massas operárias na indústria, a intensificação das desordens camponesas; e a deserção em massa do exército, composto, principalmente, de operários e camponeses chamados às armas”, assim como em 1905. No próximo tópico daremos atenção às analises de Lenin ao longo dos acontecimentos que marcaram 1917. 3. As análises de Lênin sobre o campesinato e a questão agrária a partir da Revolução de fevereiro de 1917Em 1917, em pleno período revolucionário na Rússia, Lenin escrevera diversos textos e obras que ficaram conhecidas como as Teses de Abril e o livro O Estado e a Revolução, com o objetivo, conforme destaca Fernandes (1978, p. 10), de libertar o marxismo de uma tradição oportunista, representada por autores como Lassalle, Bernstein, Kautsky e Plekhanov, bem como travar um combate teórico com os anarquistas. Portanto, as várias obras escritas nesse período possuem um cunho didático “de esclarecer a consciências das massas populares e das classes trabalhadores” (FERNANDES, 1978, p. 10). José Paulo Netto (2010NETTO, José Paulo. Lenin e a instrumentalidade do Estado. O Estado e a revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010., pp. 158-159) percebe que:
Um desses giros foi provocado pela primeira Guerra Mundial, deflagrada em 1914, o que levou Lênin a avaliar que estavam postas as condições para uma revolução socialista em âmbito mundial (Netto, 2010NETTO, José Paulo. Lenin e a instrumentalidade do Estado. O Estado e a revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.). A partir de semelhantes pressupostos teórico-metodológicos, Linhart (1983) procura, a despeito das formulações de Lênin sobre o campesinato e a questão agrária na Rússia no período anterior à Revolução Russa, explicar as tomadas de posição e mudanças nas formas de compreensão do próprio campesinato no desenrolar dos acontecimentos históricos a partir de fevereiro-março de 1917. O enfrentamento de linhas políticas sobre a questão agrária ocorre desde fevereiro-março de 1917, após a derrubada do czarismo, e inclui o debate sobre nacionalização ou repartição das terras entre os diversos grupos políticos nos sovietes, sem a participação do campesinato, que naquele momento se limitava a realizar pontualmente alguns atos de pilhagem justificados, mas que para a massa camponesa “não estabelecem um novo direito”, pois para ela
O pensamento coletivo do campesinato toma forma lentamente e se condensa entre agosto e outubro de 1917, quando
E é nesse período que as massas camponesas passaram a tomar as terras dos senhores9 9 Conforme as estatísticas oficiais, em maio foram cerca de 150 casos de tomadas de terra pela força, em agosto quase 500 e em setembro perto de 1.000 (Carr, s/d, t. 2, p. 40, apud Linhart, 1983, p. 30). ,
A ação camponesa, conforme Linhart (1983), levou a Revolução a passar por um momento decisivo, de teste das forças e indivíduos que participaram da ação revolucionária. Nesse momento, “em que se colocava praticamente a questão de apoiar ou reprimir o movimento revolucionário de massa dos camponeses, somente Lenin e o partido bolchevique se colocaram, de fato, ao lado dos camponeses” (Linhart, 1983, p. 26). Defenderam, na ocasião, “a insurreição armada contra o governo provisório, para salvar e proteger o movimento de massa” (Linhart, 1983, p. 27). Ao lermos os escritos de Lenin no período, entretanto, vemos que a defesa da insurreição armada começa a se esboçar a partir do final de julho de 1917, quando as análises de Lenin apontam para uma viragem na revolução que tornara temporariamente obsoleta a palavra de ordem “Todo poder aos sovietes!”, então dominados e esvaziados pelos mencheviques e socialistas-revolucionários. Linhart (1983), diante da tomada de posição prática de Lenin em defesa do campesinato, considera ser uma lenda atribuir a defesa dos interesses camponeses aos socialistas-revolucionários (SRs) e o desconhecimento dos problemas rurais aos bolcheviques, que teriam realizado uma aliança efêmera com o campesinato no momento do golpe de Estado de outubro. Para Linhart (1983), houve um entrecruzamento entre a revolução de fevereiro e a de outubro de 1917, nos seguintes termos:
Linhart sublinha uma hesitação de Lenin em relação à questão agrária nas Teses de abril e um programa agrário doutrinário, defendendo nacionalização, grandes fazendas-modelo nas antigas terras senhoriais, apoio aos camponeses pobres e não a repartição, (1983, p. 29), mas considera que essas propostas não são essenciais, pois o maior interesse de Lenin não está nos projetos de lei agrária, mas no movimento de massa dos camponeses10 10 Nesse sentido, se vale de trechos das Cartas sobre a tática escritas por Lenin em abril de 1917, em que ele trata das diversas possibilidades de ação dos camponeses, considerando que naquele momento havia colaboração de classe entre o campesinato e a burguesia, ao mesmo tempo em que adverte: “quando o campesinato se separar da burguesia, tomar a terra e o poder apesar da burguesia, teremos então uma nova etapa da revolução democrática burguesa, que será preciso tratar em separado” (Lenin, Obras Completas, tomo XXIV, 1977, p. 462, tradução nossa). . De fato, em diversos escritos de Lenin do período percebe-se essa preocupação com a adesão dos setores pobres ou semiproletários dos camponeses. Nas Teses de Abril, contidas no artigo Sobre as Tarefas do Proletariado na Presente Revolução, ao tratar da atitude perante a guerra imperialista e das condições que justificariam o defensismo revolucionário menciona a “passagem do poder para as mãos do proletariado e dos setores pobres do campesinato que a ele aderem” (LENIN, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, s.p., grifos nossos). Enquanto o partido permanecesse em minoria na maior parte dos Sovietes, considerava que a tarefa dos bolcheviques seria explicar às massas que os Sovietes de deputados operários (SDO) seriam “a única forma possível de governo revolucionário”, ou seja, “um trabalho de crítica e esclarecimento dos erros, defendendo ao mesmo tempo a necessidade de que todo o poder de Estado passe para os Sovietes de deputados operários, a fim de que, sobre a base da experiência, as massas se libertem dos seus erros” (LENIN, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, s.p.). Defendia, dessa forma, "uma república dos Sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas e camponeses em todo o país, desde baixo até acima” (LENIN, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, s.p.). A sexta tese trata do programa agrário e propõe: “transferir o centro de gravidade para os Sovietes de deputados assalariados agrícolas”, a “confiscação de todas as terras dos latifundiários”, além da
Ao desenvolver as teses sobre os Programas Agrário e Nacional, no artigo As tarefas do proletariado em nossa revolução (Projeto de Plataforma do Partido Proletário), escrito em 10 (23) de Abril de 1917, Lenin demonstra cautela ao afirmar:
Apesar de apelar para a experiência futura a resposta sobre a possibilidade de se desenvolver uma revolução agrária no campo russo e a profundidade da divisão de classe do campesinato, afirma que “como partido do proletariado temos a obrigação absoluta não só de apresentar sem demora um programa agrário (sobre a terra) mas também de defender medidas práticas de realização imediata no interesse da revolução agrária camponesa na Rússia” (Lenin, 1978, t2, pp 21-48). E assim, reitera as propostas de nacionalização de todas as terras, que passariam à propriedade do Estado, com algumas ressalvas:
Em contraposição ao defendido pelos socialistas-revolucionários sobre a “socialização da terra”, Lenin afirmava que “o partido do proletariado deve explicar que o sistema da pequena exploração, no regime de produção mercantil, não está em condições de libertar a humanidade da miséria das massas e da sua opressão”, além de “explicar a necessidade de Sovietes especiais de deputados assalariados agrícolas e Sovietes especiais de deputados camponeses pobres (semiproletários), ou, pelo menos, conferências especiais permanentes dos deputados destes sectores de classe, como fracções ou partidos especiais dentro dos Sovietes gerais de deputados camponeses”, com o objetivo de evitar “o engano das massas sem terra pelos camponeses ricos, que representam apenas uma variedade de capitalistas” (Lenin, 1978, t2, pp 21-48). Na Resolução Sobre a Questão Agrária, de 13 de Maio (30 de Abril) de 1917, adotada no âmbito da VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do partido bolchevique (POSDR)11 11 Conforme nota de fim de tomo: “Foi a primeira conferência do Partido realizada em condições legais. Na Conferência participaram 133 delegados com voto deliberativo e 18 com voto consultivo, de 78 organizações partidárias. Pela sua representatividade e pelas suas tarefas políticas e organizativas, a Conferência desempenhou de facto o papel de um congresso, tendo elaborado uma lista política para todo o Partido e formado os seus órgãos dirigentes. [...] A Conferência elegeu o Comité Central do Partido, encabeçado por Lênin. A importância histórica da Conferência de Abril consiste em que ela adoptou o programa leninista de passagem à segunda etapa da revolução na Rússia, traçou o plano da luta pela transformação da revolução democrática burguesa em revolução socialista, avançou a reivindicação da passagem de todo o poder para os Sovietes. Foi sob esta palavra de ordem que os bolcheviques prepararam as massas para a revolução proletária”. , realizada em Petrogrado de 24 a 29 de Abril (7 a 12 de Maio) de 1917, as teses de Lenin são assumidas pelo partido bolchevique, que caracteriza a propriedade latifundiária da terra na Rússia como “o baluarte material do poder dos latifundiários feudais e uma garantia da possível restauração da monarquia” e a propriedade camponesa da terra como enredada em “velhos vínculos e relações de semi-servidão, pela divisão dos camponeses em categorias herdadas do tempo do regime de servidão, fragmentação dos lotes, etc”, sendo necessário “reestruturar todas as relações da propriedade da terra e da agricultura de acordo com as novas condições da economia nacional e mundial”, o que constituiria “a base material da aspiração do campesinato à nacionalização de todas as terras no Estado”.
Portanto, é reiteradamente presente nos textos lenineanos a leitura de que a revolução russa dependeria de uma adesão do proletariado rural e da massa de semiproletários do campo (por vezes tratados como setores pobres do campesinato) ao proletariado urbano (a vanguarda revolucionária). Entre as “tarefas do proletariado”, ao contrário do discurso dos socialistas-revolucionários e de Sovietes de deputados operários e soldados, estaria “exortar os camponeses a efetuar sem demora e por iniciativa própria as transformações agrárias e a confiscação imediata das terras dos latifundiários por decisão dos deputados camponeses das localidades” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 86 a 88). Também está presente desde abril a preocupação com a insistência “na necessidade de aumentar a produção de alimentos para os soldados na frente e para as cidades, em que é absolutamente inadmissível destruir ou causar danos ao gado, alfaias, máquinas, edifícios, etc, etc” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 86 a 88). Entre as resoluções do partido bolchevique, que abarcaram as preocupações de Lenin, em síntese, pode-se ler, como primeiro ponto: “O partido do proletariado luta com todas as forças pela confiscação imediata e completa de todas as terras dos latifundiários da Rússia (assim como as terras de apanágio, da Igreja, da coroa, etc, etc)”12 12 Esse ponto foi alterado em relação ao projeto de resolução, em que se propunha que “O partido do proletariado apoia com todas as forças a confiscação imediata e completa de todas as terras dos latifundiários”, a partir da aprovação de uma emenda proposta por Lenin que na ocasião sustentara que “se diga que o partido ‘luta por...’ ao invés de ‘apoia’, pois ‘a propriedade agrária dos latifundiários é a base do jugo que oprime o campesinato e o torna atrasado. Não se trata de que os camponeses tenham pouca terra ou não. Abaixo o regime de servidão!’” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 86 a 88). Em seguida, lê-se:
No Relatório sobre a questão agrária, consta a defesa de Lenin sobre a inversão de ordem dos pontos 2 e 3, alegando que “para nós é importante a iniciativa revolucionária, e a lei deve ser resultado dela. Se esperardes que a lei seja escrita e não desenvolverdes vós próprios energia revolucionária, não tereis nem lei nem terra.” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 82 a 85). Argumenta, nesse sentido, ao contrário dos partidos favoráveis a que, quanto à questão agrária, se esperasse até à Assembleia Constituinte, que a terra deveria passar imediatamente “para as mãos dos camponeses com o máximo de organização”, manifestando-se “contra as ocupações anárquicas” e contra a proposta de que os camponeses “entrem em acordo com os latifundiários”, afirma que “se deve tomar a terra, imediatamente e semeá-la, para lutar contra a falta de pão, para livrar o país da falência que se avizinha dele com uma rapidez colossal” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 82 a 85). Esses pontos também são incorporados na Resolução, que ao destacar que o partido devesse lutar contra o Governo Provisório, que além de impor aos camponeses um “‘acordo voluntário com os latifundiários” ameaçava “castigar os camponeses pelos seus ‘atos arbitrários’, isto é, passar à violência da minoria da população (os latifundiários e capitalistas) contra a maioria” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 86 a 88). O partido aconselhava “os camponeses a tomar a terra de modo organizado, sem permitir em caso algum a menor deterioração dos bens e com a preocupação de aumentar a produção” e decidia “apoiar a iniciativa dos comités camponeses que numa série de lugares da Rússia entregam o gado e as alfaias dos latifundiários ao campesinato organizado nesses comités para uma utilização socialmente regulamentada para o cultivo de toda a terra” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 86 a 88). Além disso, resolvia-se que o partido deveria “aconselhar os proletários e semiproletários do campo a procurarem conseguir a transformação de cada propriedade latifundiária numa propriedade modelo bastante grande, administrada por conta da sociedade pelos Sovietes de deputados de operários agrícolas sob a direção de agrónomos e empregando os melhores meios técnicos” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 86 a 88). Por um lado, vemos a persistência do modelo agrário ideal lenineano adotado pelo partido bolchevique, baseado na imagem da grande propriedade agrária capitalista, que seria submetida, a partir da revolução socialista, ao controle dos operários agrícolas dirigidos por especialistas e com emprego de técnicas avançadas. Por outro, o partido constata e apoia a iniciativa de comitês camponeses de vários lugares da Rússia que tomam e entregam gado e alfaias dos latifundiários, bem como defende o aconselhamento à tomada pelo campesinato, de forma organizada, das terras, com objetivos de aumentar a produção. O contexto de aprovação da referida Resolução é descrito no Relatório Sobre a Questão Agrária, de 28 de Abril (11 de Maio) de 1917, que a precede e no qual Lenin defende suas ideias: “o crescimento do movimento agrário” em toda a Rússia (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, p. 82 a 85). Portanto, ao menos desde abril de 1917, Lenin adota como posição de princípio a necessidade de liberar a iniciativa revolucionária dos camponeses, tratando como essencial que “os próprios camponeses resolvam, passando à ação, a questão das terras” (Linhart, 1983, p. 30). No mesmo período, “o partido socialista-revolucionário toma posição inversa”: com um de seus quadros (Tchernov) assumindo o Ministério da Agricultura, apoia a política agrária do governo provisório de Kerenski. Entre os principais pontos da política, a defesa de que a reforma agrária fosse realizada “na legalidade” e que não fosse tolerada “nenhuma ação espontânea dos camponeses antes da Assembleia Constituinte”, ou seja, “o partido socialista-revolucionário pretende, com o conjunto da burguesia, conceder a terra aos camponeses, mediante compensações aos proprietários de terras expropriadas” (Linhart, 1983, p. 30). Os meses de junho e julho de 2017 são marcados por manifestações e greves em que a massa dos trabalhadores nas cidades expressa seu descontentamento com o governo provisório, que mantinha a Rússia na guerra. Ao analisar, em 7 de julho, as mobilizações ocorridas, no artigo Três Crises, Lenin avalia que a maioria da população do país seria pequeno-burguesa e, embora existisse “um proletariado urbano suficientemente desenvolvido para seguir o seu próprio caminho”, ele ainda não era “capaz de atrair imediatamente para o seu lado a maioria dos semiproletários”, o que explicava a inevitabilidade das crises, que poderia no futuro variar em suas formas (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., tomo 2, s.p.). Entretanto, destaca que “a essência das coisas” se manteria mesmo na eventual futura reunião de uma Assembleia Constituinte socialista-revolucionária em Outubro, pois:
Após os acontecimentos de 4 de julho, caracterizados como contra-revolução13 13 “À medida que desaparecia o prestigio e a autoridade do Governo Provisório, a influência dos bolcheviques nas fábricas e no exército crescia rapidamente, e em julho as autoridades governamentais resolveram agir contra eles, sob a acusação de que realizavam propaganda subversiva e atuavam como agentes alemães. Vários lideres foram detidos. Lenin fugiu para a Finlândia, de onde manteve uma correspondência regular com o comitê central do partido, agora operando na clandestinidade, em Petrogrado” (CAR, 1981, p. 14). , os textos de Lenin passam a identificar uma viragem que apontava para a impossibilidade de revolução por vias pacíficas o que teria como consequência a necessidade de mudança da própria palavra de ordem que defendia todo poder aos Sovietes, com o fim da dualidade de poderes14 14 Conforme Carr (1981, p. 12-13): “A Revolução de Fevereiro de 1917 trouxe de volta a Petrogrado, vindos da Sibéria e do exílio no exterior, grande número de revolucionários antes banidos. Pertenciam, em sua maioria, a uma das duas alas — bolchevique e menchevique — do Partido dos Trabalhadores Socialdemocratas, ou ao Partido Social Revolucionário (SRs), e encontraram uma plataforma já pronta no Soviete de Petrogrado. Este era, de certa maneira, rival do Governo Provisório instaurado pelos partidos constitucionais da velha Duma; a expressão "dualidade de poder" foi então criada para descrever uma situação ambígua. Mas a atitude inicial do Soviete foi menos clara. O esquema histórico de Marx postulava duas revoluções distintas e sucessivas — uma burguesa, a outra socialista. Os membros do Soviete, com poucas exceções, satisfaziam-se em identificar os acontecimentos de fevereiro como a revolução burguesa russa que estabeleceria um regime democrático-burguês nos moldes ocidentais, relegando a revolução socialista a uma data ainda indeterminada, no futuro. A cooperação com o Governo Provisório foi o corolário dessa opinião, partilhada pelos dois primeiros líderes bolcheviques a retornarem a Petrogrado, Kamenev e Stalin. A dramática chegada de Lenin a Petrogrado, no início de abril, abalou esse entendimento precário.” (cf. o artigo A Propósito das Palavras de Ordem, escrito em 17 de Julho de 1917). Antes disso, os Sovietes poderiam ter assumido o poder por meios pacíficos, mas, para Lênin
Entretanto, analisando a situação concreta, segue afirmando que a única saída seria a tomada de poder pelo proletariado, apoiado pelo campesinato pobre ou os semiproletários, e, nesse sentido os Sovietes atuais teriam fracassado “perante a contra-revolução, que triunfou e triunfa” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., tomo 2, s.p.). A defesa da insurreição armada como a tática a ser adotada ante a nova conjuntura começara a ser então esboçada e desenvolve-se no texto A Situação Política (Quatro Teses), em 23 de Julho de 1917. Lenin então afirma:
Naquele momento, estava em curso a repressão ao partido bolchevique, com prisão de vários bolcheviques, sob acusação de “espionagem”. Em fins de julho, Lenin escreve o artigo As Lições da Revolução, no qual analisa o significado da revolução como “uma viragem brusca na vida de massas imensas do povo”, que exige amadurecimento e “dá a todo o povo, em pouco tempo, as lições mais profundas e preciosas” (Lenin, 1977aLENIN, V. I. VII Conferência (de Abril) de Toda a Rússia do POSDR(b). Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pp. 49 a 99. Edições Avante!: Lisboa; Edições Progresso: Moscou. Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo. Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/05/conf-abril.htm. Acesso em 19 ago. 2017., t. 2, s.p.). Em síntese, argumenta que, com a revolução realizada em abril, as massas de operários e camponeses esperavam liberdade, paz, pão, terra. Nenhum dos anseios das massas foram atendidos pelo governo que se formou, mas, ao contrário, restaurava-se a anterior arbitrariedade:
Em relação aos camponeses, afirma
Em diversos escritos, Lenin começa a preparar o Partido Bolchevique para a insurreição armada de Outubro. Na obra O Estado e a Revolução, ao tratar da análise de Marx sobre a experiência da Comuna de Paris de 1871 para refutar a interpretação dominante no marxismo, representada pela obra de Kautsky, observa que Marx afirmara no 18 brumário a necessidade de destruir a máquina burocrática e militar do Estado como condição prévia para a revolução popular do continente. Sobre esse ponto, ressalta que como na Europa continental do período o proletariado não constituía a maioria do povo, a revolução
Na carta ao Comitê Central, aos Comitês de Petrogrado e de Moscou do POSDR, intitulada Os bolcheviques devem tomar o poder15 15 Conforme nota dos editores, “As cartas de Lénine ‘Os Bolcheviques devem tomar o Poder’ e ‘O Marxismo e a Insurreição’ foram discutidas na reunião do CC de 15 (28) de Setembro de 1917. O Comité Central tomou a decisão de fixar para muito breve uma reunião do CC dedicada à discussão das questões tácticas. Foi colocada à votação a questão de conservar apenas um exemplar das cartas de Lénine. Houve 6 votos a favor desta proposta, 4 contra e 6 abstenções. Kámenev que era contra a linha do Partido em direção à Revolução Socialista, apresentou à reunião do CC um projeto de resolução dirigido contra as propostas de Lénine de organização da insurreição armada. O Comité Central rejeitou a resolução de Kámenev” (Obras Completas, 1978, t. 2, pp 306-307). , escrita entre 12 e 14 de setembro de 1917, Lenin considera que devem tomar o poder de Estado na medida em que obtiveram “a maioria nos Sovietes de deputados operários e soldados de ambas as capitais”, o que seria
Diante dos acontecimentos desde a composição do primeiro governo provisório de coligação, em 6 de Mario, até as tentativas de contra-revolução, com a convocação da Conferência Democrática, que, segundo Lenin, representaria “apenas as cúpulas pequeno-burguesas conciliadoras” e enganaria “o campesinato, não lhe dando nem a paz nem a terra. Só um governo bolchevique satisfará o campesinato” (Lênin, 1978, t. 2, pp 306-307). Afirma que “O povo está cansado das vacilações dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários. Só a nossa vitória nas capitais arrastará os camponeses atrás de nós” (Lênin, 1978, t. 2, pp 306-307). Ante a explosão de sublevações camponesas, especialmente em setembro de 1917, o governo provisório decreta estado de sítio na região de Tambov, onde se verificam as mais numerosas e violentas, e envia tropas, transformando a questão agrária em guerra civil (Linhart, 1983, p. 30). Lenin e os bolcheviques consideram necessário apoiar e proteger, inclusive pela ação armada, a sublevação camponesa, ao contrário dos socialistas-revolucionários que, abandonando o próprio programa, propõem uma composição com os proprietários de terra (Linhart, 1983, p. 31). Nesse sentido, o escrito de Lenin A crise amadureceu, de 29 de setembro de 1917, demonstra a percepção de que se iniciara na Rússia o momento da “viragem da revolução”:
A continuação da carta, distribuída apenas aos membros do Comité Central, Comité de Petrogrado, Comité de Moscovo e dos Sovietes, defende a tomada imediata do poder, através de uma insurreição imediata, visando vencer uma corrente partidária que defendia esperar pelo congresso dos Sovietes. Entre os argumentos, considera que seria uma traição tanto aos operários alemães quanto ao campesinato, pois “tendo ambos os Sovietes das capitais, deixar esmagar a insurreição dos camponeses significa perder, e perder merecidamente, toda a confiança dos camponeses” (Lenin, 1978, t.2, pp. 318-325). Entre os fatos que relaciona como asseguradores da vitória da insurreição aos bolcheviques, destaca: “temos palavras de ordem que nos asseguram apoio: abaixo o governo que esmaga a insurreição camponesa contra os latifundiários!” (Lenin, 1978, t.2, pp. 318-325). Em 25 de Outubro a insurreição dos bolcheviques, de fato, tem um desfecho vitorioso. No mesmo dia ocorre a reunião do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado, na qual Lenin, ao defender as resoluções a serem aprovadas pelo poder soviético recém-instalado, argumenta:
Entre as resoluções então aprovadas, constata-se que o governo soviético “Abolira inmediatamente la propiedad terrateniente y entregara la tierra a los campesinos. Establecera el control obrero sobre la produccion y la distribucion de los produtos” (Lenin, t. XXVII, 1976, p. 350). Os primeiros decretos bolcheviques, aprovados no Segundo Congresso de toda Rússia dos Sovietes de deputados operários e soldados, realizado em 25 e 26 de outubro (7 e 8 de Novembro), em que Lenin assinalava a presença da imensa maioria dos sovietes e de muitos delegados dos sovietes campesinos, incluíram o Decreto sobre a terra. Em 26 de outubro, após ler o Informe sobre a terra, em que reafirma a necessidade de entregar a terra aos camponeses, Lenin apresenta o Decreto sobre a terra, que no artigo primeiro determina a abolição, sem indenização da propriedade latifundiária sobre a terra. Essas propriedades e as terras da coroa e da igreja, com seu gado, instrumentos de trabalho e construções passam a ser postas a disposição dos comitês agrários e dos sovietes de deputados campesinos de distrito, até a reunião da Assembleia Constituinte (2). Considera grave delito a pratica de qualquer dano aos bens confiscados (3); adota, como lei provisória, a ser adotada de forma gradual até que se realizasse a Assembleia Constituinte, o conteúdo do Mandato campesino sobre a terra, publicado no periódico Izvestia do Soviete de deputados camponeses de toda Rússia, baseado nos 242 mandatos campesinos locais e publicado em 19 de agosto de 1917, na medida em que expressaria “a vontade absoluta da imensa maioria dos camponeses com consciência de classe de toda Rússia” (4); proíbe o confisco de terras dos camponeses e cossacos comuns (5). Contra as críticas de que o decreto e o mandato foram redigidos pelos socialistas revolucionários, Lenin argumenta:
Wolf (1984)WOLF, Erik. As guerras camponesas do século XX. Editora Global, 1984 [versão digital, s.p]. sustenta que, nas circunstâncias de 1917, os primeiros decretos bolcheviques “que pediam o cessar-fogo imediato e o término da propriedade privada da terra, apenas carimbaram a aprovação de processos já em andamento no campo, aos quais nenhum partido político poderia ter resistido, mesmo que o quisesse”. O referido autor sustenta que ao mesmo tempo em que os bolcheviques foram forçados a deixar que os camponeses confiscassem a terra para si, eles também cederam “porque isso coincidia com seu interesse político, se quisessem tomar o poder” (Wolf, 1984WOLF, Erik. As guerras camponesas do século XX. Editora Global, 1984 [versão digital, s.p]. , s.p.). Entretanto, pela leitura do inflamado discurso de Lênin percebe-se que já na ocasião houve disputa interna no partido bolchevique, que de fato reconhecia recuos em relação ao programa agrário em virtude da necessária aliança com o campesinato. Essa classe, naquele momento, na visão de Lenin e do partido bolchevique, passava a expressar seus interesses através do partido dos socialistas-revolucionários de esquerda, criado a partir de dissidência do partido dos socialistas-revolucionários. No Terceiro Congresso dos Sovietes de Deputados Operários, Soldados e Camponeses de Toda a Rússia, realizado entre os dias 10-18 (23-31) de Janeiro de 1918, Lenin reitera a importância da aliança realizada em detrimento do programa agrário do partido, ressaltando as dificuldades do período de transição da ditadura do proletariado para o socialismo. Na ocasião, afirma Lenin:
Entretanto, de acordo Linhart (1983, p. 35), alguns meses após a revolução de Outubro, a euforia do movimento de massa camponês começa “a se chocar com a inextrincável questão do abastecimento das cidades, fazendo com que os bolcheviques sejam acuados a uma política de ruptura na prática com a massa camponesa”. Em um primeiro momento, as medidas contra a fome propostas ao soviete de Petrogrado16 16 Na Carta sobre a fome, dirigida ao Soviete de Petrogrado, em 22 de maio de 1918, Lenin afirma: “Eis qual a vanguarda da revolução — em Petrogrado e em todo o país — que deve lançar o apelo, que deve erguer-se em massa, que deve compreender que está nas suas mãos a salvação do país, que dela se exige um heroísmo não menor do que em Janeiro e Outubro de 1905, em Fevereiro e Outubro de 1917, que é preciso organizar a grande “cruzada” contra os especuladores de cereais, os kulaques, os exploradores, os desorganizadores, os concussionários, a grande “cruzada” contra os violadores da mais rigorosa ordem estatal na recolha, transporte e distribuição do pão para as pessoas e do pão para as máquinas. Só o levantamento em massa dos operários avançados pode salvar o país e a revolução. São precisos dezenas de milhares de proletários avançados, temperados, suficientemente conscientes para explicar as coisas aos milhões de pobres em todos os confins do país e para se pôr à cabeça destes milhões; suficientemente firmes para afastar e fuzilar implacavelmente todo aquele que «se deixe seduzir» — acontece — pelas seduções da especulação e se converta de combatente da causa do povo em saqueador; suficientemente firmes e fiéis à revolução para suportar organizadamente todo o peso da campanha em todos os confins do país para instaurar a ordem, para reforçar os órgãos locais do Poder Soviético, para velar localmente por cada pud de trigo, por cada pud de combustível. (Lenin, 1978, t2, p 618-623). envolvem a criação de destacamentos de abastecimento, formados por operários, sob a crença de que há estoques de grãos escondidos por especuladores e que tratava-se descobri-los, principalmente nas estradas de ferro, armazéns, mansões dos ricos (Linhart, 1983, p. 35). Lenin acreditava que o campesinato seria favorável e participaria da procura do trigo contra os kulaks e os especuladores, o que não ocorreu. Linhart (1983) sustenta que o campo era um desconhecido para os bolcheviques e que, após a repressão czarista, apenas a partir de fevereiro de 1917 as questões políticas começaram a ser discutidas abertamente no campo. Portanto, a partir desse momento, no bojo da luta de classes que ocorrera por ocasião da repartição das terras, as diversas forças da sociedade rural poderiam se diferenciar politicamente, porém: “A guerra, a urgência da sobrevivência do proletariado revolucionário das cidades, a fome decidiram as coisas de outra forma. O tempo de amadurecimento das contradições não era o mesmo nas cidades e no campo” (Linhart, 1983, p. 37). Diante do agravamento da situação e da tomada de consciência de que os estoques de grãos escondidos era um mito que ocultava o quadro trágico formado pela má colheita do verão de 1917, perda da Ucrânia (celeiro de trigo do país) e devastações de guerra, tornava-se necessário conseguir que o campesinato repartisse a produção com as cidades e entregasse tudo que excedesse suas necessidades vitais: tratava-se da “luta de classes no campo” (Linhart, 1983, p. 37). Os pontos essenciais da política agrária na Rússia após a Revolução emergiram, de acordo com Linhart, desde abril-maio de 1918, e podem ser assim sintetizados: 1. a guerra pelo trigo, iniciada em 1918 e renovada até 1929, e, posteriormente, sob novas condições; 2. A visão da luta junto ao campesinato como “uma luta ideológica longa e encarniçada contra a mentalidade pequeno-burguesa e pequeno-proprietária”; 3. o proletariado tem a tarefa de organizar os camponeses pobres que são seus aliados naturais no campo. As formulações de Lenin mostram, entretanto, que ele atribui ao movimento dos camponeses pobres um papel subordinado: o proletariado apoia-se nos camponeses pobres em sua ação nos vilarejos; mas os camponeses pobres não constituem, em si mesmos, uma força dirigente da luta de classes no campo. Isto é muito importante: a partir deste momento, a política agrária soviética não tem mais como fundamento o movimento revolucionário das massas rurais. Tenta suscitar esse movimento para apoiar suas próprias ofensivas, o que é muito diferente. Um quarto ponto se tornará claro mais tarde (em 1919): a teoria do camponês médio, simultaneamente trabalhador e “explorador” (Linhart, 1983, p. 39). Sobre a guerra pelo trigo, citando as Teses sobre a situação atual, escritas por Lenin em 26 de maio de 1919, Linhart (1983, p. 40) assinala que:
Não se conseguiu isolar os especuladores e as massas camponesas, defendendo-se em bloco, responderam aos destacamentos de duas formas: “A curto prazo: esconde-se o trigo. A longo prazo: a semadura se restringirá ao que é estritamente necessário à sobrevivência da família” (Linhart, 1983, p. 40). Em relação à luta ideológica no campo, Linhart ressalta que, ao mesmo tempo em que convoca a cruzada pelo trigo, “Lenin começa a analisar a resistência ideológica do campesinato ao comunismo, e a colocar o problema da apropriação dos grãos, num primeiro tempo, e da coletivização das terras, mais tarde, em termos de transformação ideológica” (1983, p. 41). Cita trecho de texto de 4 de junho de 1918 em que Lenin ressalta as raízes da exploração burguesa que penetram no país “através dos pequenos proprietários...”. Conforme Linhart (1983, p. 41-42), é a partir desse momento que Lenin percebe o problema, mas a batalha contra o inimigo de classe compromete a batalha contra a ideologia inimiga da massa dos elementos intermediários. O papel subordinado do movimento dos camponeses pobres aparece em diversos escritos de Lenin. Após o início da “cruzada pelo trigo” (em maio-junho de 1918), o poder soviético cria os “comitês de camponeses pobres”, esperando que eles apoiem a “cruzada”, a partir de medidas assistencialistas. Nas palavras de Linhart (1983, p. 43):
Esses comitês de camponeses pobres, que se limitaram a desempenhar a função prática de “fornecer informantes” (Carr, ..., p. 161 apud Linhart, 1983, p. 44), foram suprimidos ao serem fundidos com os “sovietes rurais” em novembro-dezembro de 1918. Em resposta às críticas que a condução da cruzada pelo trigo recebe, inclusive do partido socialista-revolucionário de esquerda, no V Congresso de Toda a Rússia Dos Sovietes de Deputados Operários, Camponeses, Soldados e Combatentes do Exército Vermelho, Lênin, pronuncia, em 5 de Julho de 1918, um discurso em que refuta a acusação, de que “esta seja uma luta contra o campesinato”.
Entra em cena nesse momento uma das peças da análise e da política agrária de Lenin: o “camponês médio”, pequeno cultivador que emprega às vezes um ou dois assalariados mas normalmente não tem nenhum. Ainda no âmbito desse discurso, Lênin destaca ainda o início da percepção de que só se pode obter pão e escapar da fome por meio da aliança dos operários da cidade com pobres do campo “porque só os pobres do campo é que não especulam com os cereais”, embora avalie que o camponês médio, ao ler os decretos que “estabelecem uma taxa para os pobres, outra para os médios e tiram os cereais aos kulaques sem pagar”, perceberiam a atuação bolchevique como “justa” e seria o “aliado mais fiel, pois não especula com os cereais, compreenderá e concordará em que especular com os cereais no momento de maior perigo para a revolução socialista é o maior crime contra o povo” (Lenin, 1978, tomo 2, p 633-650). O camponês médio, conforme destaca Linhart (1983), passará a ser visto como o interlocutor principal, pois “não são propriamente os pobres que constituem a força produtiva principal no campo”, devendo-se tomar medidas quanto ao ciclo do trabalho agrário, quando percebem a redução das áreas semeadas. Linhart (1983, pp. 46-47) cita a formulação, em novembro de 1919, da teoria do duplo caráter do camponês médio, que inaugura a prática de coerção e persuasão: o camponês como explorador do operário esfomeado, na medida em que dispõe de excedente de grãos, e enquanto trabalhador, pois vive de seu próprio trabalho. Contradição fundamental. Camponeses consideram os excedentes de grãos como sua propriedade, suscetível de venda livre, e não compreendem que o livre comércio de grãos é um crime de Estado. Assim, o fato do camponês médio ser um trabalhador ao cultivar suas terras impede o uso da força para tomar-lhe os seus meios de trabalho, entre os quais a terra, não podendo se utilizar a força para formar fazendas coletivas, mas contra o camponês “explorador”, a coerção torna-se legítima para tomar os excedentes de trigo pela força. Conforme Linhart (1983, p. 48),
Em 1921, o governo soviético foi acuado a implantar uma Nova Política Econômica (NEP), que recuava e o camponês voltava a ser dono de sua colheita, o que não resolvia o problema de fundo: as relações de produção.
Em 1929, Stálin passa a utilizar a coerção para a transformação no modo de produção no campo, forçando a coletivização da produção. 4. Considerações finaisAo revisitamos as posições de Lênin e do partido bolchevique sobre o campesinato (e seu lugar na) na Revolução Russa de 1917, pudemos perceber continuidades e inflexões decorrentes do tempo histórico acelerado em especial a partir de Fevereiro de 1917, após a derrubada do Czarismo. A análise lenineana da forma como o capitalismo se desenvolvia na Rússia e penetrava no campo, porém, parece ter o objetivo de identificar os setores que poderiam se constituir como aliados dos proletários na tomada de poder do Estado. Os textos de Lenin, entretanto, como sublinhou Linhart, por vezes oscilam e demonstram o desconhecimento do campesinato na Rússia, visto que o partido bolchevique se afirmava enquanto representante do proletariado, que deveria conduzir a revolução e buscar a adesão do campesinato, sem o apoio do qual, num país camponês, não poderia chegar ao poder. Dessa forma, parece que a visão subordinada do campesinato numa aliança pelo poder é uma constante nos textos, mesmo quando Lênin e o partido bolchevique apoiam o movimento camponês nas tomadas de terras e contra a repressão governamental que se abate sobre ele e defendem seu protagonismo na revolução agrária. A divisão dos camponeses em categorias distintas também marca a tentativa de Lenin de identificar aliados para a Revolução Socialista. Inicialmente, serão os setores pobres e semiproletários, que poderiam aderir ao proletariado e lutar contra os camponeses ricos, vistos como pequenos-burgueses, aliados da burguesia. Após a Revolução de outubro, a figura do camponês médio começa a ganhar contornos que mesclam a ideologia pequeno-burguesa sobre os excedentes de produção à faceta trabalhadora daquele que lavra a terra . Embora o próprio Lênin exalte no primeiro discurso após a Revolução de outubro, contra as críticas internas, que o que importava na ocasião não era o programa agrário (ou quem teria elaborado oDecreto sobre a Terra: os socialistas-revolucionários de esquerda), mas sim a aliança firmada para a tomada do poder, ele também justifica essa posição na tese de que estariam em período de transição, no qual permanecem restos do regime capitalista que está sendo deposto. De fato, o recuo programático é tático e não significa que Lênin ou o partido bolchevique estavam convencidos do protagonismo das massas camponesas na resolução dos problemas agrários. Permanece, portanto, uma visão de que a transição para o socialismo dependeria da adoção do programa agrário elaborado pelo partido bolchevique em abril de 1917, que inclui a nacionalização de todas as propriedades e no qual já está presente a preocupação com o abastecimento das cidades, o melhoramento agrícola, a adoção de técnicas avançadas, orientação de especialistas, etc. Dessa forma, parece não ser tão profunda a ruptura exaltada por Linhart (198, pp. 48-49) em relação à questão agrária para Lênin, que teria passado de “um apoio incondicional” ao movimento de massa camponês (em outubro de 1917) para “a reviravolta incitada pela fome, a questão agrária subordinada ao abastecimento das cidades, a coerção na ordem do dia na prática”, na primavera de 1918. Referências bibliográficas
Datas de Publicação
Histórico
Como estava a situação dos camponeses na Rússia?O campesinato procurava por melhores condições de trabalho e de vida, mas esse povo fruto da miserabilidade agrária acabou sofrendo nos centros urbanos, com a carga excessiva de trabalho, baixos salários, a fome e a marginalização. Nesse contexto a Rússia ainda era dependente financeiramente da Inglaterra e França.
Como era a vida dos camponeses na Revolução Russa?Os camponeses russos podiam viver em áreas urbanas, ganhar a vida como trabalhadores ou comerciantes e servir nas Forças Armadas.
O que aconteceu depois da Revolução Russa em 1917?pós a revolução, foi implantada a URSS ( União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Seguiu-se um período de grande crescimento econômico, principalmente após a NEP ( Nova Política Econômica ). A URSS tornou-se uma grande potência econômica e militar.
Como era a situação da Rússia em 1917?No mês de outubro de 1917, ocorreu a Revolução Socialista na Rússia. Liderado por Lênin e Trotsky, o partido revolucionário bolchevique conseguiu ingressar no poder após a vitória sobre os Mencheviques, implantando o socialismo e a nacionalização da economia.
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