O que é a região metropolitana do Rio de Janeiro?

1production de l'espace urbain, métropole, région métropolitaine

2production of urban space, metropolis, metropolitan region

3As regiões metropolitanas são áreas de grande complexidade e que constituem há muito tempo um desafio para a compreensão nas ciências humanas. Este desafio se amplia diante das transformações manifestas nas regiões metropolitanas em diversos países do mundo, transformações estas que estariam associadas ao processo de globalização e reestruturação produtiva da economia. O objetivo deste artigo é a partir do exemplo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, apontar elementos para a compreensão do processo de formação das metrópoles e regiões metropolitanas, bem como do processo de reestruturação por qual elas passam a partir da década de 1970. Como afirmaremos adiante, compreendemos região metropolitana como uma estrutura e forma urbana resultante do processo de metropolização.

4O presente artigo está dividido em três partes. Na primeira parte se discute a origem da região metropolitana enquanto forma e estrutura urbana e os elementos teóricos para a sua compreensão. Na segunda parte o debate se centra sobre as transformações metropolitanas atuais, a sua relação com o processo de globalização e as características atuais das regiões metropolitanas. Na terceira parte apresentamos uma análise da Região Metropolitana do Rio de Janeiro com base nas questões anteriormente apontadas.

A constituição da metrópole

  • 1 Neste trabalho compreendemos o conceito de região metropolitana como a região formada a partir do p (...)

5É inegável que apesar do espaço geográfico ter uma característica de grande fixidez, o seu dinamismo, está de alguma forma relacionado com a história dos processos sociais, já que o próprio espaço é social (Gottdiener, 1993). Assim a metrópole1 como forma urbana e processo precisa ser pensada no interior do desenvolvimento capitalista. A história da metrópole capitalista está irremediavelmente ligada ao surgimento e consolidação do capitalismo industrial. Do ponto de vista do seu surgimento a metrópole pode ser vista ao mesmo tempo como um novo estágio e a negação da cidade. Segundo (Meyer, 2000, p 5):

Do ponto de vista de sua organização interna, a metrópole moderna instalou-se a partir da explosão sucessiva dos estágios urbanos precedentes, o povoado e depois a cidade, num ciclo que traduz a contínua necessidade de ser eficiente, de exercer de forma plena as suas funções de ‘lugar de centralização’ de forças econômicas, de relações sociais, de manifestações artísticas e de inovação técnica. Essa natureza inegociável e muitas vezes violenta do desenvolvimento metropolitano se exprime de forma clara na sua dimensão material.

6A ideia de que a metrópole é um novo estágio urbano em relação à cidade não representa de forma alguma uma visão evolucionista. Apenas evidencia que a cidade é o ponto de partida histórico da metrópole, ou seja, que a metrópole como fruto de um processo precisa de um substrato, de uma base inicial, a qual a partir de inúmeras mutações conforma a metrópole. Esta base inicial é a cidade. Essa metamorfose da cidade em algo distinto pode ser compreendida através de (Lefebvre, 1999, p 24), a partir do conceito de implosão-explosão, noção que não se refere diretamente à metrópole, mas a realidade urbana em geral, sendo que, porém se manifesta com mais força e inicialmente na metrópole:

(...) a implosão-explosão (metáfora emprestada da física nuclear) ou seja, a enorme concentração (de pessoas, de atividades, de riquezas, de coisas e de objetos, de instrumentos, de meios e de pensamento) na realidade urbana, e a imensa explosão, a projeção de fragmentos múltiplos e disjuntos (periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites, etc).

7A ideia de implosão-explosão é uma forma interessante de compreender o surgimento da metrópole do ponto de vista teórico. Inicialmente temos implosão, ou seja, a grande concentração de pessoas e atividades em um espaço fisicamente limitado, processo que se dá ao longo de um tempo que pode ser mais ou menos longo. Essa grande concentração do ponto de vista quantitativo gera processos quantitativamente diferentes, nesse sentido duas questões inicialmente se colocam para a compreensão do surgimento da metrópole: o que ocasiona a concentração e quais as consequências desse fenômeno.

8A literatura econômica clássica tem largamente descrito as aglomerações produtivas através do conceito de economias externas de aglomeração, que se formam quando atividades econômicas se instalam próximas umas das outras se beneficiando da infraestrutura comum e das relações que se estabelecem entre as firmas. Dentro de outra perspectiva, existe toda uma literatura que reafirma a importância da aglomeração, no sentido da redução dos custos monetários e de transação em especial os que envolvem contatos face a face. É a partir dessa perspectiva, por exemplo, que (Sassen, 1998) reafirma a importância das cidades na economia global.

9A consequência dessa concentração vai muito além das questões econômicas. As grandes cidades, em especial as metrópoles, teriam uma grande capacidade criativa, tendo um papel decisivo na história da humanidade. (Soja, 2008) tenta captar esse fenômeno através do conceito de sinekism. Nas grandes cidades, a quantidade se transforma em qualidade gerando processos absolutamente novos e revolucionários tanto na economia, como na arte, na arquitetura, etc. Ao concentrar atividades econômicas e pessoas, ela concentra também talentos e amplifica interações, levando a processos criativos que não existiriam em outros espaços. (Lefebvre, 1999, p 109) também argumenta sobre a capacidade criativa do urbano em geral no trecho a seguir:

A cidade atrai para si tudo que nasce da natureza e do trabalho, noutros lugares: frutos e objetos, produtos e produtores, obras e criações, atividades e situações. O que ela cria? Nada. Ela centraliza as criações. E, no entanto, ela cria tudo. Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade, isto é sem relações. Ela cria uma situação, a situação urbana, onde as coisas diferentes advêm umas das outras e não existem separadamente, mas segundo as diferenças.

10A cidade apesar de nada criar, é o local criativo por excelência. Pois ao reunir tudo que existe, ela permite a criação de coisas que dificilmente existiriam se tudo não estivesse em contato em relação. A cidade, portanto, cria uma situação única, a situação urbana. E esta situação é justamente aquele em que todo o potencial criativo do ser humano pode liberado, justamente porque ele não está isolado, mais em contato com outros seres humanos e com todas as criações realizadas pela sociedade.

11Simultaneamente a implosão, e como consequência dela temos a explosão, ou seja, o espraiamento urbano com a constituição de bairros industriais, subúrbios, etc. Portanto esta metáfora, embora seja empregada pelo autor para a realidade urbana em geral, nos permite compreender a passagem da cidade a metrópole, e a constituição a partir da metrópole, da região metropolitana. Assim a metrópole surge da implosão, concentração de atividades e pessoas em um determinado lugar. O motivo para esse processo ocorrer em um sítio específico pode variar: a existência de um porto; o fato da área ser um entroncamento ferroviário; etc. Seja como for esta concentração leva a uma mudança qualitativa, em que a cidade se modifica tanto do ponto de vista do seu arranjo interno, quando do ponto de vista da sua relação com o exterior.

  • 2 Essa descrição do processo de metropolização se dá com base principalmente no exemplo da região met (...)

12A metrópole em formação é uma área de grande dinamismo econômico e demográfico, que atrai imigrantes de diversos lugares, investimentos e prestígio político e social2. O crescimento econômico faz com que o espaço inicial da metrópole fique pequeno para acomodar os interesses envolvidos tanto na produção imobiliária como nas atividades industrial e comercial. É neste momento que se inicia um processo de expansão metropolitana, que se dá inicialmente a partir da ocupação de áreas do município que irá constituir se em metrópole. A região metropolitana se constitui a partir desse processo de invasão e anexação, de mútua interação, em que prevalece um forte crescimento metropolitano que tende a ser multidirecional.

13Assim a cidade antes confinada em uma área restrita, começa a se expandir a partir dos principais eixos de transporte incorporando novas e novas áreas. Estas novas áreas podem ser áreas rurais que se urbanizam ou até mesmo centros urbanos independentes que passam a integrados dentro da mesma lógica metropolitana, como é o caso de Santa Cruz no Rio de Janeiro (Vilaça, 1998). Esta expansão, explosão, é motivada por interesses daqueles que logo descobrem no urbano uma grande fonte de lucro, caso dos construtores ou incorporadores, mas também dos empresários de diversas atividades econômicas em busca de áreas maiores e mais baratas.

14Assim vão se constituindo no bojo do mesmo processo a metrópole e a região metropolitana. A metrópole, foco inicial do processo de explosão-implosão, passa a concentrar boa parte das atividades econômicas e da população, ao passo que começa a enfrentar deseconomias de aglomeração relacionadas ao seu crescimento. O aumento do preço da terra, a falta de espaços edificáveis, os congestionamentos e o saturamento da infraestrutura são aspectos que abrem espaço para o processo de descentralização.

15(Colby, 1958) tenta captar esse processo a partir das ideias de força centrípeta e centrífuga. As forças centrípetas são forças que direcionam pessoas e atividades econômicas para um centro, nesse caso a metrópole. As forças centrífugas por outro lado são as forças que repelem atividades econômicas e pessoas para fora do centro, tendo um caráter duplo: são compostos por um lado de fatores de repulsão das atividades e/ou pessoas do centro (nesse caso a metrópole); e por outro por fatores de atração das pessoas e/ou atividades para as áreas periféricas (as áreas que irão constituir, juntamente com a metrópole, a região metropolitana).

16Dentro dessa perspectiva, cidade, metrópole e região metropolitana podem ser vistas como etapas de um mesmo processo histórico, o que não significa de forma alguma que cada uma dessas etapas a forma anterior está completamente ausente em todas as outras, ou mesmo que existe um processo linear que representa a mudança de uma a outra forma urbana. O que diferencia principalmente a cidade de uma região metropolitana encabeçada por uma ou mais metrópoles, não é tanto o tamanho demográfico ou físico da região metropolitana em comparação a cidade, mas o fato de que está é uma área de dimensão regional, porém articulada como uma única área urbana.

17As regiões metropolitanas se consolidam ao longo do século XX como espaços por excelência da acumulação de capital, por oferecer condições ideais para a atividade produtiva, incluindo a própria produção do espaço. É inegável a relação que existe entre o processo de metropolização e o de industrialização fordista. O processo de industrialização fordista ampliará a escala da urbanização como suporte do processo produtivo, já que são necessários infraestrutura, mercados consumidores e de trabalho numa dimensão muito maior do que anteriormente. No entanto a relação entre metropolização e industrialização precisa ser pensada com cautela atualmente, pois esta relação não é mais tão unívoca como antes, e é nesse sentido que Lefebvre afirma que “a industrialização, potência dominante e coativa, converte-se em realidade dominada (...)” (Lefebvre, 1999, p 25).

18O autor afirma, portanto que a industrialização, potência dominante e geradora do processo de urbanização, e obviamente também da metropolização, agora passaria a estar condicionado ao processo de urbanização. Se esta tese é polêmica, já que autores como (Harvey 1980) ainda veem a industrialização como dominante, não há como negar que as relações entre industria e metropolização são hoje mais complexas. Assim como o próprio processo de industrialização passa por mudanças associadas a globalização, também são identificadas mudanças no processo de metropolização. É sobre estas mudanças que falaremos a seguir.

As transformações atuais na metrópole: rumo a uma metrópole pós-moderna.

19Inúmeras transformações têm sido notadas nas regiões metropolitanas de vários países nas últimas décadas. A similitude dessas transformações em espaços com histórias tão distintas tem chamado a atenção para a relação entre essas mudanças e processo de globalização e reestruturação produtiva da economia. Nesse trabalho não buscamos examinar essa relação apenas apontar elementos desse processo de transformação que configurariam uma reestruturação metropolitana. Segundo (Soja, 1993, p 192):

A reestruturação, em seu sentido mais amplo, transmite a noção de uma ‘freada’, senão de uma ruptura nas tendências seculares, e de uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social, econômica e política. Evoca pois uma combinação sequencial de desmoronamento e reconstrução e tentativa de reconstituição, proveniente de algumas deficiências ou perturbações nos sistemas de pensamento e ação aceitos. A antiga ordem está suficientemente esgarçada para impedir os remendos adaptativos e exigir, em vez deles, uma expressiva mudança estrutural.

20A reestruturação seria então algo além de uma simples mudança, mas uma ruptura radical, representando um momento de destruição e reconstrução. A reestruturação se dá quando a forma de organização atual não dá mais conta das necessidades do capitalismo e não há mais possibilidade de remendos adaptativos. Segue então um período de crise e reconstrução, em que iniciativas são feitas para romper os obstáculos impostos pela antiga ordem. E assim por uma série de iniciativas de tentativa e erro vão se construindo alternativas que configuram o processo de reestruturação.

21Nunca é demais afirmar que não há nenhuma teleologia nesse processo dentro da perspectiva que estamos esboçando. Um momento de reestruturação é um período de grande tensão entre os agentes capitalistas que buscam inúmeras saídas individuais, muitas delas conduzindo esses agentes ao fracasso. No entanto a história do capitalismo é a história dos vencedores são as alternativas criadas por eles que acabam virando referências no processo de reestruturação. Mas quais são os elementos que permitem afirmar que as regiões metropolitanas estão passando por um processo de reestruturação, que não se trata, portanto, de simples mudanças? Nesse texto gostaríamos de destacar dois elementos que conformam a reestruturação metropolitana: a dispersão metropolitana e a produção de novas centralidades.

22Sobre a dispersão metropolitana, (Gottdiener,1993, p 14) afirma o seguinte:

Em lugar da forma compacta da cidade que outrora representava um processo histórico em formação há anos, existe agora uma população metropolitana distribuída e organizada em áreas regionais em permanente expansão, que são amorfas na forma, maciças no escopo e hierárquicas em sua escala de organização social.

23Figura 2 Mapa-imagem da região metropolitano do Rio de Janeiro

24Nesse trecho o autor aponta esta mudança na forma urbana que ocorre principalmente nas grandes regiões metropolitanas. Neste sentido se coloca a oposição entre a forma compacta da cidade do passado, em que a população e as atividades econômicas se concentravam na metrópole, ao passo que se iniciava o processo de suburbanização e a forma metropolitana atual na qual o espaço metropolitano passa a estar organizadas em áreas de grande dimensão e integradas regionalmente. Essas áreas estão em constante crescimento tendo uma forma difusa e difícil de delimitar além da presença de áreas diferenciadas quanto ao conteúdo social.

25É muito comum nos estudos sobre as mudanças na forma metropolitana a contraposição das características atuais das regiões metropolitanas com as características do passado. Esta comparação ressalta as mudanças apesar de que precisamos sempre ter em mente que elas estão sempre associadas a permanências. Estas mudanças não estão apenas relacionadas à forma urbana, mas também a outros processos que em conjunto contribuiriam para a reestruturação metropolitana. O quadro 1 apresentado a seguir, elaborado por (Lencioni, 2008), aponta as principais transformações metropolitanas na atualidade, indicativas do processo de reestruturação:

Quadro 1: diferenças entre metrópole moderna e contemporânea

O que é a região metropolitana do Rio de Janeiro?

Fonte: Lencioni, 2008.

26Na comparação entre a metrópole moderna e a pós-moderna, o primeiro aspecto a se ressaltar é a mudança do processo: de urbanização para metropolização, processo este muito mais complexo. No contexto desse processo, segundo (Soja, 2008, p 150):

The boundaries of the city are becoming more porous, confusing our ability to draw neat lines separating what is inside as opposed to outside the city; between the city and the countryside, suburbia, non-city, between one metropolitan city region and another; between the natural and the artificial.

27Na região metropolitana pós-moderna, portanto os limites entre a cidade e os subúrbios ou entre a cidade e o campo se tornam mais indefinidos, dentro dessa metrópole os percursos são feitos entre locais sem integração durante esses percursos e o crescimento urbano se da de forma mais linear seguindo os grandes eixos de transporte. Há uma intensificação do policentrismo com a criação de novas centralidades em aglomerações dispersas. Portanto todos os aspectos colocados no quadro são elementos do processo de reestruturação em curso em várias regiões metropolitanas, todos eles relacionados entre si.

28No entanto esse aumento da dispersão urbana não significa que a metrópole e a região metropolitana deixem de ser caracterizadas como áreas de concentração. Segundo (Lencioni, 2008, p 9):

A metrópole contemporânea, devido ao seu espraiamento territorial e a conurbação de cidades apresenta uma densidade populacional menor que a metrópole coesa do passado. Seus limites territoriais são difusos, dado o grande grau de dispersão, por exemplo, da população, das atividades de consumo, da área construída e das atividades produtivas. Mas, essa dispersão não deve comprometer, no entanto, a visão de que ela possui um alto coeficiente de concentração, a exemplo da concentração de trabalho qualificado, de serviços produtivos, ou seja, daqueles serviços voltados ao atendimento às empresas, notadamente de empresas com fortes vínculos com o mercado mundial, de fluxos virtuais, de população, de renda e de edifícios verticalizados.

29Portanto mesmo dispersa, a região metropolitana não deixa de se configurar como uma área de forte concentração. Isto pode ser facilmente constatado quando se modifica a escala da análise. De uma escala municipal podemos ter a dispersão metropolitana para áreas da periferia metropolitana, na escala nacional e mesmo mundial, por exemplo, podemos constatar o aumento da concentração populacional nas regiões metropolitanas (Capel, 2003). Assim a dispersão metropolitana pode estar associada ao aumento da sua importância econômica e social.

30Um outro aspecto relacionado a reestruturação metropolitana atual é a criação de novas áreas de centralidade. Na estrutura tradicional da metrópole moderna tinhamos um centro único, o tradicional CBD, que polarizava toda a área metropolitana, e que, portanto representava uma centralidade para todos os habitantes da metrópole e uma série de subcentros, cópias em tamanho reduzido do CBD, que abrangem uma menor área – em termos de centralidade – estando subordinadas ao centro principal. Na estrutura que se desenha na atualidade temos uma multiplicidade de centros, planejados ou não, em geral especializados e diferenciados tanto no que diz respeito à funcionalidade, ou seja, o tipo de atividades que incorporam e no que diz respeito aos grupos sociais que atendem.

31A partir de 1970, inicia-se um processo de ruptura com a forma tradicional de se pensar a estrutura metropolitana (Reis, 2007), que se relaciona certamente com uma ruptura na forma de produção das regiões metropolitanas. Vários estudos começam a questionar a idéia da existência de uma hierarquia de centros na organização interna da cidade, sempre com o CBD figurando como o centro mais importante seja pelo fato de possuir maior diversidade funcional e volume de negócios, seja por polarizar uma área mais extensa que os outros centros. Esses estudos começam a mostrar o surgimento e a consolidação de novos centros, que não podem ser classificados como subcentros, pois acumulam muitas das atividades e funções que antes pertenciam exclusivamente ao CBD.

32Se no primeiro momento, os novos centros criados, embora competindo com o CBD não chegassem a desafiar a sua posição, sendo inclusive complementares a ele, agora os centros que começam a surgir podem aparentemente até subordinar o centro principal. Configura-se, então, uma estrutura com o centro principal, e um ou mais centros secundários, que podem ou não ter uma posição hierárquica superior ao CBD. Esses centros, portanto, são secundários em relação a sua gênese apenas e não necessariamente quanto a sua importância funcional.

33Esse fenômeno foi denominado por (Reis, 2007) de desdobramento, baseando se em trabalho anterior de (Cordeiro, 1980). O processo de desdobramento seria um tipo específico de descentralização. Em seu estudo sobre o processo de descentralização e desdobramento na Praia do Canto e em Campo Grande em Vitória, o autor busca diferenciar os dois processos nas duas áreas estudadas. Campo Grande seria tipicamente um subcentro comercial formado a partir da descentralização do núcleo central de negócios. Já a Praia do Canto se constituiria como um desdobramento do núcleo central de negócios, passando a concentrar uma série de atividades antes exclusivamente encontradas no CBD, entre elas, a gestão pública e privada e o terciário especializado.

34Dentre as características das áreas em que ocorre o processo de desdobramento, estariam segundo (Sposito, 1991): não são áreas contínuas ao centro principal ou aos subcentros; caracterizam-se pela localização de atividades tipicamente centrais, mas de forma especializada; o seu nível de especialização é em alguns casos funcional, e em outros sócio-econômico. Sobre a mudança da estrutura monocêntrica para a policêntrica, (Whitacker, 2003, p 222) afirma:

Não é mais o centro (uma forma urbana relacionada à concentração de atividades, dotada de relativa complexidade dentro da estrutura urbana e associada com a concentricidade de deslocamentos e fluxos), mas uma estrutura policêntrica e organizada em função dos eixos de circulação. Portanto, essas novas formas urbanas não se constituem primordialmente em função da confluência de eixos (concentricidade), e sim em função dos fluxos possíveis ou existentes nos eixos.

35Portanto temos nesse momento uma nova etapa do processo de descentralização, que aponta para o desdobramento, em que outros centros passam a assumir atividades antes tipicamente do CBD. Vejamos agora quais as características que esse processo assume em uma região metropolitana particular, no caso a Região metropolitana do Rio de Janeiro. Apontar alguns aspectos do processo de reestruturação na região metropolitana do Rio de Janeiro é o objetivo do próximo tópico.

36Há uma convergência, na literatura das ciências sociais, no sentido de afirmar que as décadas de 1960, 1970 e 1980 representaram períodos de mudanças negativas para o Estado do Rio de Janeiro e para a sua região metropolitana em particular. Segundo (Ribeiro, 2000, p 12):

(...) decisões econômicas e políticas dos anos 60, assumidas no ápice da legitimidade alcançada pelo modelo de desenvolvimento conduzido pelo Estado, transformaram a cidade do Rio de Janeiro num espaço onde se somam perdas políticas e perdas econômicas longamente verificadas com relação a São Paulo, real epicentro da industrialização no país.

37Estas mudanças negativas se manifestam a partir do declínio de uma série de atividades econômicas importantes nesta região e no Estado, como a indústria naval, de pescado, têxtil e metalúrgica, isto sem falar na falta de uma agricultura comercial rentável, que substituísse a decadente atividade cafeeira (Galvão, 2009). Entre as causas da crise econômica dessa região estão questões mais recentes e processos antigos, dentre eles poderíamos citar: a perda da primazia industrial para São Paulo ao longo das últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX; a transferência da capital para Brasília em 1960; a fusão do Estado da Guanabara com o antigo Estado do Rio de Janeiro em 1974; o processo de privatização de empresas estatais no início dos anos 90.

  • 3 Em 1834 a cidade do Rio de Janeiro, então capital do império brasileiro, é transformada em municípi (...)

38A perda da primazia para São Paulo significou que o estado e a região metropolitana do Rio de Janeiro deixaram de ser o epicentro do processo de acumulação de capital via industrialização, passando a ter um papel secundário nesse processo, principalmente com a instalação de indústrias de base com capitais estatais no interior do estado do Rio de Janeiro. A transferência da capital para Brasília representou a perda de uma grande massa de empregos, cujos salários eram consumidos predominantemente nessa região. A fusão apresentou-se no plano político-econômico como um grande desafio diante da dificuldade de integração de duas unidades federativas que tinham laços econômicos e políticos bastante frágeis e tinham passado toda uma história como entidades políticas separadas3. O quarto momento é o do processo de privatizações de empresas estatais no início dos anos 90. Devido a sua extrema dependência dos investimentos públicos e dos ingressos gerados pelo setor público, o impacto da privatização dessas empresas, muitas delas com sede na cidade do Rio de Janeiro, se deu de forma muito intensa no estado do Rio de Janeiro e na região metropolitana do Rio de Janeiro.

39Em meio a esses processos se constitui a região metropolitana. Essa região metropolitana se conforma, ao longo do século XX, a partir da expansão daquela que será a sua metrópole: a cidade do Rio de Janeiro. Seu papel de metrópole se confirma principalmente a partir dos investimentos que recebe devido ao seu status de capital do poder republicano.

40Em sua formação esta região possui pelo menos dois aspectos que a diferenciam das demais regiões metropolitanas que se formam no Brasil: em primeiro lugar os municípios que serão integrados na região metropolitana fazem parte de uma unidade federativa distinta de sua metrópole, pois até 1960 a metrópole do Rio de Janeiro era Distrito Federal, enquanto o restante da região metropolitana pertencia ao estado do Rio de Janeiro, que tinha por capital, Niterói. Depois de 1960, com a transferência da capital para Brasília, o antigo Distrito Federal se tornou estado da Guanabara, e os demais municípios permaneceram como integrantes do Estado do Rio de Janeiro, até 1974, quando ocorreu a fusão desses dois estados.

41Em segundo lugar por ser o centro do poder federal, a cidade do Rio de Janeiro recebeu muitos investimentos que favoreceram o seu crescimento, no entanto, nunca houve uma política industrial para a região metropolitana em formação, até mesmo porque ela estava dividida em duas unidades federativas distintas. Assim os investimentos públicos apesar de terem sido em alguns momentos abundantes, eram concentrados na cidade do Rio de Janeiro e voltados principalmente para o embelezamento da cidade, que como sede do poder a nível nacional era considerada pelas elites a vitrine do país para o mundo (Ferreira, 2000).

42Essa região metropolitana em sua formação, segundo (Abramo, 1998, p 4), se organizava da seguinte forma:

Nas três primeiras décadas do século XX, já se observava a conformação de um padrão de estruturação intra-urbana: um núcleo valorizado pelos investimentos públicos e privados em equipamentos e serviços urbanos, e uma periferia carente desses serviços, onde predominam conjuntos habitacionais e a autoconstrução em loteamentos irregulares e sem nenhuma infraestrutura.

43Esse padrão configurava uma forma de organização espacial identificada como modelo centro-periferia, em que por um lado tínhamos uma área central representada pela parte central da cidade do Rio de Janeiro, a zona sul dessa cidade e parte da cidade de Niterói e a periferia constituída pela zona oeste e pela baixada fluminense e pelos municípios da parte leste da baixada da Guanabara, como São Gonçalo e Itaboraí.

44Esta área central concentrava os investimentos públicos e privados, possuindo uma melhor infraestrutura, por isso nela o valor dos imóveis era mais elevado e as condições de vida melhores. Por outro lado nas periferias os investimentos públicos e privados eram escassos e a infraestrutura era precária, por isso, nestas áreas o custo dos imóveis é mais baixo e as condições de vida piores.

45Esta forma de organização espacial da região metropolitana estava presente no Rio de Janeiro e em outras regiões metropolitanas latino-americanas. No entanto nos anos 1970, associado ao processo de globalização e reestruturação produtiva, uma série de transformações começam a ser percebidas nessas regiões metropolitanas, levando ao questionamento desse modelo como tendo capacidade explicativa para a compreensão da realidade metropolitana dos países latino-americanos (Pereira, 2008). Nesse contexto se intensifica o debate sobre a reestruturação metropolitana.

46Esse processo de reestruturação se manifesta ao longo da década de 1970 em várias regiões metropolitanas, inclusive na Região metropolitana do Rio de Janeiro, no entanto, as evidências desse processo aparecem de forma mais intensa nessa região apenas na década de 1990, já que os anos 1970 e 1980 foram de crise para a região metropolitana. Entre os aspectos dessas transformações podemos citar pelo menos dois, ambos diretamente relacionados às tendências metropolitanas atuais: uma mudança na distribuição residencial da população da região metropolitana o que seria uma evidência da constituição de uma região metropolitana mais dispersa e surgimento de novas áreas de centralidade fora da metrópole.

47Ambos os aspectos apontam para profundas transformações nessa região metropolitana que indicam um processo de reestruturação metropolitana. Em relação às mudanças na distribuição residencial na região metropolitana do Rio de Janeiro, afirma (Jardim, 2007, p 172):

A partir dos anos 60, do século passado, a valorização imobiliária dos espaços cêntricos do Rio de Janeiro, contribui para o aumento da diferença sócio-espacial, cujos reflexos se fizeram sentir nos subúrbios e na periferia no sentido que ganharam novos contornos, com a imigração de estratos de renda médio e altos que se assomaram a população local, reproduzindo em áreas diferenciadas espacial e economicamente que demonstravam o aumento do processo de segregação sócio-espacial.

48Portanto, ao mesmo tempo em que a região metropolitana passa por um longo período de crise, começava um processo de modificação da distribuição residencial, em que se tem uma valorização dos espaços mais centrais da região metropolitana (que no caso da metrópole inclui a zona sul), mais bem dotados de infraestrutura e valorizados simbolicamente, o que leva a expulsão de estratos de classe média desses locais, que se dirigem a outras áreas dentro da região metropolitana, o que afeta a estrutura dos locais que recebe os novos migrantes, contribuindo para a constituição de uma região metropolitana mais dispersa. Ainda segundo (Jardim, 2007, p 175):

Os principais fluxos de imigrantes do Rio de Janeiro de média e alta renda se destinaram aos municípios de Niterói, Nova Iguaçu e São Gonçalo, cujos rendimentos médios se aproximavam aos da população. Entretanto, os seus rendimentos médios quando comparados com o da população metropolitana foram inferiores; o que significa no geral, um duplo processo de segregação social caracterizado, por um lado, pela imigração de alta renda para Niterói e por outro pela maioria dos imigrantes de baixa renda que se destina aos demais municípios da periferia metropolitana.

49Assim temos uma concentração de migrantes de alta renda que se deslocam para Niterói, enquanto outros de renda mais baixa se deslocam para municípios mais distantes da metrópole, procurando nesses municípios, as áreas mais centrais melhor dotadas de infraestrutura. Com isso os pobres, nesses municípios passam a morar em áreas cada vez mais distantes do centro, enquanto esses novos migrantes tendem a morar em áreas exclusivas próximas ao centro em cada município. Jardim (2005, p 10) analisando as mudanças na distribuição populacional da região metropolitana aponta os seguintes fenômenos:

A “expansão do núcleo na periferia” refere se aos migrantes do município do Rio de Janeiro com renda média e alta que passaram a residir em Niterói, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo. Já a “periferização do núcleo” está associada aos imigrantes intrametropolitanos que passaram a residir no município do Rio de Janeiro que ganhavam até 5 salários mínimos, em Setembro de 1991; corresponde ao aumento e adensamento da população residindo em favelas e o distanciamento socioeconômico entre os bairros do município da capital fluminense. Finalmente a “periferização da periferia”, refere-se às trocas populacionais entre os municípios da chamada periferia metropolitana, que apesar da imensa maioria da população envolvida nessas trocas ser de baixa renda, apresentava também diferenças econômicas e sociais no interior dos fluxos migratórios, assim como em relação a população residente, quer seja no núcleo ou na periferia metropolitana (p 10)

50Os três fenômenos apontados pelo autor são bastante representativos das mudanças na distribuição da população metropolitana associados ao processo de reestruturação da região metropolitana do Rio de Janeiro e como tal são indicativos da complexificação dos padrões de distribuição da população metropolitana e consequentemente da reestruturação metropolitana, levando a que o tradicional modelo centro-periferia se torne totalmente inadequado para a compreensão dos padrões de segregação sócio espacial da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma vez que tanto o centro, no caso a metrópole, como a periferias, passam a ser cada vez mais heterogêneas do ponto de vista dos grupos sociais que ocupam essas áreas.

51A expansão do núcleo na periferia se relaciona com a expulsão de segmentos da classe média que antes moravam na metrópole e que passam a ocupar as áreas centrais daqueles municípios metropolitanos que são os mais importantes do ponto de vista econômico, são fortemente integrados a dinâmica metropolitana e que também possuem uma melhor infraestrutura em comparação com outros municípios metropolitanos. Nesses municípios a produção imobiliária permite que eles reproduzam uma maneira de ocupação semelhante a da metrópole, com a forte presença da forma condomínios fechados.

52A “periferização do núcleo” refere-se a expansão e adensamento de áreas de ocupação informal dentro da metrópole, procurados por uma população de baixa renda em busca de trabalho na metrópole e que procura evitar os longos deslocamentos necessários caso morassem em um município distante da metrópole. Apesar da forte valorização imobiliária da metrópole associada a recuperação econômica, essa expansão se dá nas brechas dessa valorização, ou seja em áreas que não são de interesse do mercado imobiliário. Tal expansão e adensamento reflete também a falta de políticas de moradia que permitam a manutenção da população próxima aos seus locais de trabalho, já que em relação à produção de moradias para população de baixa renda dentro programa Minha Casa Minha Vida, na cidade do Rio de Janeiro, temos que “quantidade significativa do total de unidades de interesse social produzidas pelo Programa localizam-se em apenas três bairros situados na zona oeste da cidade e no limiar da mancha urbana” (Cardoso et all, 2013, p 3).

53Já a “periferização da periferia” refere-se a trocas populacionais entre os municípios metropolitanos, resultando numa expulsão da população daqueles municípios mais integrados e com melhor infraestrutura para municípios ainda mais distantes da metrópole e com pior infraestrutura. Esse processo de diferenciação dos municípios metropolitanos está fortemente associado ao primeiro fenômeno apontado. Na realidade todas essas mudanças na distribuição populacional estão diretamente relacionadas com as mudanças na estrutura dos valores do solo dentro da região metropolitana.

54A criação de novas áreas de centralidade se deve a constituição de novos centros ou reestruturação de antigos centros fora da metrópole, que passam a exercer novas funções. Um exemplo dessas novas áreas de centralidade na região metropolitana do Rio de Janeiro é o Parque das Águas em São Gonçalo, um grande centro multifuncional, com mais de mil unidades residenciais na primeira fase, além de dois shoppings centers e um centro empresarial (SILVA, 2010). Os shopping centers são um bom exemplo desse processo de criação de novas áreas de centralidades na região metropolitana: em 1980, haviam apenas quatro shopping centers em funcionamento na região metropolitana, todos na cidade do Rio de Janeiro, enquanto em 2014 haviam 50 shopping centers em 9 municípios diferentes.

55Essas transformações aqui apenas apontadas de forma sumária indicam um processo de reestruturação da região metropolitana do Rio de Janeiro em curso cabendo ao trabalho científico desvendar os contornos desse processo bem como as especificidades do mesmo nessa área considerando as particularidades de seu processo de desenvolvimento histórico. Neste sentido o presente trabalho buscou ser uma contribuição para a compreensão desse processo na área em tela.

Considerações finais

56O presente trabalho buscou ser uma contribuição para a compreensão das regiões metropolitanas na atualidade, nesse sentido o artigo possui um claro encadeamento lógico: iniciamos discutindo a definição teórica da região metropolitana e as características do processo de formação dessas regiões para num segundo momento destacar as mudanças atuais por que passam esses espaços atualmente, transformações que apontariam para um processo de reestruturação metropolitana. Enfatizamos dois elementos desse processo de reestruturação: a dispersão metropolitana e a produção de novas centralidades e buscamos analisar em que medida estes elementos estão presentes na região metropolitana do Rio de Janeiro.

57A discussão realizada traz evidências da constituição de um processo de reestruturação metropolitana nessa região, no entanto ainda precisamos avançar na melhor compreensão desse processo, em especial das características particulares do mesmo nessa região. Assim este trabalho ressalta mais os aspectos da reestruturação associados a mudanças, que de certa forma são a manifestação de padrões de desenvolvimento capitalista metropolitanos na atualidade cabendo avançar na compreensão das permanências e particularidades desse processo na região em questão.

O que significa Região Metropolitana do Rio de Janeiro?

Originalmente formada pelos municípios do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Magé, Mangaratiba, Maricá, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, São Gonçalo e São João de Meriti.

Qual é a região metropolitana do Rio de Janeiro?

Atualmente, a região é composta por 18 municípios Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tanguá.

Quais os municípios que formam a Região Metropolitana do Rio de Janeiro?

Janeiro - RMRJ 5 municípios metropolitanos entre os 6 maiores PIB do Estado: Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu e São Gonçalo.

O que é considerado região metropolitana?

Região metropolitana é um recorte político-espacial complexo que envolve uma cidade central (metrópole) e polariza e dinamiza as demais cidades ao redor, influenciando-as econômica, social e politicamente.