O poema inquieta o papel e a sala tem como objetivo analisar a poética de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) em comparação com a arquitetura (e/ou engenharia, já que seu correlato). O próprio poeta reconhecia que sua obra tinha muito a dever à área arquitetônica. Suas confissões pessoais, sobretudo através de entrevistas, servem como mote para o livro. Num primeiro momento, a leitura da obra cabralina revela citações a arquitetos e engenheiros, bem como referências a certas construções e lugares. Numa visada mais profunda, descobre-se que, mesmo no plano da articulação do tema textual ou da imagem, perdura uma linha de raciocínio que, diretamente ou indiretamente, também está associada à arquitetura. Nesse sentido, há uma poética arquitetônica em João Cabral não só porque ele articula artistas e conceitos, mas também porque desenvolve, no seio de sua poesia, um trabalho que valoriza certas articulações geométricas e espaciais (do domínio da arquitetura, portanto). Show
João Cabral de Melo Neto (6 de janeiro de 1920 - 9 de outubro de 1999) foi um dos maiores poetas da literatura brasileira. Sua obra, pertencente a terceira fase do modernismo (a Geração de 45), deixou o público leitor fascinado com a capacidade de experimentação e inovação com a linguagem. João Cabral explorou na sua poesia uma série de temas desde a lírica amorosa até o poema engajado e a escrita ensimesmada. Confira a seguir os seus maiores poemas comentados e analisados. 1. Catar feijão, 1965
O belíssimo Catar feijão pertence ao livro A educação pela pedra, que foi publicado em 1965. O poema, dividido em duas partes, tem como tema central o ato criador, o processo de composição por trás da escrita. Ao longo dos versos, o poeta desvenda para o leitor como é a sua maneira pessoal de construir um poema, desde a escolha das palavras até a combinação do texto para construir os versos. Pela delicadeza do poema percebemos que o ofício do poeta tem também qualquer coisa do trabalho do artesão. Ambos exercitam o ofício com zelo e paciência, em busca da melhor combinação para a criação de uma peça única e bela. 2. Morte e vida severina (trecho), 1954/1955
Um marco do regionalismo na poesia brasileira, Morte e vida severina foi um livro modernista escrito por João Cabral de Melo Neto entre 1954 e 1955. Considerado pela crítica como a sua obra-prima, os versos enfocam a vida de Severino, um retirante, com todos os sofrimentos e dificuldades enfrentados no cotidiano do sertão nordestino. Trata-se de um poema trágico dividido em 18 partes com forte cunho social. No trecho acima, inicial, somos apresentados ao protagonista Severino e ficamos conhecendo um pouco mais da sua origem comum a tantos outros nordestinos do sertão. Descubra mais a fundo o poema Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto. O poema completo foi adaptado para o audiovisual (em forma de quadrinhos) pelo cartunista Miguel Falcão. Confira o resultado da criação: 3. Tecendo a manhã, 1966
Assim como Catar feijão, Tecendo a manhã pode ser considerado como um meta-poema, isso porque o tema central da lírica é a reflexão sobre a construção do próprio poema. Trata-se de uma linguagem que se dobra sobre si mesma e que enfatiza o processo de composição do trabalho. Lançado em 1966, a pegada dos versos é extremamente poética e lírica e é capaz de transmitir ao leitor a beleza da criação a partir de exemplos cotidianos e fortuitos. Conheça a animação baseada no poema cabralino Tecendo a Manhã: 4. Fábula de um arquiteto, 1966
É curioso o título do poema uma vez que João Cabral de Melo Neto foi apelidado em vida como o “arquiteto das palavras” e “o poeta-engenheiro” devido ao seu trabalho linguístico feito com rigor e precisão. Os versos acima tratam do ofício de um arquiteto e do espaço que o circunda no dia a dia. A espacialidade aqui é fundamental para a construção do texto, vale sublinhar expressões como "construir portas", “construir o aberto”, "construir tetos". Também é frequente a aparição de materiais das obras (o vidro, o concreto). O verbo construir é, por sinal, repetido a exaustão. Todo esse esforço linguístico transmite para o leitor o imaginário de uma realidade de fato vivenciada pelo arquiteto. 5. O relógio (trecho), 1945
O poema O Relógio é de uma beleza e de uma delicadeza que faz com que ele se destaque em meio a vasta obra poética de João Cabral. Vale sublinhar que o objeto que o poema homenageia aparece apenas no título, os versos tratam do assunto sem jamais precisarem apelar ao nome da coisa em si. Com uma visão extremamente poética, João Cabral tenta descrever o que é o relógio a partir de belas comparações inusitadas. Embora chegue a anunciar até o material de que é feito (o vidro), é a partir da alusão aos bichos e ao seu universo que ficamos a identificar o objeto. 6. A educação pela pedra, 1965
O poema acima dá nome ao livro lançado por João Cabral em 1965. É de se sublinhar a atração do poeta pela concretude que lhe valeu o apelido “o poeta-engenheiro”. Segundo o próprio João Cabral, ele seria um poeta "incapaz do vago". Os versos acima sintetizam o tom da lírica do poeta nordestino. Trata-se de um exercício a fim de se alcançar uma linguagem crua, concisa, objetiva, intimamente vinculada ao real. A literatura cabralina enfatiza o trabalho com a linguagem e não a mera inspiração fruto de um insight. O meta-poema A educação pela pedra nos ensina que a relação com a linguagem demanda paciência, estudo, conhecimento e muito exercício. 7. O cão sem plumas (trecho), 1950
O cão sem plumas num primeiro momento desestabiliza o leitor, que vê as relações lógicas aparecerem invertidas se comparadas ao habitual. Na lírica cabralina é a cidade que é passada pelo rio, e não o rio que cruza a cidade, por exemplo. Logo a estranheza passa a se dar pelo uso de aproximações inesperadas (o rio chega a ser comparado com a língua mansa de um cão). A beleza da lírica é justamente extraída dessa experimentação com a linguagem, desse inesperado que se apresenta subitamente e tira o leitor da sua zona de conforto. A leitura do poema O cão sem plumas encontra-se disponível na íntegra já abaixo: 8. Os três mal-amados, 1943
Os três mal-amados é um exemplo da lírica de amor cabralina. Os longos versos descrevem com precisão e objetividade as consequências que o amor operou na vida do apaixonado eu-lírico. Publicado em 1943, quando o autor tinha apenas 23 anos, o poema é das mais belas manifestações de amor presente na literatura brasileira. Apesar da dificuldade de se escrever sobre o amor devido a sua incomunicabilidade e da particularidade de cada relação, João Cabral consegue concentrar em seus versos sentimentos que parecem comuns a todos aqueles que já algum dia se apaixonaram. Uma curiosidade: é sabido que João Cabral escreveu Os três mal-amados depois de ler e se encantar com o poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. 9. Graciliano Ramos, 1961
Presente no livro Terça feira, publicado em 1961, (e mais tarde reunido em Serial e antes, 1997) o poema de João Cabral faz referência a outro grande escritor da literatura brasileira: Graciliano Ramos. Tanto João Cabral como Graciliano comungavam uma preocupação com a condição social do país - especialmente no nordeste -, e faziam uso de uma linguagem seca, concisa, por vezes violenta. Graciliano Ramos foi autor de Vidas secas, um clássico que denuncia a dura realidade do sertão e ambos os escritores partilham na literatura o desejo de transmitir ao outro o cotidiano daqueles atingidos pela seca e pelo abandono. No poema acima comparece a paisagem nordestina, o sol estridente, as aves do sertão, a realidade da caatinga. A comparação final é especialmente pesada: quando os raios de sol batem nos olhos do sertanejo é como se um indivíduo batesse a socos numa porta. 10. Psicologia da composição (trecho), 1946-1947
O poema acima faz parte de uma trilogia composta também pelos poemas Fábula de Anfion e Antioide. Nos versos de Psicologia da composição fica nítida a preocupação do eu-lírico com o próprio fazer literário. Esse poema especificamente foi dedicado ao poeta Ledo Ivo, um dos mentores da Geração de 45, grupo onde João Cabral de Melo Neto costuma ser enquadrado. Os versos procuram descortinar o processo de construção do texto literário, chamando a atenção para os pilares que sustentam a escrita lírica. O tom metalinguístico da escrita demonstra a reflexão com o universo da palavra e com o compromisso com a poesia. O vocabulário utilizado pretende se colar a realidade e vemos nos versos objetos cotidianos que trazem o poema para mais perto da nossa realidade. João Cabral tece comparações, por exemplo, com a camisa e a concha, se aproximando do público leitor e deixando claro que não se identifica com o sentimentalismo estéril e com uma linguagem rebuscada. Resumo da biografia de João Cabral de Melo NetoNascido no Recife, no dia 6 de janeiro de 1920, João Cabral de Melo Neto veio ao mundo filho do casal Luís Antônio Cabral de Melo e Carmen Carneiro Leão Cabral de Melo. A infância do menino foi vivida no interior de Pernambuco, nos engenhos da família, somente aos dez anos João Cabral mudou com os pais para a capital, Recife. Em 1942, João Cabral trocou de vez o nordeste pelo Rio de Janeiro. No mesmo ano lançou o seu primeiro livro de poemas (Pedra do sono). O poeta seguiu carreira diplomática tendo sido cônsul-geral do Porto (Portugal) de 1984 a 1987. Ao fim desse período no exterior regressou ao Rio de Janeiro. Como escritor, João Cabral de Melo Neto foi profundamente premiado, tendo sido contemplado com as seguintes distinções:
Consagrado pelo público e pela crítica, no dia 6 de maio de 1968, João Cabral de Melo Neto tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras, onde passou a ocupar a cadeira número 37. Obra completa de João Cabral de Melo NetoLivros de poesia
Livros de prosa
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Como se caracteriza a poesia de João Cabral de Melo Neto?São características da obra do autor:. Objetividade;. Contralirismo e afastamento de temas subjetivos;. Rigor formal;. Poesia metalinguística;. Economia vocabular;. Evocação imagética;. Poesia reflexiva e crítica;. Presença de temáticas sociais.. Por que podemos dizer que a poesia de João Cabral de Melo Neto e rigorosa?João Cabral era rigoroso com seus poemas, apresentando uma estrutura mais fixa e com versos rimados. Seu estilo não é marcado pelo sentimentalismo, é mais objetivo, racional. A obra de João Cabral de Melo Neto pode ser considerada construtivista.
O que o poema homônimo de João Cabral de Melo retrata?Escrito entre 1954 e 1955 (e publicado nesse ano), é o livro mais famoso e popular de João Cabral. “Morte e Vida Severina” retrata em forma de um poema dramático a trajetória de um retirante do sertão nordestino em busca de uma vida melhor no litoral.
Por que João Cabral de Melo é chamado de poeta engenheiro que característica de sua poesia da ao poeta esse apelido?Era tido como um “poeta engenheiro”, apelidado, sobretudo, após integrar a terceira geração modernista brasileira – a famosa Geração de 45. Nesta famosa geração, os autores preocupavam-se mais com a forma, a palavra e a sintaxe, sem abrir mão do lado sensível da poesia.
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