Quais a complicações mais comuns do paciente acometido por diabetes?

A diabetes é uma doença caracterizada pela elevação da glicose no sangue (hiperglicemia). Ela pode ocorrer devido a defeitos na secreção ou na ação do hormônio insulina, que é produzido no pâncreas, pelas chamadas células beta. 

A função principal da insulina é promover a entrada de glicose para as células do organismo de forma que ela possa ser aproveitada para as diversas atividades celulares. A falta da insulina ou um defeito na sua ação resulta, portanto, em acúmulo de glicose no sangue, o que chamamos de hiperglicemia.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, existem, no Brasil, mais de 13 milhões de pessoas vivendo com a doença, o que representa 6,9% da população nacional. Quando não tratada corretamente, pode evoluir para formas mais graves e apresentar diversas complicações, além de outros problemas de saúde, que vão comprometer diretamente a qualidade de vida da pessoa.

Principais complicações geradas pela diabetes

1. Catarata

Pessoas com diabetes têm 60% mais chance de desenvolver a catarata, que acontece quando a lente clara do olho, o cristalino, fica opaca, bloqueando a luz.

2. Glaucoma

A pressão faz com que o sistema de drenagem do humor aquoso se torne mais lento, causando o acúmulo na câmara anterior. Isso comprime os vasos sanguíneos que transportam sangue para a retina e o nervo óptico e pode causar a perda gradual da visão. Estima-se que 40% dos pacientes com diabetes sofrem com o glaucoma.

3. Retinopatia diabética

Esse é um termo genérico que designa todas os problemas de retina causados pelo diabetes. Ela pode acometer pacientes em ambos os tipos de diabetes (tipo 1 e tipo 2) e, normalmente, é causada pela elevação permanente da taxa glicêmica. Para evitar a complicação, todos os pacientes com o tipo 2 da doença ou que convivem há mais de cinco anos com ela devem fazer o exame de fundo de olho (fundoscopia) todos os anos. O objetivo é identificar possíveis alterações nos vasos da retina o quanto antes. 

4. Doença renal

A nefropatia diabética é uma alteração nos vasos sanguíneos dos rins que levam a dificuldades na filtração do sangue, podendo causar insuficiência renal e consequente necessidade de fazer hemodiálise, que consiste na substituição da função do rim por uma máquina. Normalmente, os sintomas são a redução da sensibilidade ou sensação de formigamento em mãos e pés.

5. Problemas no coração

Quando a diabetes não está controlada, existe maior risco de infarto do miocárdio, hipertensão arterial ou mesmo ter um AVC.  Além dessas complicações, pode surgir a doença vascular periférica (em que as artérias das pernas e dos pés sofrem obstrução ou oclusão, que leva ao estreitamento e endurecimento das artérias).

6. Pé diabético

É uma das complicações mais frequentes da diabetes e é caracterizado por feridas na pele e falta de sensibilidade no pé, devido a lesões nos vasos sanguíneos e nervos, podendo, em casos muito graves, ser necessária a amputação do membro afetado.

7. Pele sensível

Pacientes com diabetes têm mais chance de ter pele seca, coceira e infecções por fungos e/ou bactérias, uma vez que a hiperglicemia favorece a desidratação – a glicose em excesso rouba água do corpo. A pele seca fica suscetível a rachaduras, que evoluem para feridas.

Quer saber mais? Estou à disposição para solucionar qualquer dúvida que você possa ter e ficarei muito feliz em responder aos seus comentários sobre este assunto. Leia outros artigos e conheça mais do meu trabalho como endocrinologista em São Paulo!

atualização

Diabetes Melito: Diagnóstico, Classificação e Avaliação do Controle Glicêmico

Jorge L. Gross

Sandra P. Silveiro

Joíza L. Camargo

Angela J. Reichelt

Mirela J. de Azevedo

Serviço de Endocrinologia do

Hospital de Clínicas de Porto Alegre,

Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, Porto Alegre, RS.

Recebido em 14/11/01

Aceito em 10/12/01

RESUMO

Diabetes e alterações da tolerância à glicose são freqüentes na população adulta e estão associados a um aumento da mortalidade por doença cardiovascular e complicações microvasculares. O diagnóstico destas situações deve ser feito precocemente, utilizando métodos sensíveis e acurados, já que mudanças no estilo de vida e a correção da hiperglicemia podem retardar o aparecimento do diabetes ou de suas complicações. O teste oral de tolerância à glicose é o método de referência, considerando-se a presença de diabetes ou tolerância à glicose diminuída quando a glicose plasmática de 2h após a ingestão de 75g de glicose for ³200mg/dl ou ³140 e <200mg/dl, respectivamente. Quando este teste não puder ser realizado, utiliza-se a medida da glicose plasmática em jejum, considerando-se como diabetes ou glicose alterada em jejum quando os valores forem ³126mg/dl ou ³110 e <126mg/dl, respectivamente. A medida da glico-hemoglobina não deve ser utilizada para o diagnóstico, mas é o método de referência para avaliar o grau de controle glicêmico a longo prazo. A classificação etiológica proposta atualmente para o diabetes melito inclui 4 categorias: diabetes melito tipo 1, diabetes melito tipo 2, outros tipos específicos de diabetes e diabetes gestacional. A classificação do paciente é usualmente feita em bases clínicas, mas a medida de auto-anticorpos e do peptídeo C pode ser útil em alguns casos.

Descritores: Diabetes melito; Critérios diagnósticos; Teste oral de tolerância à glicose; Glicose plasmática de jejum; Glico-hemoglobina.

ABSTRACT

Diabetes Mellitus: Diagnosis, Classification and Glucose Control Evaluation.

Diabetes mellitus and other categories of impaired glucose tolerance are frequent in the adult population and are associated with an increased risk for cardiovascular disease and microvascular complications. The diagnosis of these entities should be performed early and using sensitive and accurate methods, since lifestyle changes and correction of hyperglycemia may delay the incidence of diabetes and its complications. Glucose tolerance test is the reference method and the diagnosis of diabetes and impaired glucose tolerance are established when the 2h plasma glucose after an oral intake of 75g of glucose is ³200mg/dl or ³140 and <200mg/dl, respectively. When it is not possible to perform this test, fasting plasma glucose levels ³126mg/dl or ³110 and <126mg/dl, respectively, are used to establish the diagnosis of diabetes and impaired fasting plasma glucose. Glycohemoglobin should not be used for the diagnosis but it is the reference method for evaluation of the long-term glucose control. The etiological classification of diabetes mellitus includes 4 categories: type 1 diabetes, type 2 diabetes, other specific types of diabetes and gestational diabetes. The assignment of the patient in each category usually is made on clinical grounds, however in some case the measurement of C-peptide and autoantibodies are necessary.

Keywords: Type 1 diabetes; Type 2 diabetes; Diagnostic criteria; Oral glucose tolerance test; Fasting plasma glucose; Glycohemoglobin.

O DIABETES MELITO INCLUI um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, resultante de defeitos na secreção de insulina e/ou em sua ação (1). A hiperglicemia se manifesta por sintomas como poliúria, polidipsia, perda de peso, polifagia e visão turva ou por complicações agudas que podem levar a risco de vida: a cetoacidose diabética e a síndrome hiperosmolar hiperglicêmica não cetótica. A hiperglicemia crônica está associada a dano, disfunção e falência de vários órgãos, especialmente olhos, rins, nervos, coração e vasos sangüíneos. Estudos de intervenção demonstraram que a obtenção do melhor controle glicêmico possível retardou o aparecimento de complicações crônicas microvasculares, embora não tenha tido um efeito significativo na redução de mortalidade por doença cardiovascular (2).

Diabetes é uma situação clínica freqüente, acometendo cerca de 7,6% da população adulta entre 30 e 69 anos (3) e 0,3% das gestantes (4). Alterações da tolerância à glicose são observadas em 12% dos indivíduos adultos e em 7% das grávidas. Cerca de 50% dos portadores de diabetes desconhecem o diagnóstico (3).

As alterações da tolerância à glicose estão relacionadas a um aumento do risco de doença cardiovascular (5) e de desenvolvimento futuro de diabetes (6). Estudo recente demonstrou que é possível diminuir significativamente a incidência de novos casos de diabetes através de medidas de intervenção como a realização de exercício físico e redução de peso em pacientes com alterações da homeostase glicêmica ainda não classificadas como diabetes (7).

O diagnóstico correto e precoce do diabetes melito e das alterações da tolerância à glicose é extremamente importante porque permite que sejam adotadas medidas terapêuticas que podem evitar o aparecimento de diabetes nos indivíduos com tolerância diminuída e retardar o aparecimento das complicações crônicas nos pacientes diagnosticados com diabetes.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico do diabetes baseia-se fundamentalmente nas alterações da glicose plasmática de jejum ou após uma sobrecarga de glicose por via oral. A medida da glico-hemoglobina não apresenta acurácia diagnóstica adequada e não deve ser utilizada para o diagnóstico de diabetes.

Os critérios diagnósticos baseiam-se na glicose plasmática de jejum (8 horas), nos pontos de jejum e de 2h após sobrecarga oral de 75g de glicose (teste oral de tolerância à glicose – TOTG) e na medida da glicose plasmática casual, conforme descrição na tabela 1. O quadro inclui as diversas categorias diagnósticas para adultos e para o diabetes gestacional.

Para que o diagnóstico seja estabelecido em adultos fora da gravidez, os valores devem ser confirmados em um dia subseqüente, por qualquer um dos critérios descritos. A confirmação não é necessária em um paciente com sintomas típicos de descompensação e com medida de níveis de glicose plasmática ³200mg/dl.

Para o diagnóstico do diabetes em crianças que não apresentam um quadro característico de descompensação metabólica com poliúria, polidipsia e emagrecimento ou de cetoacidose diabética, são adotados os mesmos critérios diagnósticos empregados para os adultos. Quando houver a indicação de um TOTG, utiliza-se 1,75g/kg de glicose (máximo 75g).

Em 1997, a Associação Americana de Diabetes (ADA) (1) propôs que os critérios diagnósticos fossem fundamentados principalmente na medida da glicose plasmática de jejum. Anteriormente, o diagnóstico de diabetes era baseado em critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) (8), definidos como glicose plasmática de jejum ³140mg/dl e/ou glicose plasmática 2h após sobrecarga oral de 75g de glicose ³200mg/dl. No entanto, não havia uma correspondência entre estes 2 valores. Apenas 25% dos pacientes com glicose plasmática de 2h ³200mg/dl no TOTG apresentavam glicose plasmática de jejum ³140mg/dl. O valor de glicose plasmática de 2h no TOTG ³200mg/dl foi definido devido a sua associação com o desenvolvimento de complicações microvasculares específicas do diabetes.

A relação entre a glicose plasmática de jejum e o valor de 2h no TOTG e o aparecimento de retinopatia diabética foram analisados em estudos realizados em índios Pima (9), em egípcios (10) e na população americana avaliada pelo III National Health and Nutrition Examination Survey (1). Com base nestes estudos, a ADA recomendou que fosse adotado o valor de glicose plasmática de jejum ³126mg/dl, pois representa o ponto a partir do qual há um aumento acentuado no aparecimento de retinopatia e corresponde ao valor de glicose plasmática 2h após sobrecarga de glicose oral de ³200mg/dl.

A medida apenas da glicose plasmática de jejum é considerada pela ADA o método de escolha para o diagnóstico do diabetes e o teste oral de tolerância à glicose não deveria ser utilizado rotineiramente, apenas em algumas situações clínicas ou para fins de pesquisa (1). A glicose plasmática de jejum é mais econômica, de fácil execução, favorecendo a realização em um maior número de pessoas e apresenta um menor coeficiente de variação inter-individual do que o TOTG.

Outra recomendação da ADA (1) foi a introdução da categoria de glicose plasmática de jejum alterada que inclui indivíduos com glicose plasmática de jejum ³110 e <126mg/dl. Esta categoria seria equivalente à tolerância à glicose diminuída, isto é, glicose plasmática 2h após TOTG ³140 e <200mg/dl.

A publicação destas recomendações originou controvérsias sobre qual o melhor teste diagnóstico: a glicose plasmática de jejum ou o TOTG. O principal argumento contra a realização apenas da glicose plasmática de jejum é que o seu ponto de corte não foi baseado no risco de desenvolver doença macrovascular, mas sim de complicação microvascular (retinopatia). Este aspecto é particularmente importante em pacientes diabéticos, já que a doença cardiovascular é responsável por 58% das mortes (11) e estudos de meta-regressão demonstraram que valores de glicose plasmática em jejum acima de 75mg/dl já constituem um risco progressivo de doença cardiovascular (12). Portanto, a definição de indivíduos de risco para doença cardiovascular utilizando apenas a medida da glicose plasmática de jejum não identificaria uma considerável proporção de indivíduos com risco elevado para o desenvolvimento de doença cardiovascular. Estes indivíduos seriam melhor identificados pelo TOTG, pois cerca de 30% dos indivíduos com glicose plasmática elevada 2h após TOTG têm glicose plasmática de jejum <100mg/dl (13).

Diversos estudos analisaram o papel da glicose plasmática de jejum e da glicose plasmática elevada 2h após o TOTG no desenvolvimento de desfechos cardiovasculares (14), mortalidade por doença cardiovascular (5) e mortalidade em geral (13). Estes estudos demonstraram de forma consistente que valores de glicose 2h após TOTG ³140mg/dl e <200mg/dl ou ³200mg/dl associavam-se a aumento da mortalidade em geral (13), de eventos cardiovasculares (5) e de mortalidade cardiovascular (12). Interessante foi a observação de que os valores de glicose plasmática de jejum elevados não foram associados a aumento de mortalidade quando corrigidos na análise estatística pelo efeito da glicose plasmática de 2h após TOTG (13). O conjunto destes dados indica que a glicose plasmática de jejum elevada é menos sensível para identificar indivíduos de risco para doença cardiovascular e aumento da mortalidade. Além disto, a sensibilidade da glicose plasmática de jejum alterada (³110 e <126mg/dl) é menor (26%) do que a sensibilidade (50%) da glicose de 2h alterada no TOTG (³140mg/dl e <200mg/dl) para prever o aparecimento de diabetes.

Provavelmente isto se deve ao fato de que glicose plasmática de jejum elevada e alterações da glicose plasmática após o TOTG não são equivalentes e não identificam o mesmo grupo de risco. As alterações da glicose plasmática de jejum estão mais relacionadas a um aumento da produção hepática de glicose e à diminuição global da secreção de insulina. Por outro lado, o aumento da glicose plasmática após a sobrecarga oral de glicose depende da diminuição do pico inicial de secreção de insulina, que é um mecanismo da patogênese do diabetes mais precoce do que a diminuição global da produção de insulina.

A OMS manteve a recomendação do emprego do TOTG como método ideal para o diagnóstico do diabetes, tanto em bases individuais como em estudos epidemiológicos (15). A ADA também considera o TOTG como o teste de referência para o diagnóstico de diabetes (16), pois é mais sensível para identificar indivíduos com diabetes e alterações da tolerância à glicose. No entanto, a ADA recomenda que a medida da glicose plasmática em jejum seja o método de escolha para diagnóstico de diabetes, pois o TOTG apresenta dificuldades em sua realização, pode causar náuseas, necessita preparação cuidadosa prévia, apresenta maior variabilidade e não é realizado regularmente. Apesar disto, os autores acreditam que as recomendações da OMS são melhor fundamentadas em estudos epidemiológicos e devem servir de referência para o diagnóstico do diabetes. Desta forma, idealmente o TOTG deve ser empregado como método diagnóstico de diabetes e das alterações da tolerância à glicose sempre que possível, especialmente nas seguintes situações: quando os valores de glicose plasmática em jejum estiverem acima de 110mg/dl e abaixo de 126mg/dl; em indivíduos com mais de 65 anos, independente dos valores de glicose plasmática, e em gestantes. A medida da glicose plasmática em jejum apenas ficaria reservada para os casos em que não fosse possível realizar o TOTG. O TOTG deve ser realizado de forma padronizada conforme descrito na tabela 2.

O rastreamento de diabetes deve ser realizado em todo indivíduo com mais de 45 anos de idade a cada 3 anos, ou mais precocemente e mais freqüentemente em indivíduos assintomáticos quando apresentarem fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes (tabela 3).

Aspectos laboratoriais da medida da glicose plasmática

A glicose, idealmente, deve ser medida em plasma livre de hemólise (17). Os anticoagulantes mais comuns (heparina, EDTA, citrato, oxalato) não interferem na dosagem. A glicose no sangue total sofre glicólise a uma velocidade considerável (7mg/dl/h) quando conservada na temperatura ambiente (18-25°C), portanto a amostra deve ser centrifugada imediatamente após a coleta. O plasma deve ser separado das células o mais rápido possível e é estável por 48 horas sob refrigeração (2-8°C). Quando este procedimento não pode ser realizado, é recomendado que a coleta seja feita em tubos acrescidos de um inibidor da glicólise, como o fluoreto de sódio. O sangue total fluoretado, refrigerado ou mantido em banho de gelo, previne a glicólise por 1 hora (18).

O jejum recomendado é de no mínimo 8 horas, tanto para as dosagens de jejum isoladas como para o TOTG (1,15,19).

Os métodos de análise preferidos são os enzimáticos (17) e os métodos químicos estão em desuso por não apresentarem a especificidade adequada. Várias enzimas, com especificidade máxima para a glicose, têm sido empregadas nos reagentes atuais. A glicose oxidase é a mais usada, mas enzimas como a hexoquinase e a glicose desidrogenase também podem ser utilizadas. Os métodos enzimáticos são exatos, precisos, baratos e podem ser facilmente automatizados.

CLASSIFICAÇÃO

A classificação atual do diabetes melito está representada na tabela 4. As formas mais freqüentes de diabetes são o diabetes tipo 1 e o diabetes tipo 2 e os termos "dependente de insulina" e "não dependente de insulina" anteriormente atribuídos respectivamente aos dois tipos de diabetes foram eliminados.

Diabetes melito tipo 1

No diabetes tipo 1 ocorre destruição das células beta do pâncreas, usualmente por processo auto-imune (forma auto-imune; tipo 1A) ou menos comumente de causa desconhecida (forma idiopática; tipo 1B) (20,21). Na forma auto-imune há um processo de insulite e estão presentes auto-anticorpos circulantes (anticorpos anti-descarboxilase do ácido glutâmico, anti-ilhotas e anti-insulina). De uma forma geral, a instalação do quadro de diabetes tipo 1 auto-imune é relativamente abrupta e muitas vezes o indivíduo pode identificar a data de início dos sintomas.

A partir da década de 80, foi descrita a ocorrência de diabetes de origem auto-imune de instalação insidiosa, denominado de LADA (Latent Autoimmune Diabetes in Adults). A idade média dos pacientes com LADA é em torno dos 50 anos e por isto estes pacientes são inicialmente classificados de forma errônea como tipo 2 (22). O LADA compartilha com o diabetes tipo 1 a evidência de auto-imunidade e falência de secreção de insulina pelas células beta e com o diabetes tipo 2, a idade de instalação e a presença de resistência insulínica (23). Por estas razões, existe a sugestão de que poderia ser considerado um tipo distinto de diabetes.

A forma idiopática do diabetes tipo 1, o tipo 1B, é caracterizada pela ausência tanto de insulite como dos anticorpos relacionados ao diabetes auto-imune, e existe descrição de subtipos desta forma, com instalação e evolução mais abrupta e fulminante em alguns casos (21).

A conseqüência da perda das células beta é a deficiência absoluta da secreção de insulina, o que por sua vez deixa os pacientes suscetíveis à ocorrência de cetoacidose, muitas vezes a primeira manifestação da doença. O quadro de cetoacidose é a expressão máxima da deficiência de insulina e pode também ocorrer na presença de estresse infeccioso, ou de qualquer etiologia ou ser decorrente do uso inadequado da insulina (1,15). No diabetes tipo 1, o intervalo máximo de tempo após o diagnóstico em que o indivíduo pode permanecer sem usar obrigatoriamente insulina, ou seja, período em que não ocorre cetoacidose, é em geral de 1 a 2 anos. Este dado algumas vezes pode ser útil na classificação do indivíduo, já que assume-se que o paciente que necessita de insulina apenas após 2 anos do diagnóstico de diabetes é em geral do tipo 2.

O pico de incidência do diabetes tipo 1 ocorre dos 10 aos 14 anos de idade, havendo a seguir uma diminuição progressiva da incidência até os 35 anos, de tal maneira que casos de diabetes tipo 1 de início após esta idade são pouco freqüentes. No entanto, indivíduos de qualquer idade podem desenvolver diabetes tipo 1.

Em geral, os pacientes apresentam índice de massa corporal normal, mas a presença de obesidade não exclui o diagnóstico. Nos casos de diabetes tipo 1 de origem auto-imune, pode haver a associação com outras doenças auto-imunes, como a tireoidite de Hashimoto, a doença de Addison e a miastenia gravis entre outras.

Diabetes melito tipo 2

O diabetes tipo 2 é mais comum do que o tipo 1, perfazendo cerca de 90% dos casos de diabetes. É uma entidade heterogênea, caracterizada por distúrbios da ação e secreção da insulina, com predomínio de um ou outro componente (15). A etiologia específica deste tipo de diabetes ainda não está claramente estabelecida como no diabetes tipo 1. A destruição auto-imune do pâncreas não está envolvida. Também ao contrário do diabetes tipo 1, a maioria dos pacientes apresenta obesidade.

A idade de início do diabetes tipo 2 é variável, embora seja mais freqüente após os 40 anos de idade, com pico de incidência ao redor dos 60 anos. Em finlandeses, 97% dos pacientes tipo 2 iniciam o diabetes após os 40 anos de idade (24). Estudos que aliam a obesidade à idade superior a 40 anos indicam este ponto de corte da idade como discriminatório entre os dois tipos de diabetes (25). Por outro lado, outros autores associam a ausência de episódio agudo de cetoacidose e idade superior a 20 anos como indicadores da presença de diabetes do tipo 2 (26). Portanto, a idade de forma isolada parece não definir a classificação, mas se aliada a outras variáveis como obesidade e ausência de cetoacidose podem sugerir o tipo de diabetes. Deve ser levado em conta que, embora a ocorrência de cetoacidose seja característica do estado de deficiência insulínica do tipo 1, o paciente tipo 2 pode apresentar este quadro na vigência de intercorrências graves como infecções ou episódios agudos de doença cerebrovascular (27).

A ocorrência de agregação familiar do diabetes é mais comum no diabetes tipo 2 do que no tipo 1. No entanto, estudos recentes descrevem uma prevalência duas vezes maior de diabetes do tipo 1 em famílias com tipo 2, sugerindo uma possível interação genética entre os dois tipos de diabetes (28).

A diferenciação entre os dois tipos mais comuns de diabetes é em geral relativamente simples e baseia-se fundamentalmente em dados clínicos.

Outros tipos específicos de diabetes

Na medida em que têm sido elucidados os processos de patogênese do diabetes, tanto em relação a marcadores genéticos como aos mecanismos de doença, tem crescido o número de tipos distintos de diabetes, permitindo uma classificação mais específica e definitiva. Portanto, novas categorias têm sido acrescidas à lista de tipos específicos de diabetes, incluindo defeitos genéticos da célula beta e da ação da insulina, processos de doenças que danificam o pâncreas, diabetes relacionado a outras endocrinopatias e os casos decorrentes do uso de medicamentos (tabela 4).

Recentemente, tem-se dado ênfase a 2 categorias de tipos específicos de diabetes: diabetes do adulto de início no jovem (Maturity Onset Diabetes of the Young - MODY) e diabetes de origem mitocondrial. O tipo MODY engloba um grupo heterogêneo de diabetes sem predisposição para a cetoacidose e sem obesidade, com hiperglicemia leve, com início antes dos 25 anos de idade e com várias gerações de familiares com diabetes, configurando uma herança autossômica dominante. Usualmente, estes pacientes apresentam um defeito de secreção de insulina relacionado a mutações em genes específicos. Estima-se que este tipo de diabetes seja responsável por cerca de 1 a 5% dos casos de diabetes (29). O diabetes de origem mitocondrial ou diabetes com surdez e herança materna caracteriza-se por ocorrer em indivíduos jovens e sem obesidade. Inicialmente a hiperglicemia é leve e pode progredir lentamente para graus mais avançados que necessitam emprego de insulina. Ocorre devido a uma mutação do DNA mitocondrial interferindo com a produção de energia. Os pacientes usualmente apresentam surdez neurossensorial e distrofia macular e menos freqüentemente pode haver miopatia, cardiomiopatia e doença renal (30).

Diabetes melito gestacional

O diabetes gestacional é definido como a tolerância diminuída aos carboidratos, de graus variados de intensidade, diagnosticado pela primeira vez durante a gestação, podendo ou não persistir após o parto (1,15).

Os fatores de risco associados ao diabetes gestacional são semelhantes aos descritos para o diabetes tipo 2, incluindo, ainda, idade superior a 25 anos, ganho excessivo de peso na gravidez atual, deposição central excessiva de gordura corporal, baixa estatura, crescimento fetal excessivo, polidrâmnio, hipertensão ou pré-eclâmpsia na gravidez atual, antecedentes obstétricos de morte fetal ou neonatal.

O rastreamento do diabetes é realizado a partir da primeira consulta pré-natal, utilizando-se a medida da glicose em jejum e com o objetivo de detectar a presença de diabetes pré-existente. A partir da 20ª semana da gravidez, realiza-se outra medida da glicose plasmática de jejum, com ponto de corte de 85mg/dl (31), visando à detecção do diabetes gestacional. Esse ponto de corte apresenta sensibilidade de 69% e especificidade de 68% para o diagnóstico de diabetes e, portanto, cerca de 35% das gestantes deverão realizar um teste diagnóstico definitivo (31). O TOTG é o procedimento de escolha, mas em pacientes já com glicose plasmática em jejum ³110mg/dl no rastreamento, apenas uma nova medida da glicose em jejum é suficiente. A interpretação da glicose de jejum como teste de rastreamento do diabetes gestacional está descrita na tabela 5.

O diagnóstico de diabetes é confirmado com a realização do TOTG solicitado entre as 24ª e 28ª semanas de gestação (15,32,33). Se a gestante apresentar fatores de risco, o TOTG pode ser realizado mais precocemente, a partir da 20ª semana. Os pontos de corte da glicose plasmática para diagnóstico do diabetes gestacional estão descritos na tabela 1. Caso o exame seja normal, mas haja suspeita de diabetes na gestação atual (crescimento fetal exagerado, polidrâmnio), deve-se repetir o teste em um mês ou ao redor da 32ª semana de gestação (32).

As mulheres com diabetes gestacional devem ser reavaliadas com a medida da glicose de jejum ou com o TOTG, 6 semanas após o parto, com a finalidade de reclassificação do seu estado metabólico (1,4,15,32).

MÉTODOS LABORATORIAIS ÚTEIS NA CLASSIFICAÇÃO DO TIPO DE DIABETES

Em algumas circunstâncias (diabetes com início entre 25 a 30 anos, durante a gravidez e em pacientes em hemodiálise), o diagnóstico do tipo de diabetes é mais difícil, podendo ser necessária a utilização de alguns exames laboratoriais para estabelecer a possível causa do diabetes. Entre estes, encontram-se marcadores de auto-imunidade, como a medida de auto-anticorpos relacionados à insulite pancreática e a avaliação da reserva pancreática de insulina através da medida do peptídeo C e da fase rápida de secreção de insulina.

Medida dos auto-anticorpos

Anticorpos dirigidos contra componentes das células b têm sido descritos desde a década de 80 e sua presença indica a existência de um processo auto-imune que pode levar a destruição das células beta pancreáticas. Os auto-anticorpos são marcadores do processo auto-imune e não agentes patogênicos (34). Pacientes diabéticos com auto-anticorpos presentes são considerados como do tipo 1A. Os auto-anticorpos medidos clinicamente são: anticorpos anti-ilhota (Islet Cell Antibody = ICA), anti-insulina (Insulin Auto Antibody = IAA), anti-desidrogenase do ácido glutâmico (Glutamic Acid Decarboxylase = GAD) e anti-insulinoma (IA2). Os ICA são anticorpos policlonais do tipo IgG que reagem com todos os componentes das ilhotas e o anti-GAD e IA2 são subfrações do ICA. Os ICAs foram os primeiros a serem relacionados à presença de diabetes tipo 1 auto-imune e são medidos por imunofluorescência indireta, utilizando idealmente pâncreas humano. É um método trabalhoso com muitas exigências técnicas e títulos acima de 1,25 unidades Juvenile Diabetes Foundation (JDF) são considerados alterados (35). Estão presentes em cerca de 70 a 80% dos pacientes diabéticos tipo 1 logo após o diagnóstico, mas tendem a desaparecer após 2 a 3 anos de duração da doença. Os anticorpos anti-GAD são encontrados em cerca de 80% dos pacientes tipo 1 de instalação recente (35-37) e são ainda detectados em 50% dos pacientes após 10 anos de diagnóstico (34,38). Os anticorpos anti-GAD são medidos através de RIE e valores acima de 1,0U/ml são considerados como positivos. A especificidade deste teste é em torno de 98% (34,37). A medida dos anticorpos anti-GAD é mais reprodutível e mais simples de ser realizada do que a dos ICA. Em pacientes considerados inicialmente como tipo 2, a presença dos anticorpos anti-GAD foi superior à presença dos ICA na identificação correta de pacientes com LADA (39,40). Portanto, o anticorpo anti-GAD parece ser o exame de escolha para confirmar o diagnóstico do diabetes tipo 1 auto-imune. Os anticorpos anti-insulina (IAA) são os únicos específicos da célula beta e devem ser medidos antes de iniciar o tratamento com insulina. São medidos por RIE e o resultado é dado como positivo ou negativo. Em crianças com menos de 10 anos de idade, a aparição dos anticorpos anti-insulina pode preceder os outros e nestes casos a sua medida deve ser incluída (37). Os anticorpos anti-IA2 são dirigidos contra uma proteína da família da fosfatase da tirosina, um grupo de enzimas relacionadas à função de receptor e de sinalização intracelular. Estão presentes em 60% dos pacientes no diagnóstico e a avaliação de um subclone do IA2 denominado de ICA512 é disponível (41).

A medida dos anticorpos está indicada principalmente para definir o tipo de diabetes em um paciente já com o diagnóstico estabelecido com o objetivo de evitar o início de tratamento equivocado com agentes orais em pacientes com diabetes tipo 1. Embora não haja ainda procedimento terapêutico efetivo para impedir a evolução para o diabetes franco em indivíduos com auto-anticorpos positivos no sangue e sem alterações da glicemia, a medida destes anticorpos pode ser útil em familiares de 1º grau de pacientes com diabetes tipo 1 para identificar os indivíduos com maior risco de desenvolverem diabetes. Para os familiares portadores de 2 ou mais anticorpos, o risco de desenvolver diabetes em 5 anos é de cerca de 70% (42). O acompanhamento mais de perto destes pacientes permite identificar o aparecimento do diabetes precocemente e assim evitar o aparecimento de episódio de cetoacidose.

Avaliação da reserva pancreática de insulina

A avaliação da reserva pancreática de insulina pode ser necessária quando persistirem dúvidas em relação à classificação do paciente como diabetes tipo 1 ou tipo 2 ou em indivíduos com auto-anticorpos presentes.

Medida do peptídeo-C - A capacidade secretória do pâncreas pode ser analisada através da medida plasmática do peptídeo-C, que é secretado na circulação porta em concentrações equimolares com a insulina, sendo ambos originados da clivagem da pró-insulina. São empregados testes de estímulo de secreção do peptídeo-C utilizando-se a resposta à ingestão de substâncias padrão (Sustacal) ou à injeção endovenosa de glucagon. O método mais utilizado é a medida plasmática do peptídeo-C no basal e após 6 minutos da injeção endovenosa de 1mg de glucagon. Os pacientes tipo 1 apresentam valores médios de peptídeo-C de 0,35ng/ml no basal e de 0,5ng/ml após estímulo e os pacientes tipo 2 têm valor médio de 2,1ng/ml no tempo zero e de 3,3ng/ml após estímulo (43). Como ponto de corte para classificar os pacientes, deve ser considerado que valores de peptídeo-C acima de 0,9ng/ml no basal e acima de 1,8ng/ml após a injeção de glucagon evidenciam reserva de insulina compatível com diabetes tipo 2 e valores inferiores confirmam o diagnóstico de diabetes tipo 1 (25,43). A técnica utilizada para medida do peptídeo-C é a quimioluminescência, disponível em vários laboratórios nacionais. O coeficiente de variação inter e intra-ensaio do método é de 7,5% e 9,8%, respectivamente. Multiplicando-se o valor em ng/ml por 0,331 obtém-se o valor em nmol/l, que é utilizado em vários centros europeus e americanos.

Medida da insulina após estímulo da glicose endovenosa - O teste de tolerância à glicose intravenosa (TTGIV) é um método utilizado para avaliar a primeira fase de secreção de insulina, especialmente em indivíduos positivos para os auto-anticorpos. Nestes pacientes, a diminuição da secreção de insulina é um forte indicativo para o desenvolvimento de diabetes no próximo ano. O teste deve ser realizado após 3 dias de ingestão liberada de pelo menos 150g/dia de carboidratos e após jejum de 10-16h. A quantidade de 0,5g/kg de glicose (máximo de 35g) é infundida como solução a 25% (diluída em salina) em 3 minutos. Amostras de sangue são colhidas 10 e 5 minutos antes e 1 e 3 minutos após a infusão para medida da insulina plasmática. Os valores de insulina acima do basal em 1 e 3 minutos são somados e o valor da soma abaixo de 48µU/ml sugere insuficiência das células beta (44). A ausência da primeira fase de secreção de insulina indica que já houve perda de 50% da massa de células beta. A insulina é determinada através de radioimunoensaio (RIE) e vários problemas são descritos em relação à acurácia desta técnica. Fatores como adsorção da insulina no tubo, influência da hemólise e não estabilidade da insulina no plasma interferem na sua medida. De particular importância é a falta de especificidade dos RIEs, que permitem reações cruzadas com moléculas de pró-insulina, causando dificuldade na interpretação dos resultados e também a pouca sensibilidade que torna imprecisas as medidas de quantidades pequenas (45).

AVALIAÇÃO DO CONTROLE GLICÊMICO DO PACIENTE DIABÉTICO

Após estabelecido o diagnóstico de diabetes, os pacientes iniciam diversas modalidades de tratamento para corrigir a hiperglicemia, procurando atingir o melhor controle metabólico possível, isto é, níveis de glicose em jejum <110µg/dl ou pós-prandial <140mg/dl ou da glico-hemoglobina abaixo do limite máximo do método empregado. Os resultados obtidos no Diabetes Control and Complications Trial (46) em pacientes com diabetes melito tipo 1 e no United Kingdom Prospective Diabetes Study (2) em pacientes com diabetes melito tipo 2, comprovaram a relação entre o risco de complicações microvasculares e o controle glicêmico. Além disto, a análise observacional dos pacientes acompanhados no UKPDS (47) demostrou uma associação significativa entre o controle glicêmico e o risco de morbimortalidade cardiovascular. Frente a estes resultados, a obtenção de valores glicêmicos o mais próximo possível da normalidade, com atenção à prevenção de hipoglicemia, se torna mandatória.

Glico-hemoglobina

A medida da glico-hemoglobina (GHb) é o parâmetro de escolha para o controle glicêmico a longo prazo. A GHb reflete o grau de controle glicêmico dos 2 a 3 meses prévios. A medida da GHb deve ser realizada 2 vezes por ano em pacientes com controle glicêmico estável e dentro dos objetivos do tratamento e mais freqüentemente a cada 3 a 4 meses em pacientes com controle glicêmico ainda não ótimo nos quais estão se realizando modificações do tratamento.

A GHb é o produto da reação não-enzimática entre glicose e o grupo amino terminal de um resíduo de valina na cadeia b da hemoglobina. O termo inclui todas as hemoglobinas modificadas com a glicose, incluindo HbA1 e suas frações, bem como as outras hemoglobinas anormais (HbS, HbF, HbC) que, eventualmente, possam estar presentes. A percentagem de GHb depende da concentração de glicose no sangue, do tempo de duração da exposição da hemoglobina à glicose e ao tempo de meia vida dos eritrócitos (~120 dias). Quanto maior a concentração de glicose e maior o período de contato, maior a percentagem da GHb.

Muitos métodos estão sendo usados nos laboratórios clínicos (49). Eles medem a GHb baseados nas diferenças físicas, químicas ou imunológicas entre a fração glicada (HbA1c) e a não-glicada (HbA0). A cromatografia catiônica (HPLC e minicolunas) e eletroforese usam a diferença de carga entre HbA1c e HbA0. A cromatografia de afinidade (minicolunas, HPLC, e sistemas automatizados) baseia-se na reação dos grupos cis-diol, resultantes da ligação da hemoglobina com a molécula de glicose, com o ácido fenilborônico. Os métodos imunológicos usam anticorpos direcionados ao N-terminal glicado da hemoglobina e são específicos para a fração HbA1c. A carência de padronização limita o uso destes métodos e dificulta a comparação inter-laboratorial de resultados. Os valores fornecidos por um laboratório podem não corresponder aos valores de outro laboratório, mesmo usando o mesmo método. Não existe concordância entre os valores de referência e a comparação dos resultados é muito difícil. O método recomendado é HPLC de troca iônica. Comitês internacionais trabalham na padronização e unificação dos resultados. O National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) (http://web.missouri.edu/~diabetes/ngsp.html), patrocinado em parte pela ADA, certifica laboratórios e fabricantes, padronizando os resultados com o centro de referência, que é o laboratório central do Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) na Universidade de Missouri (48).

Cuidados devem ser tomados em relação à fração lábil, temperatura, pH, presença de hemoglobinas anômalas, uremia e lipemia. O clínico deve interpretar com cautela os resultados de GHb e deve manter contato com o laboratório para obter informações sobre os valores de referência, as interferências e sobre a padronização com os resultados do DCCT do método que está sendo utilizado. Idealmente, o método usado deve ser certificado pelo NGSP e deve operar sob um rigoroso controle de qualidade interno.

Frutosamina

A frutosamina é uma proteína glicada, constituída principalmente de albumina, que reflete o controle glicêmico em 1 a 2 semanas anteriores, já que a meia-vida da albumina é de 14 a 20 dias (48,49). Embora haja uma boa correlação entre GHb e frutosamina, a medida da frutosamina não deve ser considerada equivalente à da GHb. O papel da frutosamina como um fator preditivo para o desenvolvimento de complicações do diabetes ainda não foi determinado. A medida da frutosamina pode ser um método alternativo para avaliar o controle glicêmico dos pacientes portadores de hemoglobinopatias, nos quais a determinação de GHb é prejudicada na maioria dos métodos disponíveis.

A frutosamina é medida pela técnica laboratorial da redução do "nitro bluetetrazolium" (NBT) que é simples, barata e pode ser facilmente automatizada. Os valores de frutosamina podem variar em função de mudanças na síntese e depuração das proteínas que podem ocorrer nas doenças hepáticas e nas doenças sistêmicas agudas, entre outras.

Avaliação da glicemia

A avaliação da glicemia ao longo do dia é uma estratégia importante para se obter o melhor controle metabólico possível. Usualmente esta avaliação é realizada através da obtenção de sangue capilar e colocação em fitas reagentes acopladas a aparelhos que fornecem os resultados em poucos segundos. De uma maneira geral, os aparelhos de leitura que são bastante acurados com um coeficiente de variação abaixo de 5% (50). Erros comuns podem ocorrer por alteração das fitas decorrentes de exposição ao ar ambiente por longos períodos de tempo e armazenamento de fitas de diferentes lotes em um mesmo frasco.

A auto-monitorização da glicose capilar está indicada para todo o paciente tratado com insulina ou agentes anti-hiperglicemiantes orais (51). Em pacientes com diabetes melito tipo 1 é recomendada a realização de 3 ou mais testes por dia. Pacientes em tratamento intensivo com múltiplas doses de insulina ou em uso de bomba de infusão contínua subcutânea de insulina e gestantes devem também realizar testes pós-prandiais (90 a 120 minutos após as principais refeições) e durante a madrugada, ou quando houver suspeita de hipoglicemia. Em situações de modificações no tratamento ou intercorrências clínicas pode ser necessário realizar exames mais freqüentemente. A freqüência ótima de realização dos testes não está definida para pacientes com diabetes tipo 2, mas depende do tipo do tratamento realizado (agentes orais ou insulina) e da estabilidade do quadro metabólico. Medidas de glicose pós-prandiais podem ser úteis para avaliar o controle metabólico quando os valores de glico-hemoglobina estiverem elevados na presença de valores glicêmicos pré-prandiais adequados.

Recentemente, foram desenvolvidas técnicas não dolorosas e automáticas que permitem uma avaliação não invasiva e mais freqüente da glicose capilar. O GlucoWatch é um dispositivo não invasivo automático aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos. Funciona como um relógio ao redor do punho e extrai glicose através da pele pela aplicação de um potencial (iontoforese), medindo a glicose da amostra extraída através de um sensor eletroquímico enzimático. A extração e leitura levam 20 minutos e podem ser obtidas e visualizadas no mostrador até 3 medidas por hora. A área do braço onde é colocado o relógio deve ser depilada, é necessário repor um gel sensor e trocar o dispositivo de braço a cada 12 horas e fazer nova calibração (com medida de glicose capilar através de aparelhos tradicionais) (52). Pode haver irritação da pele.

Uma outra técnica também aprovado pelo FDA é a de um dispositivo que mede a glicose por método enzimático no fluido intersticial por um período de até 3 dias. Um sensor é colocado no tecido celular subcutâneo e ligado a um aparelho de registro de tamanho aproximado de uma bomba de infusão de insulina. São registradas leituras a cada 15 minutos. Entretanto, a leitura ainda não é feita em um visor simultâneo, mas posteriormente em um microcomputador utilizando um programa específico. Este dispositivo pode ser útil em pacientes em uso de tratamento intensificado (bombas de infusão subcutânea ou múltiplas doses), para diagnóstico de hipoglicemia não percebida ou ainda em gestantes. Idealmente, no futuro estes dispositivos serão acoplados a sensores de glicose de bombas de infusão contínua de insulina (subcutâneas ou intraperitoniais), de tal maneira que modificações de glicose plasmática sejam automaticamente corrigidas através de modificações na infusão de insulina (52).

Medida da glicose na urina

O uso de fitas reagentes que fazem uma medida semi-quantitativa da glicose na urina é de fácil realização e de baixo custo. Vários fatores, entretanto, limitam seu uso como método para avaliação de controle glicêmico. A glicosúria só se torna positiva quando a sua concentração sérica é superior a 180mg/dl em pacientes com função renal normal e com valores ainda mais elevados em pacientes com nefropatia diabética. A medida da concentração de glicose obtida através das fitas na urina é alterada pelo volume, reflete o valor médio correspondente ao período do intervalo de coleta e não dá uma idéia de como está a glicose no sangue no momento da realização do teste. Apesar destas limitações, a medida de glicosúria deve ser indicada para pacientes em uso de insulina que não têm condições de realizar medida de glicose capilar antes das refeições e ao deitar (50,51). A realização do teste após as refeições permitiria um controle metabólico mais adequado e tem sido recomendada para pacientes com diabetes melito tipo 2. A medida em uma segunda amostra de urina (dupla micção) não parece ser mais vantajosa do que a medida em uma primeira amostra de urina, independente do horário de coleta (48).

Medida de corpos cetônicos na urina

A presença de cetonúria verificada através de fitas reagentes e associada a elevados níveis de glicose plasmática indica um grave distúrbio metabólico e necessidade imediata de intervenção. É o principal teste para evitar o aparecimento da cetoacidose diabética. O paciente com diabetes melito tipo 1 deve ser orientado a realizar o teste sempre que houver uma alteração importante em seu estado de saúde, principalmente na presença de infecções, quando os valores de glicose capilar forem consistentemente superiores a 240-300mg/dl, na gestação ou quando houver sintomas compatíveis com cetoacidose diabética (náuseas, vômitos e dor abdominal) (48,50,51). Deve ser lembrado que a presença de corpos cetônicos na urina durante o jejum ocorre em mais de 30% dos indivíduos normais na primeira urina da manhã e que resultados falsamente positivos podem ocorrer na presença de medicamentos com grupo sulfidril, como o captopril. Resultados falso negativos podem ocorrer quando a urina ficar exposta ao ar por longo período de tempo ou quando a urina for muito ácida, como ocorre após ingestão de grande quantidades de vitamina C (48).

Endereço para correspondência:

Jorge L. Gross

Serviço de Endocrinologia

Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Rua Ramiro Barcelos 2350 – Prédio 12, 4º andar

90.035-003 Porto Alegre, RS

Quais são as principais complicações do diabetes?

O aumento da glicose no sangue pode causar danos aos olhos, rins e nervos, além de aumentar o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio e os derrames vasculares.

Quais as principais complicações são encontradas em um indivíduo portador de diabetes mellitus?

Conclusão: As principais complicações crônicas associadas aos pacientes diabéticos são neuropatia, associada principalmente à condição clínica do “pé-diabético” que pode evoluir para gangrena e amputação de membros, retinopatia e catarata relacionados à cegueira e a nefropatia que pode evoluir para insuficiência renal ...