Documento: pdf (23 páginas) 96.7 KB O HOMEM BOM QUADRANTE São Paulo 1990 Copyright © 1990 QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais Capa José C. Prado Francisco Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família. Distribuidor exclusivo em Portugal: REI DOS LIVROS, Rua dos Fanqueiros, 77-79, 1100 – Lisboa Todos os direitos reservados a QUADRANTE, Sociedade de Publicações Culturais Rua Iperoig, 604 – Tel. 3873-2270 – Fax: 3673-0750 CEP 05016-000 – São Paulo – SP SER BOM HOMENS BONS Uma das impressões mais gratas e indeléveis da vida é ter conhecido um homem bom. Quando evocamos a figura de pessoas que nos marcaram pela sua bondade, sentimos um misto de admiração e agradecimento. Encontramo-las na vida, talvez tenhamos tido a fortuna de conviver com elas e, sempre que as recordamos, brota-nos de dentro o impulso de pensar ou de comentar: “Esse, sim, era um homem bom!” Mas se nos perguntam por que dizemos de certa pessoa que é “boa”, possivelmente nos será difícil expressá-lo em poucas palavras. Talvez só consigamos descrever alguns traços dessa bondade que tanto nos toca, dizendo: é alguém que trata bem a todo o mundo, tem um coração grande, é compreensivo, prestativo, solícito..., seus sentimentos são puros e generosos... Ficaríamos, porém, com a impressão de não termos sabido exprimir cabalmente o que sentimos, da mesma maneira que não poderíamos explicar a luz do sol limitando-nos a descrever a incidência de alguns dos seus raios na folha verde, no azul de uma janela ou no rosto de uma criança. Em todo o caso, deixaríamos clara uma coisa, e é que consideramos boa uma pessoa que, dotada de especiais qualidades morais, exerceu sobre nós uma influência benfazeja. Pois acontece que a bondade é captada sobretudo pelos seus efeitos. Talvez não saibamos dizer com exatidão o que é, mas certamente sabemos que uma pessoa boa nos faz bem. Com efeito, a bondade, quando existe, nota-se pela sua irradiação. Este é um ponto essencial para captarmos o que é e o que significa. Sempre que há alguma irradiação – tanto nos seres físicos como nos espirituais –, é porque há “algo” que projeta o seu influxo. Do nada, nada irradia. Só a matéria incandescente é fonte de claridade e de calor. Da mesma forma, a ação benfazeja de um coração sobre o nosso só pode proceder de uma qualidade interior desse coração. O próprio Cristo fala-nos da bondade como de um tesouro interior do qual podem ser extraídas riquezas que beneficiam os outros: O homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro; e o mau homem tira más coisas do seu mau tesouro (Mt 12, 35). O que é, porém, esse tesouro? Para início de reflexão, e antes de procurarmos uma resposta, muito nos poderá ajudar delimitarmos previamente as diferenças que separam a bondade aparente – falsa bondade – da bondade real. A BONDADE APARENTE Todos conhecemos pessoas que estão cercadas de uma auréola de bondade. Têm fama de bons. Parentes e conhecidos costumam referir-se a elas dizendo: “É tão bom!”... Mas, não raro, começam a frase que assim os qualifica com um adjetivo: “Coitado, é tão bom!...”, e acompanham o comentário com um sorriso de condescendência. Logo adivinhamos o que se esconde por trás do adjetivo e do sorriso: uma “bondade” que está unida à falta de firmeza de espírito e de força de caráter. Uma bondade mole e superficial. Não é que essa “bondade” seja uma “pose” ou uma atitude hipócrita. Não se trata, no caso, de uma pessoa que finja sentir o que não sente. Trata-se de homens ou mulheres que têm bom coração e uma natural inclinação para facilitar a alegria e o bem-estar dos outros. Mas a sua bondade é frágil, inconsistente. Não é autêntica porque se apóia sobre dois pilares falsos: um temperamento complacente e um sentimentalismo brando. Essas pessoas “bonachonas” – só “bonachonas”, não “boas” – fogem instintivamente de qualquer tipo de conflitos ou estridências. Detestam cordialmente brigas e desavenças. Gostam de agradar a todo o mundo e, por isso, tendem a concordar com tudo, a ceder em tudo. A sua maior aspiração consiste em estar em paz com todos e gozar do apreço geral. Sempre nos darão razão – mesmo que não a tenhamos –, contanto que com isso nos sintamos satisfeitos e não nos criem, nem lhes criemos, perturbações. O “bondoso superficial” parece compreensivo, mas é apenas tolerante. Não é que “compreenda”, isto é, que entenda profunda e amorosamente os outros, para assim ajudá-los. Simplesmente, concorda com tudo para ganhar, com a sua condescendência, a estima alheia. O “bondoso superficial”, o “bonachão”, quer ser amável, mas não ama. Não passa de um fraco, que não sabe dizer “não”. Por isso, os que com ele se relacionam, sabem que, no fundo, não têm um amigo, nem um pai ou uma mãe que os amem na plena acepção da palavra; têm somente um cúmplice muito conveniente. A criança mimada, que diz “papai é mau” sempre que este a contraria, não se cansa de dizer que a avó é “muito boazinha”, porque lhe consente todos os caprichos. É claro que tais bonachões não são bons. E não o são precisamente porque não nos fazem bem. A bondade, ou comunica um bem – um valor que aumenta a nossa qualidade moral –, ou não é bondade. AS TRAIÇÕES SENTIMENTAIS Os falsos bons, na realidade, passam a vida alimentando com ramos odoríferos a caldeira do nosso egoísmo, sem reparar que, querendo deixar-nos felizes com a sua brandura, nos fazem deslizar cada vez mais para o abismo da nossa infelicidade. É um fato que só o amor e a verdade nos realizam, e o egoísmo nos destrói. Por sua vez, o bondoso sentimental é ele próprio um egoísta. A sua máxima aspiração é “ficar bem”, “ser agradável”, “ser simpático”. E, em troca de granjear o nosso apreço, não hesita em abençoar a mentira e acobertar o mal. O filho ou um amigo estão à beira de desmanchar o casamento por motivos fúteis? Jamais passará pela mente do “bonachão” estender-lhes a mão com sacrifício, ajudá-los a reagir, passar um mau bocado para tentar que reconsiderem o mau passo que estão prestes a dar e enfrentem o dever. Preferirá observar tudo “sem interferir”, e achará por bem comentar docemente: “Deixa, ele tem o direito de ser feliz”. Uma vez consumada a catástrofe, que pode ter conseqüências irreversíveis – especialmente para os inocentes, para os filhos –, o nosso homem “bom” limitar-se-á a sacudir a cabeça e a comentar: “Vamos torcer para que dê tudo certo”. É o mesmo que, enganando miseravelmente a sua consciência, deixará passivamente que a filha se envolva com amizades bem pouco recomendáveis, porque não quer atritos e – além do mais – é muito incômodo carregar a etiqueta de “pai antiquado e tirânico”. Por isso, não será nem tirano – no que fará bem – nem pai – no que fará pessimamente. E quando estourarem as conseqüências lamentáveis da sua omissão, chorará lágrimas mansas e se consolará dizendo: “A juventude atual é difícil, é diferente da juventude dos meus tempos”. Mas a filha já estará moralmente aniquilada. Os bons sentimentais e vazios são os protagonistas constantes do que poderíamos chamar a “anti-parábola” do bom samaritano. Na parábola evangélica relatada por São Lucas (Lc 10, 25-37), o bom samaritano encontra estendido na estrada um judeu que acaba de ser assaltado por ladrões e que está ferido e meio morto. Que fazer? O judeu é seu inimigo – pois, como é sabido, judeus e samaritanos se odiavam –, e portanto o problema não parece ser da sua conta. Vencendo, contudo, essas barreiras, decide-se a atendê-lo. E faz tudo para assisti-lo e curá-lo. Primeiro, limpa-lhe as feridas, suavizando-as com óleo e purificando-as com vinho; depois, carrega-o na sua montaria e instala-o numa estalagem, adiantando o dinheiro necessário para que tratem dele. As suas ocupações obrigam-no a afastar-se por umas horas, mas logo volta à hospedaria para certificar-se de que não faltou ao enfermo nenhuma assistência. Cuidou dele em tudo, resume Cristo. Por isso, o bom samaritano fica no Evangelho como a imagem perfeita da bondade movida pelo amor. Pois bem. Imaginemos – caricaturizando a cena – o que teria feito um samaritano “bonachão”. Não é difícil descrever a “anti-parábola”, pensando em tantos homens “bons” que infelizmente andam pelo mundo. Chega ao pé do ferido e sente-se impressionado. “Coitado!”, exclama, e acrescenta: “Neste mundo acontece cada coisa!” Acocora-se junto dele, dirige-lhe um olhar terno e limita-se a “consolá-lo”: “Dói muito? Vai ver, não há de ser nada”. Nem cogita de intervir no caso: se pegar nele para cuidá-lo, pode “machucá-lo” ou pode “comprometer-se”. Limita-se, por isso, a dar-lhe uma afetuosa palmadinha, a colocar-lhe um pano bem almofadado debaixo da cabeça e a afastar-se comovido com os seus próprios sentimentos, ao mesmo tempo que murmura baixinho: “Acho que assim vai sentir-se melhor”. Naturalmente o ferido, envolto em tanta “bondade”, morrerá poucas horas depois. É possível que o “bondoso” deixe ainda alguma esmolinha para o enterro. Ironias à parte, qualquer pessoa lúcida é capaz de compreender que isto é o que fazem conosco os bonachões de que estamos falando. A BONDADE REAL Retomemos uma idéia anterior. Bom, de verdade, é somente aquele que nos faz bem, e o bem é acima de tudo o valor moral e espiritual de uma pessoa. Portanto, bom mesmo é somente aquele que nos ajuda a ser melhores. Quando já vivemos um bom pedaço da vida e olhamos para trás, contemplamos um vasto panorama de vicissitudes diversas, de erros e acertos, de perigos que nos ameaçaram, de dúvidas que nos paralisaram, de alegrias e tristezas. Mas, no meio dessas lembranças, todos nós podemos ver brilhar uns pontos de luz que jamais esqueceremos: pessoas que, no momento em que mais precisávamos, nos fizeram bem: “Fulano – dizemos – ajudou-me muito”, “significou muito para mim”; “graças a Sicrano, consegui superar um problema grave (ou uma crise ou um estado de ânimo) que poderia ter-me arrasado”... Mesmo sem darmos por isso e sem dizê-lo explicitamente, estamos falando de “homens bons”. Inconscientemente, possuímos a convicção de que foram bons, para nós, aqueles que nos despertaram para ideais mais nobres, que nos deram a mão para levar-nos a encontrar um sentido mais alto da vida, que iluminaram as nossas escuridões interiores fazendo-nos compreender aquilo por que vale a pena viver. Em suma, foram “bons” os que nos elevaram a um maior nível de dignidade moral e nos ajudaram a ser melhores, mesmo que para isso tivessem precisado, em algum momento, de fazer- nos sofrer. Contribuíram, em suma, para que descobríssemos e abraçássemos o bem, e não se contentaram com deixar que nos “sentíssemos bem”... Se, para tanto, foi necessário que nos aplicassem uma enérgica e paciente “cirurgia”, não duvidaram em fazê-lo, mesmo sabendo que, de início, não os compreenderíamos. Souberam ter a coragem – pensemos, por exemplo, nos pais e educadores – de dizer-nos serenamente “não” e de manter essa sua posição, em defesa do nosso bem, ainda que nós a interpretássemos como teimosia prepotente e irracional. Passado o tempo, compreendemos e agradecemos o que essa energia amorosa significou para nós. O homem bom recusa-se a tomar como princípio de comportamento o infeliz ditado segundo o qual “aquele que diz as verdades perde as amizades”. Pratica a lealdade sincera quando o nosso bem está em jogo. Certamente, não confunde a sinceridade com a franqueza rude, que se limita a lançar-nos em rosto os nossos erros e defeitos em tom áspero e acusatório. Mas arrisca-se de bom grado a ser incompreendido, a ser tachado de moralista e de intrometido, quando percebe que precisa falar-nos claramente, caridosamente mas sem ambigüidades, e não hesita em praticar aquela excelente obra de misericórdia que consiste em “corrigir o que erra”, a fim de levá-lo a encontrar a retidão do caminho moral. Calar-se, deixando o barco correr... e afundar-se é, sem dúvida, mais cômodo. Alhear-se, ou até mostrar-se conivente com os erros alheios, atrai benevolências e simpatias. Mas é uma forma covarde de omissão e uma triste colaboração com o mal. ESBOÇO DO HOMEM BOM Homem bom é, pois, aquele que exerce sobre nós uma influência benfazeja, uma influência que tem como efeito elevar-nos, ajudar-nos a alcançar uma maior altura moral. Por isso, o homem bom tem, principalmente, uma qualidade: o dom de despertar-nos do sono espiritual, da letargia moral, da mediocridade e da acomodação. É alguém que nos impele a “olhar para cima” e nos ajuda – sobretudo com o seu exemplo – a ver a bondade como uma meta acessível. O ambiente que nos cerca leva-nos facilmente a ser medíocres. Os idealistas são poucos, e não raro parecem ingênuos ou tolos, se os compararmos com muitos dos que vemos triunfar ou, pelo menos, singrar na vida: os egoístas, os espertos e os aproveitadores. Com efeito, aspirar a pautar a vida pela honestidade, pela fidelidade, pelo mérito, pelo desprendimento ou pela sinceridade – para falar apenas de algumas facetas do ideal moral – pode ser algo de muito belo na teoria, mas dá a impressão de ser muito pouco útil na prática, pouco eficaz na luta pela vida. Na “selva” do mundo, parecem apagar-se as fronteiras que separam o “bom” do “bobo”. Daí que, lá no fundo, muitos prefiram ser “como todo o mundo”. E se um idealismo maior lhes bate às portas da alma, afastam-no com desconfiança: não vamos complicar a vida – dizem –, não vamos ser tolos, é mais garantido ficar na “média”, como todos fazem; os Ícaros que pretendem voar muito alto com asas de cera acabam despencando ao chão. Até que, numa hora qualquer da vida, deparamos com um homem bom. O primeiro choque que experimentamos ao tomar contacto com ele é o desconcerto. Começamos a vislumbrar nessa pessoa algo de inexplicável – pois foge aos padrões habituais – e, ao mesmo tempo, de estranhamente atraente. Percebemos que é alguém que pensa de maneira diferente, vive de maneira diferente. Acredita em valores mais altos, abraça-os com serena convicção e não vacila em pautar por eles a sua vida. Prescinde tranqüilamente do que a maioria considera imprescindível para ser feliz: o egoísmo interesseiro, o comodismo, o culto do prazer e do bem-estar, o jogo de pequenos e grandes enganos para obter vantagens... Abraça com firmeza a honestidade, a dedicação desinteressada, o sacrifício, o amor serviçal, a renúncia voluntária, para fazer felizes os outros... Parece estar a um milímetro da utopia, da loucura ou da estupidez. E, no entanto, deixa-nos a impressão indestrutível de ser infinitamente mais alegre, mais realizado e vitalmente mais rico do que a massa anódina sobre a qual, mesmo sem o pretender, ele se eleva. É por isso que o homem bom nos obriga a olhar “para cima” e também “por cima” dos nossos esquemas mentais e das nossas opções rotineiras. É como que uma bandeira que incita a entrar por caminhos novos, caminhos que lá no fundo da alma nós desejaríamos trilhar para curar o coração cansado de sábias espertezas e de prudentes mediocridades. E, com o seu exemplo, vem a dizer-nos que esses caminhos são possíveis e mostra-nos o roteiro a seguir. A limpa autenticidade do homem bom faz-nos descobrir o norte, o verdadeiro norte da vida, e para ele nos atrai. Dele irradia, sem palavras, um apelo que nos sugere: vale a pena viver assim e é possível viver assim; se nós o conseguíssemos, alcançaríamos a plenitude de paz e felicidade que sempre sonhamos e ainda não conquistamos. BONDADE E COERÊNCIA Mas o homem bom não se limita a despertar-nos para a bondade. Faz-nos acreditar nela. Todos sabemos por experiência que tudo quanto tem “cheiro de falsidade”, de hipocrisia, inspira desconfiança; e, pelo contrário, tudo o que é autêntico desperta credibilidade. A verdadeira bondade infunde confiança precisamente porque está marcada de modo simples, sem ostentações, pelo selo da verdade. Neste caso, da coerência. Um homem realmente bom possui uma harmonia habitual entre palavra e vida, entre interior e exterior, entre vida privada e vida profissional ou social. Não tem duas caras, não tem duas vidas, não é duplo. É sempre o mesmo. O hipócrita bem-falante pode enfeitar-se de belas frases, gestos elevados e propostas sublimes. Mas todos se apercebem de que tudo isso não passa de um balão colorido, acobertando um imenso vazio. É uma pura encenação, é uma triste farsa. Cristo chamaria a tudo isso o brilho da cal branca sobre o sepulcro de um morto (cfr. Mt 23, 27). O homem bom, pelo contrário, se fala de valores e de ideais, é porque os vive: as suas sugestões, os seus conselhos, as suas correções – quando se trata de corrigir – têm o frescor fecundo das águas vivas que brotam do manancial da alma. São sangue do seu sangue. Por isso movem, tocam, incentivam, atraem. Transmitem o calor da autenticidade. E despertam o desejo de imitação. Nunca deixa de nos atingir positivamente, e de nos incitar a melhorar, o exemplo ou a palavra de um homem reto e coerente. Todos nos sentimos instintivamente dispostos a levar a sério a opinião, o juízo ou o conselho de uma pessoa que mantém tranqüilamente a mesma altura moral e o mesmo grau de bondade em qualquer ambiente. Quer seja no lar, na rua, no escritório ou na roda de amigos, é sempre idêntico a si mesmo: aberto, dedicado, paciente, solícito, construtivo, alegre, cheio de fé. Não tem virtudes de ocasião ou qualidades de feira. Não é o camaleão que se adapta aos diversos ambientes com o afã de “ficar bem”. Possui um quilate moral que atravessa, sem distorcer-se, todas as vicissitudes e situações. Seria bom que os pais pensassem nisto, pois a sua falta de coerência costuma destruir as mais belas falas. E os filhos têm um radar sensibilíssimo para captar o “fundo falso” de todos os sermões dos pais que dizem e não fazem (cfr. Mt 23, 3). VITÓRIA SOBRE A MESQUINHEZ Devemos acrescentar ainda mais alguns traços a essas qualidades que desenham o retrato do homem bom. É evidente que ser bom não significa ser impecável. Quando o jovem rico do Evangelho se atirou aos pés de Cristo, perguntando-lhe com os olhos a brilhar: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?, Jesus respondeu-lhe: Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus (Mc 10, 17-18). Somente Deus possui a perfeição sem defeito, em plenitude. Os homens somos todos falíveis, e os nossos melhores esforços e qualidades vão sempre acompanhados pelo contraponto dos erros, pecados e misérias. Seria, pois, uma ilusão imaginar que o homem de uma só peça que acabamos de retratar não tivesse fissuras nem brechas. Mas, dentro deste quadro da inevitável debilidade humana, o homem verdadeiramente bom possui uma qualidade marcante: nunca o vemos dominado por fraquezas mesquinhas ou baixas. E este é um ponto importante. O homem bom pode ter – e realmente tem – momentos de ira, de cansaço, de impaciência ou de preguiça. Mas não é escravo de sentimentos pequenos: no seu coração, nunca lançam raízes as paixões baixas do calculismo – não regateia, querendo baratear a sua doação –, da inveja, do melindre, da suscetibilidade, do ressentimento ou da vingança. É um homem fraco e pecador – como todos os homens –, mas ao mesmo tempo é um coração livre da triste teia de aranha que amesquinha muitas almas: o egoísmo e seu irmão gêmeo, o amor-próprio doentio. Tem um coração maior que essas misérias. Este é outro dos motivos por que a sua bondade irradia, com um calor atraente. A mesquinhez ensombrece e degrada a bondade. Quando admiramos alguém, e inesperadamente descobrimos que está dominado por alguma dessas pequenas paixões que acabamos de mencionar, sentimos uma profunda decepção. É como se a luz divina, que até entã... Comentários para: Francisco Faus - O homem bom |