Quais os impactos do plantio de soja para o meio ambiente no Brasil?

Ambientalistas e produtores rurais discordam quanto ao nível dos impactos ambientais negativos que a monocultura da soja tem provocado no Brasil desde a sua chegada, no Rio Grande do Sul, em 1914. Segundo o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Carlos Speroto, houve impactos, tanto que foi preciso fazer um intenso trabalho de recuperação das matas e rios depois de alguns anos de plantio.

A discussão em torno do impacto ambiental da monocultura da soja se agravou com o início do cultivo nas regiões do cerrado brasileiro, a partir do final dos anos 80. Segundo o cientista Charles Clement, do Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o agronegócio da soja acabou com o cerrado “sem saber o valor de sua biodiversidade e este foi um dos grandes crimes dos últimos vinte anos”.

A legislação ambiental é outro fator a prejudicar o cerrado, com proteção maior a áreas de floresta, de acordo com os especialistas ouvidos no rádio-documentário. De acordo com a lei em vigor, o produtor rural pode usar uma área três vezes maior, se for no cerrado, do que na floresta, onde quase 80% da propriedade precisam ser colocadas como área de proteção ambiental, e não podem por isso ser destinadas ao uso agrícola.

Apesar da proteção legal, o avanço da cultura da soja na Amazônia, a partir do Mato Grosso, é outra preocupação dos ambientalistas. A trajetória seguida até agora não tem sido das melhores, segundo o diretor do Instituto Emílio Goeldi, do Ministério da Ciência e Tecnologia, Peter de Toledo. Ele garante que está muito preocupado porque tem observado “bolsões na Amazônia que estão sendo desmatados devido à agregação que a soja está trazendo para a economia local”. Ele acha que isto provocará “um problema profundo”.

A presidente do GTA – Grupo de Trabalho Amazônico, Leide Aquino, que reúne mais de 500 organizações não-governamentais (ONGs) e associações ambientalistas, também participa do episódio “Impactos Sociais” no documentário “Soja, um grande negócio”. Ela é radicalmente contrária à chegada do cultivo da soja na Amazônia, embora já tenha se firmado em Mato Grosso, Rondônia e Roraima, por considerar que não é esta a sustentabilidade que defende para a região.

Outro a acompanhar com atenção os impactos ambientais provocados pela monocultura da soja por onde ela tem passado é o coordenador do ISA – Instituto Socioambiental, André Lima. Ele diz que não pode aceitar a conversão de áreas de “ecossistemas ricos em biodiversidade” em monocultura de soja que, segundo ele, “visa somente o ganho imediato sem qualquer análise da importância dessas áreas de floresta e de cerrado que estão sendo perdidas”. (Eduardo Mamcasz/ Radiobrás)

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  • Segundo um relatório da base de dados Trase, entre 2012 e 2017, por volta de 27% de todo o desmatamento no Mato Grosso ocorreu dentro de fazendas de soja – e 95% dessas ações foram ilegais.

  • Estima-se que mais de 80% da soja cultivada nas fazendas onde houve o desmatamento sem licença seguiu para mercados internacionais, principalmente China e União Europeia. O estado é o maior produtor e exportador da soja brasileira.

  • Para os pesquisadores, iniciativas como a Moratória da Soja, que reduziu o desmatamento na Amazônia, precisam ser levadas para o Cerrado, que perdeu 880 mil hectares no período do estudo.

  • O Mato Grosso é pioneiro em termos de transparência de dados, o que ajuda na formação de uma cadeia responsável de comércio.

Entre 2012 e 2017, por volta de 27% de todo o desmatamento em Mato Grosso ocorreu dentro de fazendas de soja – e 95% dessas ações foram ilegais. É o que aponta um relatório divulgado recentemente pela base de dados Trase.

Os pesquisadores detectaram que 80% do desmatamento ilegal ficaram concentrados em apenas 400 propriedades, 2% do total das fazendas de soja do estado. E 15 municípios foram palco de mais da metade da atividade criminosa. Segundo o relatório, 80% da soja produzida em fazendas com desmatamento ilegal seguiram para o exterior, com destaque para a China (46%) e a União Europeia (14%).

Além de mapear a extensão do problema nas fazendas, o estudo – uma iniciativa do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo e da Global Canopy em parceria com as ONGs Imaflora e Instituto Centro de Vida (ICV) – também avaliou as demandas globais da soja e definiu ações necessárias para minimizar impactos.

Eliminar o desmatamento é urgente neste “momento crucial para enfrentar as mudanças climáticas”, diz Paula Bernasconi, coordenadora do Programa de Incentivos Econômicos para Conservação do ICV. “Precisamos do esforço de governos, empresas, investidores, indústrias e demais envolvidos na cadeia de fornecimento de soja e outras commodities”, complementa.

Quais os impactos do plantio de soja para o meio ambiente no Brasil?
Desmatamento ilegal dentro das fazendas da soja em Mato Grosso entre 2012 e 2017, em milhares de hectares. Dados em vermelho indicam as áreas imediatamente convertidas em novas lavouras. Fonte: Trase

Muita soja, muito impacto

Mato Grosso é o maior produtor e exportador da soja brasileira – foram 32 milhões de toneladas em 2019. Mas o negócio não está dissociado de impactos ambientais.

Nas últimas duas décadas, o estado foi responsável por 16% do desmatamento total no Cerrado – nível mais alto entre os estados de ocorrência do bioma – e 31% na Amazônia. O Pantanal também sofre com a perda da cobertura florestal.

No total, contabilizando não apenas as áreas de soja, o relatório calcula 1,7 milhão de hectares desmatados em Mato Grosso no período 2012–2017, sendo 1,4 milhão em fazendas registradas – ou seja, inscritas no Cadastro Ambiental Rural e no Sistema de Gestão Fundiária. Ao ligar esses dados com informações espaciais sobre desmatamento, licenças oficiais emitidas pela Secretaria de Estado de Mato Grosso e fluxos de exportação, o estudo traçou um cenário dos impactos ambientais das fazendas de soja.

O Código Florestal Brasileiro permite que os proprietários desmatem uma área limitada de suas propriedades. Mas, para obter essa licença, eles têm que cumprir alguns requisitos: provar que não existem áreas abandonadas na fazenda, fazer pesquisas de campo para confirmar a presença de espécies ameaçadas e adotar medidas compensatórias se tais espécies forem encontradas.

Qualquer desmatamento que aconteça sem essa licença é ilegal. E, de acordo com o relatório do Trase, 97% dos 1,7 milhão de hectares desmatados entre 2012 e 2017 foram ilegais.

Quais os impactos do plantio de soja para o meio ambiente no Brasil?
Desmatamento total (não só em áreas de cultivo de soja) em Mato Grosso entre 2012 e 2017. Fonte: Trase.

Mercados internacionais

A China é o maior comprador da produção de Mato Grosso, um negócio que rendeu ao estado por volta de US$ 920 milhões em 2018. O relatório aponta que, naquele ano, quase um quarto das importações do grão no país asiático vieram da região (aproximadamente 11 milhões de toneladas), e 21% desse total teve origem em fazendas onde ocorre desmatamento ilegal.

O relatório mapeia que cerca de 75% das importações chinesas ligadas ao desmatamento ilegal vieram de apenas 15 municípios. Em alguns, incêndios florestais atraíram a atenção do mundo em 2019. Canarana, Paranatinga, Ribeirão Cascalheira e São Félix do Araguaia estão entre os dez municípios com maior número de incêndios em Mato Grosso em 2019. Entre as principais empresas exportadoras de soja para a China desses municípios em 2018 estão Bunge (21%), Cargill (15%), Amaggi (13%), Glencore (12%) e CHS (9%).

No mesmo período, a União Europeia importou cerca de 3,9 milhões de toneladas de soja de Mato Grosso (negócio de US$ 295 milhões), sendo possível conectar 19% deste total a fazendas que desmataram sem licença, a maior parte nos mesmos 15 municípios de histórico negativo.

Quais os impactos do plantio de soja para o meio ambiente no Brasil?
Principais destinos de soja cultivada em fazendas onde ocorreu desmatamento ilegal. A China é o maior mercado de exportação da soja brasileira e, consequentemente, o maior comprador de Mato Grosso. A União Europeia é o segundo mercado de exportação mais exposto à soja de fazendas com desmatamento ilegal. Dados de 2018. Fonte: Trase.

Ações necessárias 

O desmatamento não tem apenas impacto na biodiversidade e no clima. Ele gera conflitos sociais, como disputas por terras, crimes contra ativistas e violações de direitos de comunidades locais. E também incertezas econômicas: o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, por exemplo, que pode aumentar as exportações e importações brasileiras em mais de US$ 250 bilhões, está na berlinda por causa da política ambiental do governo federal na Amazônia.

Entre as iniciativas positivas de erradicação do problema, está o compromisso de desmatamento zero assumido por empresas, associações e outros setores do agronegócio. A Moratória da Soja é citada como um projeto que, apesar de suas lacunas, contribuiu bem para a redução do desmatamento na Amazônia. O relatório da Trase aponta a necessidade de levar essa iniciativa para o Cerrado, que perdeu 880 mil hectares entre 2012 e 2017 apenas no Mato Grosso.

Outras recomendações foram levantadas para importadores, exportadores, governos, organizações e sociedade civil: solicitar que as empresas criem mecanismos para demonstrar que estão comprando soja cultivada em fazendas em total conformidade com as leis; que governos internacionais introduzam regulamentos para mitigar riscos de importações vinculadas ao desmatamento ilegal; e que os governos federal e estaduais fortaleçam e cumpram o Código Florestal e seus mecanismos, assim como elaborem políticas para erradicar o desmatamento criminoso, a apropriação de terras e os conflitos fundiários.

A transparência na cadeia do negócio pode ajudar os compradores a identificar onde estão os maiores riscos e evitar tais transações.

Quais os impactos do plantio de soja para o meio ambiente no Brasil?
Mato Grosso produz 28% da soja brasileira, em lavouras que cobrem por volta de 10 milhões de hectares – uma área maior do que Portugal. Em 2019, o estado produziu 32 milhões de toneladas do grão.  Foto: Walbron Siqueira/CC BY-NC-ND.

O relatório aponta a soja como uma commodity cujos grãos são, geralmente, misturados para armazenamento, processamento e transporte. Desse modo, pequenos volumes associados ao desmatamento ilegal podem contaminar toda a rede de suprimentos. Tal característica dificulta diferenciar a soja produzida de forma sustentável àquela ligada ao desmatamento.

Para a coordenadora do ICV, Paula Bernasconi, as empresas também precisam se comprometer a monitorar seus fornecedores para garantir aos consumidores alimentos livres de desmatamento e em conformidade com as leis ambientais.

“Mato Grosso é pioneiro em termos de transparência de dados”, diz Paula. “Outros estados do Brasil e outros países da América do Sul devem tomar isso como exemplo. A transparência das informações é crucial para permitir o monitoramento da rede de suprimentos”, completa.

Imagem do banner: Colheita de soja em Mato Grosso. Foto: Rodrigo Vargas/ICV.

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Quais os impactos negativos da crescente produção de soja no Brasil?

Assim, com o aumento da produção agrícola acarretada pelo maior incentivo do governo, a área plantada também se elevou, ocasionando um aumento do desmatamento e, com ele, danos ao meio ambiente.

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Quais os impactos causados pelo avanço da soja na Amazônia?

Durante o ciclo da soja o impacto médio encontrado representou uma redução 17,9% no saldo de radiação em relação ao ecossistema de floresta natural. Durante a entressafra observou-se um impacto negativo no saldo de radiação de 15,5%.

O que a soja faz com o solo?

O aumento da camada vegetal otimiza a infiltração de água no solo diminuindo a ocorrência de erosões. Outra vantagem é o aumento do teor de matéria orgânica, que favorece o desenvolvimento de bactérias fixadoras de nitrogênio, importantes para as plantas que, sozinhas não conseguem fazê-la.