Leonardo Cavalcanti, Claudia Dianni, Luiz Calcagno Show postado em 29/07/2019 06:00 Brasília, São Paulo e Manaus ; Há um caminho pouco ou nada explorado no Brasil. São mais de 41.000km de hidrovias mal aproveitadas para o transporte de cargas e de passageiros. A inversão de políticas públicas ao longo das últimas décadas leva o país a atrasar o desenvolvimento econômico, emitir mais gases de efeito estufa, ficar refém da insegurança e perder dinheiro. Tais fatores poderiam ser reduzidos caso houvesse um equilíbrio entre as modalidades e os veículos rodoviários, aeroviários e ferroviários. Ao longo do último mês, a reportagem do Correio visitou trechos de hidrovias nacionais e conversou com passageiros, marinheiros, comandantes, ambientalistas, empresários de pequeno e médio portes ; ligados ou não a entidades sindicais ;, acadêmicos e autoridades estaduais e federais. O resultado é um desenho de caminhos mal traçados e das contradições de um país. O esboço começa no próprio orçamento para o setor. Dados dos últimos 10 anos mostram o desequilíbrio entre os modais. Os números revelam que o orçamento para as hidrovias não chegam a 3% do estabelecido para as rodovias, segundo números da Confederação Nacional da Indústria (CNI) a partir de dados da Associação Contas Abertas. ;Investimos muito pouco em hidrovias. É importante dizer que não defendemos restrições a outros modais, mas um balanceamento melhor;, diz Matheus de Castro, especialista em infraestrutura da CNI. ;A navegação apresenta um número de acidentes menor, menos poluentes e uma capacidade de transporte vantajosa.; A série de reportagens iniciada hoje apresenta o desafio de aprofundar o debate sobre as hidrovias, revelando inclusive eventuais danos ambientais caso não se tenha maiores cuidados na implementação. Se falta dinheiro, sobram problemas. Nas 12 regiões hidrográficas que compõem a malha hidrográfica brasileira há pirataria, brigas com hidrelétricas e toda a sorte de percalços. Em Barra Bonita, cidade a 300km da capital paulista, onde é possível navegar por um dos trechos da hidrovia Tietê-Paraná, o Correio presenciou a euforia de turistas com o transporte pelo rio, mas constatou o lamento de marinheiros com o descaso da infraestrutura, principalmente na manutenção de sinalizações. Ali funciona uma das eclusas ; espécie de elevador de águas para barcos ; inaugurada em 1973. Ao longo do curso de 2.400km, há outras quatro delas. NorteNo Amazonas, o transporte de cargas para exportação e a chegada de navios de outros países com produtos importados se mistura com pequenos e médios empresários. Estes, por sua vez, carregam víveres e outros produtos, para abastecer a população ribeirinha do maior estado do Brasil, além de passageiros portando bagagens e redes para atar sob o convés durante as várias noites que passam entre rios e a Floresta Amazônica. Não à toa, a região é responsável por 62,9 milhões de toneladas dos 101,5 milhões transportados em todo o ano de 2018. Em Manaus, na região central, também conhecida como Manaus Moderna, o acesso aos barcos do Rio Negro se dá por meio de balsas. Ao longe, se vê empurradores e barcaças transportando toneladas de grãos, minérios, milhares de litros de combustível e outros produtos, enquanto uma profusão de outras embarcações de diversos tamanhos, cores e nomes disputam espaço e recolhem ou desovam cargas e passageiros em balsas enferrujadas e presas à orla. Em algumas delas, o acesso se dá por tábuas. Em outras, não é possível entrar com os calçados secos. Carregadores levam colchões, eletrodomésticos, frutas e caixas, em meio a quiosques, vendedores e viajantes acompanhados de familiares. Há música em todo local e, de tempos em tempos, ouve-se o apito de um veículo que parte pelo rio. Quando o clima afeta as navegaçõesA hidrovia é o modal mais sensível aos efeitos das mudanças climáticas. Isso porque, para permitir que as embarcações naveguem, é preciso um nível mínimo de água nos rios, que diminui nas estiagens prolongadas, causando conflitos pelo uso da água entre a navegação e a produção de energia ou entre outros usuários. Foi o que aconteceu na hidrovia dos rios Tietê-Paraná, quando a crise hídrica levou ao fechamento da hidrovia por quase dois anos entre 2014 e 2015, causando prejuízos ao setor de navegação e ao agronegócio. O rio São Francisco possui 1.300km navegáveis. Durante a seca, entre Pirapora e Juazeiro (BA), embarcações encalham em bancos de areia devido à redução do volume d;água. O transporte por rodovias, lembra o biólogo Alcides Faria, da ONG Ecologia e Ação (Ecoa), também fica prejudicado quando há paralisação de caminhoneiros. ;Não dá para colocar todas as fichas em um único modal. É preciso diversificar.; Para ele, a hidrovia que vale a pena é a chamada ;hidrovia limpa;, ou seja, aquela que não muda o curso natural do rio e que não necessita de dragagens constantes para remover sedimentos acumulados. ;O que é uma porta aberta para excesso de gastos públicos e corrupção;, afirma. Ele cita o exemplo da hidrovia do Paraguai, com cerca de 600km, mas com projeto de ampliação para mais de 1,2 mil km para chegar até Cárceres (MT), passando pelo Pantanal, um ecossistema muito sensível. ;Quando a hidrovia tem que destruir as condições naturais do rio, retirar as curvas, que controlam a velocidade da água, isso muda a vazão do rio, arrasta sedimentos de fundo, prejudica a reprodução dos peixes, entre outros efeitos negativos;, afirma. Ele conta que, quando o Pantanal está cheio, de dezembro a maio, a navegação entre Corumbá até o rio da Prata é perfeita. É lá que a Vale transporta minério nesse período. Depois de abril, o rio fica baixo e a navegação deve ser adaptada. Já no Norte, entre o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, onde está localizado o Parque Nacional e a Estação Ecológica Taiamã, é uma região muito alagada. O Pantanal é uma grande depressão, localizada na bacia do Alto Paraguai, com uma elevação na borda onde passa a Ferronorte, paralela a hidrovia. Para ele, a extensão da hidrovia para o Norte do Pantanal seria uma redundância ruim, com desastroso impacto ambiental. ;Lá, para ter navegação, conforme o projeto, é preciso retificar e dragar o rio Paraguai, o que seria um desastre ambiental, pois causaria o desaparecimento da fauna;, lamenta. O projeto original da hidrovia previa tornar a região navegável para embarcações de até 3,3m de calado, em uma extensão de 3,4 mil km de Cárceres (MT) a Nueva Palmira, no Uruguai. A Bolívia se ligaria à hidrovia por meio do canal do Tamengo, em Corumbá (MT), mas com os estudos de impacto ambiental e o contingenciamento de recursos, está parado.
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