Em que sentido a revolução causada por Kant no ambiente da filosofia pode ser comparada à causada por Copérnico na astronomia?

1 UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CÂMPUS DE FREDERICO WESTPHALEN PRO-REITORIA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO A REVOLUÇÃO COPERNICANA KANTIANA COMO METÁFORA PARA SE PENSAR A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DO SUJEITO QUE APRENDE FREDERICO WESTPHALEN 2013

2 FERNANDO BATTISTI A REVOLUÇÃO COPERNICANA KANTIANA COMO METÁFORA PARA SE PENSAR A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DO SUJEITO QUE APRENDE Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre, pelo Curso de Pós- Graduação em Educação: área de Concentração Formação de Professores e Práticas Pedagógicas, Departamento de Ciências Humanas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Frederico Westphalen. Orientador: Prof. Dr. Arnaldo Nogaro FREDERICO WESTPHALEN 2013

3 AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida e força para continuar lutando pelos meus sonhos. Aos meus pais, pelo amor, dedicação e exemplo de vida que sempre inspiram minha luta diária, por mais adversidades que existiam. A meu orientador Arnaldo Nogaro, pelo apoio e incentivo que foram essenciais para a construção dessa dissertação, bem como, todos os professores desse programa de Mestrado em Educação. A instituição URI, pela oportunidade de poder estar crescendo pessoalmente e profissionalmente. A minha esposa Marcieli, pela constante força, dedicação e motivação nas atividades profissionais. A meu irmão Fabio, por sempre ter me dado forças para minhas conquistas profissionais e pessoais.

4 3 PENSAMENTO Não se ensina Filosofia, se ensina a Filosofar. (KANT)

5 4 RESUMO A presente dissertação tem por objetivo identificar como se constitui a autonomia do aluno com relação à construção do conhecimento tendo como referência a Revolução Copernicana Kantiana. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, exploratória, com enfoque qualitativo. Pretende-se trazer à baila, como analogia, a teoria de Kant, para enfocar a relação pedagógica professor-aluno no processo educativo, procurando demonstrar a necessidade de uma reorientação de perspectiva, na qual o aluno passe a ser e agente que controla e adquire o conhecimento. A pedagogia tradicional tem centrado a perspectiva do processo pedagógico no professor como elo nuclear e determinante da aprendizagem e o aluno como indivíduo passivo e receptor, no entanto, de acordo com a perspectiva da reorientação kantiana torna-se fundamental que o aluno assuma a autonomia de seu lugar, enquanto sujeito do conhecimento, e o professor passe a se constituir como mediador entre ele e o saber a ser adquirido, uma vez que conhecer é um atributo de cada indivíduo, uma especificidade sua, podendo este ser motivado, orientado, mas em hipótese alguma, assumir seu lugar. O texto está estruturado em quatro seções: A Revolução Copernicana e sua repercussão no campo do conhecimento; Antecedentes da revolução filosófica proposta por Kant; As contribuições da Revolução Copernicana Kantiana para a teoria do conhecimento moderno e, na última seção, A Revolução Copernicana Kantiana e as transformações educacionais. Portanto, esta pesquisa demonstra o impacto da revolução copernicana, que sugere uma reorientação de direção e do entendimento a respeito do papel do sujeito em relação ao conhecimento e aos processos de ensino e aprendizagem, instituindo uma nova condição para o aluno em relação à sua autonomia como sujeito que aprende. Palavras-Chave: Revolução Copernicana kantiana. Construção do conhecimento. Sujeito ativo.

6 5 ABSTRACT The objective of this dissertation aims to identify as it is the student's autonomy in relation to the construction of knowledge with reference to the Kantian Copernican Revolution. This is a bibliographic research, exploratory qualitative approach. It is intended to bring to the fore, as an analogy, Kant's theory to focus on the pedagogical relationship teacher-student in the educational process, seeking to demonstrate the need for a reorientation of perspective, in which the student pass to be and agent that controls and acquires knowledge. Traditional pedagogy has focused perspective of the teacher in the educational process as a link and nuclear determinant of learning and the student as an individual passive and receiver, however, according to the perspective of Kantian reorientation becomes essential for students to assume the autonomy of their place as a subject of knowledge and the teacher pass to be constituted as a mediator between him and the knowledge to be acquired, since knowing is an attribute of the individual, their specificity, and may be motivated, driven, but in no case take your place. The text is divided into four sections: The Copernican Revolution and its impact in the field of knowledge, history of philosophical revolution proposed by Kant, the contributions of Copernican Revolution to the Kantian theory of modern knowledge and in the last section, the Copernican Revolution and the Kantian educational transformations. Therefore, this research demonstrates the impact of the Copernican revolution, which suggests a shift of direction and understanding about the role of the subject in relation to knowledge and the processes of teaching and learning by establishing a new condition to the student regarding their autonomy as subject learning. Keywords: Kant's Copernican Revolution. Construction of knowledge. Active subject.

7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO A REVOLUÇÃO COPERNICANA E SUA REPERCUSSÃO NO CAMPO DO CONHECIMENTO ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO FILOSÓFICA PROPOSTA POR KANT SITUANDO O PENSAMENTO DOS RACIONALISTAS EMPIRISTAS AS TEORIAS RACIONALISTA E EMPIRISTA E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO AS CONTRIBUIÇÕES DA REVOLUÇÃO COPERNICANA KANTIANA PARA A TEORIA DO CONHECIMENTO MODERNO A REVOLUÇÃO COPERNICANA KANTIANA E AS TRANSFORMAÇÕES EDUCACIONAIS TEORIA TRADICIONAL DE ENSINO A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A PARTIR DA AÇÃO DO SUJEITO NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS... 75

8 INTRODUÇÃO A importância do pensar filosófico provém desde os primórdios da civilização humana até a atualidade. Desde a Grécia antiga, os primeiros filósofos problematizaram questões importantes para a evolução do pensar. A filosofia pode estar transitando nas diferentes áreas do saber e protagonizando reflexões nas diferentes épocas da história humana. Sendo assim, tais construções sempre tiveram uma repercussão social, política e cultural através da atividade de questionar e investigar as questões que envolvem a vida humana, nas suas diferentes concepções. Pode-se dizer que, atualmente, está-se resgatando a necessidade do espaço de debate e reflexão crítica, não somente no ambiente acadêmico, mas também nos diferentes setores sociais, como empresas, instituições sociais e centros de estudo e pesquisa. Tais fatores são reflexos da importância das questões filosóficas nos diferentes ambientes em que o ser humano está inserido. A filosofia, assim, não é entendida apenas como uma visão da vida, pois procura desenvolver uma perspectiva compreensiva do universo e uma abordagem holística dos seres humanos, de sua natureza essencial e dos limites de suas capacidades e, em especial, na construção da cognição a partir do ato de aprendizagem. Dentre estas discussões, tem-se a reflexão filosófica do ensino, como um debate proveniente das estruturas que repercutem na história do ensino-aprendizagem, na formação dos professores, no processo educacional da cultura contemporânea e, em especial, na teoria da construção do conhecimento. Perpassa aqui, a reflexão de que os estudos sistemáticos do ser humano, nas questões voltadas para o processo do conhecimento, foram feitos em longa escala, pelas várias teorias criadas ao longo da história da civilização humana sobre a questão gnosiológica. Inicialmente com filósofos clássicos como Sócrates, Platão e Aristóteles, muito se discutiu sobre esse evento que pauta a vida humana: o conhecimento. Entretanto, na modernidade, um filósofo chamado Immanuel Kant 1 contribui significativamente para os estudos filosóficos acerca do entendimento do processo do ato de conhecer. 1 Imanuel Kant ( ) foi o pensador mais significativo da época moderna: realizou na filosofia uma revolução que ele próprio equiparou, em virtude de sua radicalidade, à revolução realizada por Copérnico na astronomia (REALE, 2003).

9 8 Nesse sentido, pesquisar sobre a teoria do conhecimento, do filósofo Immanuel Kant, e a sua proposição denominada Revolução Copernicana, configura-se pela busca de entendimento e avanço na questão epistemológica contemporânea, ao mesmo tempo em que cabe interrogar sobre quais as relações possíveis com as teorias da aprendizagem atuais. Entender como o filósofo Kant, pensador característico do período moderno, por meio de sua teoria do conhecimento, foi fundamental às problemáticas pertinentes no referido contexto filosófico e, em especial, na busca de solução do problema do conhecimento, é essencial para o estudo aqui apresentado. Sendo assim, pode-se formular o problema investigativo da pesquisa em torno da questão: que sentido e exigência pedagógica estão implícitos no conteúdo da revolução copernicana kantiana? E como objetivo dessa construção, a perspectiva de identificar: como se constitui a autonomia do aluno no tocante ao conhecimento, tomando-se como referência a Revolução Copernicana Kantiana. Quanto à perspectiva metodológica, esta pesquisa dissertativa, em sua construção, terá caráter bibliográfico e, como fio condutor, o enfoque qualitativo e hermenêutico. Entende-se por hermenêutico, a pesquisa pautada na interpretação filosófica das obras de Kant, Copérnico e autores da educação que contribuem para essa perspectiva de ver a Revolução Copernicana Kantiana metaforicamente no contexto educacional. Com referência à hermenêutica, Gadamar (1990, p. 170) explicita: A disciplina clássica, que se ocupa da arte de compreender é a hermenêutica [...] A compreensão deve ser entendida como parte da ocorrência de sentido, que se formula e se realizar o sentido de todo o enunciado, tanto dos da arte como dos de qualquer outro gênero de tradição. Quanto à pesquisa qualitativa, esta se elabora através de materiais já publicados sobre a questão do conhecimento. Dessa forma, a pesquisa aqui intitulada A Revolução Copernicana Kantiana como metáfora para se pensar a construção da autonomia do sujeito que aprende procura, em um primeiro momento, entender a Revolução Copernicana Kantiana para, posteriormente, compreender as possibilidades de construção da autonomia do aluno através do rompimento da visão tradicional de aprendizagem. Como objetivos dessa pesquisa têm-se: a identificação da relação existente entre a teoria Kantiana com a perspectiva da construção de autonomia do aluno, a concepção de Revolução Copernicana Kantiana e das possibilidades de construção da autonomia do aluno como rompimento da visão tradicional de aprendizagem. Bem como, a demonstração da importância da autonomia do aluno na aquisição de conhecimento na sociedade contemporânea e o significado da teoria Kantiana para o entendimento da visão de conhecimento como construção do estudante.

10 9 Dentre as questões norteadoras desse estudo dissertativo será buscado compreender as possibilidades de construção da autonomia a partir da contribuição Kantiana, concepção de Revolução Copernicana Kantiana, bem como, quais as possibilidades de identificar a revolução Copernicana Kantiana com a construção da Autonomia no Estudante, e a contribuição de Kant para o entendimento das questões contemporâneas relacionadas à aprendizagem. Na tentativa de elucidação do problema proposto neste trabalho, que será apresentado ao longo de quatro seções: A Revolução Copernicana e sua repercussão no campo do conhecimento, antecedentes da revolução filosófica proposta por Kant, as contribuições da Revolução Copernicana Kantiana para a teoria do conhecimento moderno e, a Revolução Copernicana Kantiana e as transformações educacionais. A compreensão do posicionamento e também da mudança que Kant, ou melhor, de sua reflexão quanto à perspectiva do modo de encarar o processo do conhecimento, são questões pertinentes e necessárias ao aperfeiçoamento e crescimento intelectual humano, mais ainda, no que concerne ao estudo da educação e suas tendências pedagógicas. Com relação às problemáticas filosóficas e sua relação com as outras formas do saber, se atentará à necessidade de visualizar o processo do conhecimento em sua totalidade. A pesquisa em torno da Revolução Copernicana Kantiana e sua relação com as tendências pedagógicas e a construção da autonomia do sujeito que apreende, parte de uma contextualização histórica pautada da perspectiva de análise da revolução da maneira de ver a construção dos saberes e do ensino. No contexto deste estudo, também é importante ressaltar que Kant foi propositor no pensamento da época moderna, por meio de sua Teoria do Conhecimento, de uma revolução de pensamento e de pressupostos filosóficos denominada de Revolução Copernicana Kantiana. Sobre essa perspectiva, Kant afirma: [...] Trata-se aqui de uma semelhança com a primeira idéia de Copérnico; não podendo prosseguir na explicação dos movimentos celestes enquanto admitia que toda a multidão de estrelas se movia em torno do espectador, tentou se não daria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar os astros imóveis (KANT,2001, BXVII). Nesse sentido, a tomada de posição de Kant pode ser vista como uma revolução, que neste caso, é voltada para a questão da mudança na forma de ver o processo do conhecimento humano. É importante destacar, ainda, o sentido de revolução como transformação, mudança

11 10 de direção. Isto é, a perspectiva de ver o significado de revolução, é de visualizar as mudanças de sentido através das teorias filosóficas, científicas e educacionais para este ensaio filosófico. Desta forma, as interrogações acerca de como foi se dando essa caracterização da revolução de pensamento em Kant, assim como o modo que vai acontecendo essa similitude com Copérnico, são indagações pertinentes e pano de fundo da discussão aqui apresentada, referente à construção da autonomia do sujeito. No plano de estudo da educação, o contexto desta pesquisa é permeado pela interrogação a respeito da construção da autonomia do sujeito, da análise das perspectivas pedagógicas e de suas implicações educacionais. É notória a necessidade de arguir e refletir no contexto educacional sobre o ensino e a aprendizagem no que concerne ao que pode ser chamado de essência do ato de ensinar e aprender, no que diz respeito à autoria e autonomia do sujeito na construção e produção do conhecimento. A problemática do conhecimento, tratada por Kant, reorientada pela perspectiva do enfoque epistemológico que sai do objeto e se situa na importância, também do sujeito, no ato cognitivo, fundamenta as teorias da aprendizagem contemporâneas que identificam a aquisição do conhecimento como algo intrínseco à capacidade e à vontade do aprendente. Nesse sentido, norteia-se a pesquisa na perspectiva de entender em que termos a Revolução Copernicana é condição de possibilidade da autonomia pedagógica do sujeito. Com relação às concepções pedagógicas, é importante ressaltar que a educação que busca a humanização deve voltar seu olhar para a importância da relação dialógica, isto é, de uma construção no processo de aprendizagem, também pautada pela valorização da construção que o educando tem ao longo de sua vida. Ou seja, este busca vislumbrar uma perspectiva dinâmica com um olhar que envolva os conhecimentos do educador, além da construção que o estudante tem na sua vida; problemáticas a serem desenvolvidas ao longo dessa construção dissertativa.

12 11 2 A REVOLUÇÃO COPERNICANA E SUA REPERCUSSÃO NO CAMPO DO CONHECIMENTO Diante da efervescência de ideias presentes na construção da ciência moderna, demarcando um período de reconstrução do saber filosófico e também de grande avanço ao conhecimento científico, pode-se afirmar que várias foram as rupturas de pensamento em diversas áreas do conhecimento nessa época. Com as transformações ocorridas na Europa a partir dos séculos XV e XVI, a evolução dos pressupostos da ciência moderna e novas maneiras de entender o mundo, senão apenas pela perspectiva teocêntrica, foram se constituindo inovações e invenções científicas que marcaram esse momento da história humana. Dentre as inovações e transformações do início da modernidade, a passagem da teoria geocêntrica para a teoria heliocêntrica provocou, na astronomia moderna, uma revolução radical e marcante em toda história do pensamento humano. Não conceber mais a terra como o centro do universo mudou significativamente as concepções sociais, políticas, econômicas, culturais e religiosas dessa época e dos rumos da humanidade. Logo, a proposta de conhecer a teoria de Nicolau Copérnico 2, em que pese: a Revolução Copernicana na astronomia norteia a proposta de visualizar as contribuições dessa reviravolta na maneira de ver os astros, que representou uma quebra de paradigmas científicos. Sobre a construção da Revolução Copernicana é essencial destacar, em tempo, que esta tem, no âmago de sua constituição, o desafio do contexto histórico em que Copérnico viveu, que ainda tinha de forma clara as amarras da época medieval e a tradição geocêntrica marcante na estruturação das teorias filosóficas e científicas. Fernanda Cury, discorre sobre o assunto: [...] a tradição aristotélico-ptolomaica, no final da Idade Média pouco se ocupou da Astronomia planetária, ou seja, do estudo dos movimentos dos planetas. Essa omissão se devia à dificuldade com relação aos textos matemáticos e à sua complexidade (CURY, 2003, p. 67), Nicolau Copérnico não conseguia resolver alguns problemas pertinentes nas suas observações científicas, relativos às questões astronômicas, referentes à posição dos astros no 2 Nicolau Copérnico: O polonês Nicolau Copérnico ( ) nasceu às margens do Vístula e ocupou seu tempo estudando direito canônico e astronomia. Nos setenta anos de vida de Copérnico, a humanidade viveu seus períodos mais excitantes: Colombo descobriu novas terras, Magalhães circunavegou a Terra, Vasco da Gama chegou pelos mares á Índia, Lutero fez a Reforma, Michelangelo brilhou nas artes, a medicina, com Paracelso e André Vesálio, teve suas bases definidas; e Leonardo da Vinci foi a Síntese da genialidade (CHASSOT, 2004, p. 137).

13 12 universo, e acabou por inverter a visão do posicionamento da terra na estruturação da astronomia, que até então mantinha a terra como eixo central do universo e os outros astros à sua volta. A teoria de Copérnico, dessa forma, retirou a terra como o centro do universo e introduziu o sol como astro central, deixando-a como um dos planetas periféricos que circundavam o sol. Essa mudança de enfoque foi se constituindo como a Revolução Copernicana, que é exposta pelo autor da seguinte maneira: A revolução foi descrita por Nicolau Copérnico na Introdução do seu livro Das revoluções dos orbes celestes (1543) como a hipótese que põe a Terra em movimento e um Sol imóvel no centro do universo. Tentou explicar as aparências de movimento planetário substituindo uma estrutura explanatória ptolomaica geocêntrica por uma heliocêntrica, embora mantendo a maquinaria ptolomaica de epiciclos e movimentos celestiais circular (CAYGIL, 2000, p. 282). Chassot (1994), com relação a essa construção da Teoria Copernicana, também vai caracterizar a mudança de enfoque na astronomia como a grande virada. Em Copérnico, pode ser encontrada uma explicitação a respeito dessa nova perspectiva astronômica e da teoria Heliocêntrica, na qual o autor faz uma síntese de sua concepção do universo, cuja mudança fundamental é colocar o sol como o centro do universo, e não a terra: A mais distante de todas é a esfera das estrelas fixas, que contém todas as coisas e por isso mesmo é imóvel; em verdade, é a moldura do universo, à qual são referidos o movimento e a posição de todos os outros astros. Embora alguns homens julguem que se move de algum modo, nós apontamos outra razão para que ela pareça fazê-lo em nossa teoria do movimento da Terra. Dos corpos móveis, vem em primeiro lugar Saturno, que completa seu circuito em trinta anos. Depois dele, Júpiter, movendo-se numa revolução de doze anos. A seguir, marte, que gira bienalmente. Quarto, em ordem, ocorre um ciclo bienal em que dissemos estar contida a Terra, com órbita lunar, como epiciclo. Em quinto lugar, Vênus efetua uma volta em nove meses. Enfim, Mercúrio ocupa o sexto lugar, circulando num espaço de noventa dias. No meio de tudo reside o SOL (COPERNICO apud CHASSOT, 1994, p. 97). Essa revolução ocorrida na Astronomia é paradigmática, pois proporciona uma mudança de pressupostos da tendência do Geocentrismo 3 para o Heliocentrismo, 4 instituindose como marco fundamental a toda concepção astronômica moderna. Reale ( 1990), escreve a respeito da importância dessa nova tomada astronômica, e sobre seus reflexos no campo da maneira de idealizar o mundo, quando afirma: 3 Geocêntrismo: Teoria que colocava a terra como o centro do universo. 4 Heliocentrismo: formulação feita a partir de Nicolau Copérnico que coloca na concepção astronômica, o sol como o centro do universo e não mais a terra como tradicionalmente se afirmava.

14 13 Em suma, a revolução copernicana foi também revolução no mundo das ideias, a transformação de ideias inveteradas que o homem tinha do universo, de sua relação com ele e do seu lugar nele. Nos dias de hoje, nada nos parece mais distante da nossa ciência que a visão do mundo de Nicolau Copérnico. E, no entanto, sem a concepção de Copérnico, nossa ciência nunca teria existido (REALE, 1990, p. 212). Dessa forma, Copérnico influencia de maneira direta, possibilitando um avanço científico e instigando a retomada dos estudos astronômicos, pelo fato de seus reflexos serem perceptíveis em diferentes áreas do saber, acabando por desmantelar concepções tradicionais (geocentrismo) da época, que até então eram tidas como imutáveis e válidas pelo poder da autoridade e não da demonstração científica 5. Em Reale (1990, p. 212), encontram-se comentários sobre a Revolução Copernicana: Na realidade tendo situado o sol ao lugar da terra no centro do mundo e tendo afirmado que é a terra que gira ao redor do sol e não ao contrário, Copérnico recolocou em movimento a pesquisa astronômica. Isto é, percebe-se que a Revolução Copernicana abrange diferentes áreas do saber e da sociedade da época, sendo para a astronomia, início de novas perspectivas e olhares científicos. Deste modo, com Copérnico, o mundo terá um legado científico propulsor e revolucionário, sem o qual muitas amarras marcantes da época não teriam sido quebradas, como, a título de exemplo, a autoridade religiosa, que era considerada mais eficaz que a possibilidade de demonstração científica. Destarte, como Copérnico chega à construção da Revolução Copernicana? Pode-se dizer que o marco inicial das grandes alterações do pensamento astronômico e cosmológico do século XVI a chamada Revolução Copernicana, foi a publicação, em 1543, do De Revolutionibus. Para Cury (2003, p. 97): Essa obra é um texto complexo e, com exceção do primeiro livro introdutório, é demasiadamente matemático para ser compreendido por quem não tenha um bom conhecimento astronômico. Ainda segundo Cury, 2003: Parece que Copérnico começou a redação do De revolutionibus orbium coelestium em 1515, em Frombork. Na obra De revolutionibus ele descreve os instrumentos empregados por Ptolomeu e sua inovação científica com relação a estes instrumentos (CURY, 2003, p. 90). 5 Essa maneira de entender a perspectiva anterior a Copérnico é vista como a autoridade clerical da época, que não possibilitava novas teorias que fossem contra a perspectiva geocêntrica. Isto é, com Copérnico as pesquisas científicas serão impulsionadas por um novo universo de possibilidades de métodos possíveis de entender a astronomia, que até então estava paralisada pela impossibilidade das comprovações científicas terem seu espaço constituído.

15 14 De acordo com a mesma autora, pelo menos dois instrumentos foram criados pelo próprio Copérnico: O primeiro deles o quarto de círculo foi projetado para medir a altura do Sol no plano de meridiano, ou seja, o ângulo que a direção do sol faz com a linha do horizonte, no momento em que uma pela quadrada, plana, de pedra ou de metal, de cujo centro erguia-se uma haste e ao redor da qual estava traçado um quarto de círculo, dividido em graus de 0º a 90º, como num transferidor. A sombra da haste, produzida pelos raios solares, projetava-se sobre o circulo graduado, onde era possível ler o valor do ângulo, que era, na realidade, a altura meridiana do Sol acima do horizonte (idem, p.71-72). Sobre esse primeiro instrumento construído por Copérnico e presente em sua obra De Revolutionibus, orientava importantes resultados na Astronomia que dependiam da medida desse ângulo ao longo do ano 6. Com relação ao segundo instrumento construído e utilizado por Copérnico para as observações dos corpos celestes, conforme a autora, tem-se o triquetum: [...] usado para medir a altura dos corpos celestes em qualquer ponto do céu. Ele consistia de três réguas de madeira, duas delas com 3.66 metros de comprimento e uma terceira, fixada verticalmente, que apontava para o Zênite, diretamente acima do observador. Uma dessas duas réguas, ligada por um pino à vertical, podia ser apontada para um alvo no céu, estabelecendo, assim, ângulos variáveis. A outra, através de um sistema de orifícios graduados, onde era possível introduzir uma haste, permitia fixar a régua que media o ângulo ao apontar para o corpo celeste. A leitura tornava-se possível a determinação do ângulo que correspondia ao valor da altura do objeto celeste visado (CURY, 2003, p.72). Tendo presente os dois instrumentos descritos acima como criações de Copérnico, percebe-se sua expressiva contribuição aos estudos científicos de sua época, sendo possível destacar que essa releitura feita por Copérnico em sua obra De revolutionibus trouxe inúmeras transformações ao cenário da ciência moderna, marcos iniciais da posterior Revolução Copernicana. Tanto o primeiro quanto o segundo instrumento, pautam novas observações no campo científico daquele período histórico, ou seja, mesmo ainda não tendo feito o que seria uma revolução na astronomia moderna, Nicolau Copérnico, já davam passos significativos para as análises científicas que eram beneficiadas pela melhor observação astronômica proporcionada por ele. Em relação à estrutura geral da obra de Copérnico e a importância desta para a elucidação da Revolução Copernicana, é importante ressaltar que: 6 Cury ( 2003).

16 15 No seu primeiro e fundamental De Revolutionibus, Copérnico defende as seguintes teses: 1) O mundo deve ser esférico; 2) A Terra deve ser esférica; 3) Com a água a Terra forma uma única esfera; 4) O movimento dos corpos celestes é uniforme, circular e perpétuo ou então composto de movimento circulares; 5) A terra se move em um circulo orbital; 6) Comparados a dimensão da Terra é enorme a vastidão dos céus; O capítulo 7 discute as razões pelas quais os antigos consideravam que a Terra estava imóvel no centro do mundo. A insuficiência de tais razões é demonstrada no capítulo 8; O capítulo 9 discute de é possível atribuir mais movimentos a terra e fala do centro do universo. Por fim o capítulo 10 é dedicado à ordem das esferas celestes (REALE, 1990, p. 225). Conforme se apreende em De Revolutionibus, Copérnico explicita ordenadamente a tentativa de elucidação heliocêntrica. Também é importante destacar que essa obra: [...] relatou 27 observações que teriam sido efetuadas por ele. [...] Essas observações referem-se a eclipses lunares e à elevação da Lua acima do horizonte, a ocultação de estrelas pela Lua e a posições de planetas em relação às estrelas. Com base nessas observações Copérnico construiu sua teoria do movimento planetário (CURY, 2003, p. 70). Sobre a obra De Revolutionibus, de Copérnico, no Livro I, a autora expressa: Copérnico descreve a estrutura geral do Universo e desenvolve os argumentos para provar que o Sol estava fixo no centro, em redor do qual a Terra girava como planeta. É na introdução desse primeiro Livro que Copérnico coloca seu elogio à Astronomia, a rainha das ciências (CURY, 2003, p. 90). Há o esforço de Copérnico em tirar a Terra como centro das teorias científicas. Essa mudança de enfoque não muda apenas a maneira de entender os astros, mas sim, toda a cultura pautada também na ideia de que o homem estava no centro do universo. No Livro I, Copérnico tenta provar que a terra era redonda, a infinitude do céu em relação à terra, já no capítulo 10 afirma a nova ordem dos corpos celestes: Copérnico explica a nova ordem dos corpos celestes. Todas as dificuldades desaparecem quando, conforme a doutrina de Martianus Capella, faz-se Mercúrio e Vênus girarem ao redor do Sol, o primeiro numa órbita menor do que a do segundo. Se fizermos Marte, Júpiter, Saturno girarem ao redor do Sol, será mais fácil entender por que estes planetas, mais afastados que aqueles, se elevam alto no céu (CURY, 2003, p. 93). A partir das proposições acima citadas, Copérnico possibilitará a grande revolução, pela qual suas proporções serão em diferentes esferas da ciência e da sociedade moderna, ademais de discussões e estudos astronômicos em torno da descentralização da ideia da terra como o eixo central do universo. Entretanto, não se pode observar a revolução astronômica estritamente do ponto de vista científico. Entendê-la desse modo seria fechar os olhos para a abrangência que esta teve

17 16 nos seus diferentes âmbitos. A reviravolta provocada por Copérnico vai além da esfera científica quando possibilita a reflexão gnosiológica na questão da construção do conhecimento, além da perspectiva de se chegar ao conhecimento verdadeiro. A partir da Revolução Copernicana, pode-se identificar no campo filosófico uma revolução assimétrica que será conhecida como a Revolução Copernicana Kantiana, referente à concepção do conhecimento de Kant e que promoverá uma mudança na maneira de ver o processo do conhecimento humano, a ser estudada no próximo capítulo deste ensaio dissertativo.

18 17 3 ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO FILOSÓFICA PROPOSTA POR KANT As teorias sobre a construção do conhecimento humano, assim como muitas análises dos métodos educacionais, tiveram sua gênese construtiva na leitura dos pensadores clássicos que foram suporte para a análise sobre o estudo da natureza da gnosiologia humana. Sendo assim, entender como acontece o processo do conhecimento no ser humano e como se dá a aquisição do mesmo tem sido motivo de grandes debates ao longo da história da filosofia. Com relação à perspectiva do conhecimento, reporta-se aos filósofos desde a antiguidade, em que se visualizam em Platão ( a.c.), a título de exemplo, partir da teoria das ideias e do mundo sensível às bases de sua teoria do conhecimento. Sobre o sentido da educação e a questão do conhecimento, Platão (1965), no Livro VII da sua obra República expressa: A educação é, portanto, a arte que se propõe este fim a conversão da alma, e que procura os meios fáceis e mais eficazes de operá-la; ela não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já o possui; mas como ele esta mal disposto e não olha onde deveria, a educação se esforça por levá-lo a boa direção (PLATÃO, 1965, p.110). Em Aristóteles ( a.c), na perspectiva de entender a construção do saber, se observa o homem como um ser político, pelo fato de nascer e se envolver em uma sociedade, começando pelo terreno familiar, ou seja, por ser sociável, necessitar refletir e pensar sobre suas ações no meio em que vive. Sobre a questão do conhecimento, no que se refere aos caminhos para se chegar à verdade, o autor, destaca: O projeto aristotélico torna-se, então, o de forjar um instrumento mais seguro para a constituição da ciência: o Organon. Nele a dialética é reduzida a condição de exercício mental que, não lidando com as próprias coisas, mas com as opiniões dos homens sobre as coisas, não pode atingir a verdade, permanecendo no âmbito da probabilidade (ARISTÓTELES, 1987, p. 19). Na tendência medieval, as questões do conhecimento estão vinculadas a ideias metafísicas, com a fundamentação teológica para a solução dos questionamentos sobre a construção do conhecimento. Autores como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino vão fundamentar a prerrogativa gnosiológica, voltando-se para a importância do conhecimento revelado, assim como da fundamentação da teoria conhecimento, pautada em uma prerrogativa que segue o Teocentrismo. Desta forma, no viés histórico sobre as teorias do conhecimento, observa-se que desde a Filosofia Antiga, com pensadores clássicos conhecidos (Platão e Aristóteles), está

19 18 presente a valorização de dois modos de conhecer: a razão e a experiência. No entanto, na época moderna, esse debate ganha força e vitalidade diferenciadas. Na Idade Moderna 7, no campo de estudos da filosofia, os problemas gnosiológicos tiveram grande enfoque, foram fundamentais à construção do pensamento e também possibilitaram novas bases e princípios à filosofia e ao conhecimento científico. Perguntas como: O que o homem pode conhecer? Como se dá o conhecimento? Por onde começa o processo cognitivo humano? Foram indagações filosóficas decisivas que fundamentaram grandes discussões em torno do processo do conhecimento nos centros intelectuais filosóficos. Esses debates propuseram uma ruptura de paradigmas que se apresentam nesse contexto moderno e que foram marcantes à história da filosofia, fomentando maiores discussões e reflexões sobre o processo do conhecimento, sendo pertinente, nessa época, à busca de fundamentos para construção de um conhecimento validável. Esse olhar sobre a caracterização da história da ciência moderna, a identificação do paradigma da ciência moderna e a argumentação acerca das características dos saberes emergentes e das possíveis consequências da teoria do conhecimento moderno com a construção kantiana, busca visualizar a questão do problema do conhecimento no pensamento moderno. Cabe ressaltar, que nesse contexto moderno, também foram ocorrendo transformações dos diferentes campos dos saberes através do desenvolvimento do conhecimento científico, da busca pela otimização da produção do conhecimento e as possibilidades construções científicas nos campos sociais, culturais, políticas e econômicas da época, que atingiram um alto patamar de produção com novas descobertas nas diferentes áreas da ciência. Quando se começou a tratar a questão do ato cognitivo como central para a produção dos instrumentos metodológicos no contexto moderno, o embate de teorias entre empiristas e racionalistas foi um divisor de águas. No campo das teorias filosóficas, as construções pertinentes no contexto moderno foram se constituindo pela retomada de textos clássicos dos filósofos na antiguidade, como Aristóteles e Platão, mas, também, pelas elucidações filosóficas que começaram a ser desenvolvidas na modernidade. 7 Segundo Chassot (2004), a Idade Moderna é um período que vai de parte do século XV até o fim do século XVIII e foi demarcado pela passagem do feudalismo para o capitalismo. Surgiram novas questões políticas e econômicas, a reforma da igreja, entre outros acontecimentos que marcaram essa época e que visualizam essa mudança e efervescência nos diversos campos do saber, sendo também pertinente na filosofia.

20 19 Nas construções filosóficas da modernidade, anteriores a Kant, se observou, na construção e gênese do conhecimento humano, como já foi pontuado neste texto, o enfoque em dois meios de conhecer do pensamento humano: um mais voltado para a racionalidade, em que só se podia conhecer verdadeiramente pela abstração feita pela razão: racionalismo. Ou seja, uma defesa por parte dos filósofos, caracterizados racionalistas, que acabam por promulgar a dimensão do conhecimento marcado pela possibilidade do ato cognitivo somente pela abstração, por meio do método da razão. Isto é, conhecimento verdadeiro e universal é destituído de qualquer possibilidade que envolva a experiência, pois os sentidos não vão propiciar conhecimento verdadeiro. Esta perspectiva é bem visualizada na construção dedutiva 8 da matemática. Em contrapartida, as ideias racionalistas, e de forma rigorosa, outro grupo de filósofos modernos, construía suas elaborações filosóficas com o foco na importância da experiência para se chegar verdadeiramente ao conhecimento: os empiristas 9. Essas duas maneiras de entender o conhecimento, de situar o pensamento epistemológico, com enfoques e pontos de partida diferenciados sobre como se dá o processo de conhecimento no ser humano e, também, quais as fontes que o originam, vão demarcar posições distintas de pensadores e teóricos, sendo influenciadoras na elaboração da teoria do conhecimento de Kant. Com referência a essa forte presença do empirismo e racionalismo, Padovani (1962, p. 233) acentua que: Depois da renascença 10 e da reforma religiosa 11, o segundo grande período da história do pensamento moderno é representado pelo empirismo e pelo racionalismo, tendências paralelas que abrangem os séculos XVII e XVIII. Ainda, segundo Padovani, (1962, p. 234) são encontrados alguns aspectos comuns relacionados às duas correntes filosóficas: Com efeito, o empirismo e o racionalismo - esses dois movimentos poderosos de pensamento [...] atuaram durante quase dois séculos, digamos assim, encerrados na mente de grandes pensadores solitários e em ambientes de cultura. 8 Discurso que começa por um número de regras assumidas como premissas, e que pode sempre assumir como regra toda proposição deduzida daquelas premissas e em conformidade com as regras que elas prescrevem (ABBAGNANO, 1962). 9 Saber como de fato ocorre o processo do conhecimento no ser humano, bem como, se este ocorre pela experiência ou pela razão, tornou-se tarefa de importância elevada na construção filosófica da época e teve suporte em diferentes teorias, das quais, neste ensaio, serão enfocadas as que evidenciam as duas perspectivas para posteriormente adentrar na revolução Kantiana. Esse momento será a pedra mestre para entender os pressupostos que suscitaram na Revolução Kantiana. 10 Renascença: entende-se por este termo o movimento literário, artístico, científico e filosófico que vai desde o fim do século XIV até o fim do século XVI e que se difundiu da Itália para os outros países da Europa (ABBAGNANO, 1962). 11 Reforma: a renovação da vida religiosa na Europa do século XVI pelo retorno às origens do Cristianismo. [...] foi iniciada pela obra do monge agostiniano Martinho Lutero [...]. (Idem, p. 807).

21 20 Entender como se pode chegar ao conhecimento verdadeiro é tarefa fundamental para a constituição do cenário moderno e, obviamente, para a metodologia científica que, nessa época, está vinculada ao saber filosófico na tentativa de construção de um método científico que propicie a validação do conhecimento. Cabe explicitar, então, que entender a tentativa de construção da Teoria do Conhecimento pela visão tanto racionalista como empirista, anterior a Kant, é fundamental para compreender a revolução kantiana, bem como, situar essa revolução no contexto moderno. Nesse sentido, procedemos à elucidação de ideias, num primeiro momento, sobre os filósofos racionalistas e, posteriormente, sobre os filósofos denominados empiristas. 3.1 SITUANDO O PENSAMENTO DOS RACIONALISTAS Com relação ao pensamento moderno e às transformações científicas e filosóficas que esta época trouxe ao cenário mundial, é importante trazer à luz da discussão, o processo de construção do conhecimento a partir da teoria dos filósofos conhecidos como racionalistas. Hessen (2000, p. 36) afirma que o racionalismo vê na razão, no pensamento, a principal fonte do conhecimento humano: Segundo o racionalismo, um conhecimento só merece realmente esse nome se for necessário e tiver validade universal. Neste aspecto, fica evidente a tendência extrema do racionalismo de valorizar as condições racionais como os pilares da construção do verdadeiro conhecimento. É pertinente observar que essa perspectiva constitui, em sua construção, a formulação de princípios que são base para o conhecimento, como é o caso da construção dos princípios da lógica. Ainda em Hessen (2000, p. 36), pode-se encontrar um olhar afirmativo sobre o racionalismo: Se minha razão julga que deve ser assim, que não pode ser de outro modo e que, por isso, deve ser assim sempre e em toda parte, então (e só então), segundo o modo de ver do racionalismo, estamos lidando com um conhecimento autêntico. A partir dessa concepção, percebe-se que ocorre uma relação do racionalismo com a expressão dos juízos: [...] ocorre algo assim quando, por exemplo, eu expresso o juízo o todo é maior do que a parte ou todos os corpos são extensos " (HESSEN, 2000, p. 36). Na óptica racionalista, afirmar a construção do conhecimento pela razão é pautar uma metodologia de análise das teorias do conhecimento, que deveria desvincular-se da relação do conhecimento com os sentidos. Isto é, era preciso traçar um caminho no qual o conhecimento seria organizado na perspectiva da abstração racional, com a predominância

22 21 das faculdades da mente humana para propiciar esse conhecimento. Neste ponto, é a mente humana, através da razão, que conhece, não sendo a experiência, ponto de apoio para a promoção do conhecimento por ser falha e enganadora, de acordo com os racionalistas. No que se refere ao posicionamento racionalista, também Bazarian (1988, p. 100) assegura: Ao contrário dos empiristas, afirmam que os sentidos nos enganam e nunca podem conduzir a um conhecimento verdadeiro, pois que o mundo da experiência continua em contínua mudança e alteração. Assim sendo, a posição do racionalismo aborda o conhecimento humano pelo aspecto da abstração via método racional, sendo que a possibilidade empírica aqui não terá importância nessa construção filosófica, uma vez que somente é admitida a possibilidade de um conhecimento coerente e válido pela atividade racional. Isto é, a razão é tida como a fonte principal do conhecimento, tendo em vista que o conhecimento sensível é enganador e não consegue possibilitar a validação e universalização. Ainda sobre sua significação, é importante ressaltar que o racionalismo não é construção e privilégio da época moderna, ou seja, desde a antiguidade com os filósofos clássicos, pode-se auscultar essa tendência de entender a construção do conhecimento pelo viés da razão. Sobre essa construção da razão na antiguidade, com Platão e os Eleatas, é valido ressaltar: Encontramos a forma mais antiga de racionalismo em Platão. Ele está convencido de que todo saber genuíno distingue-se pelas notas características da necessidade lógica e da validade universal. O mundo da experiência está em permanente mudança e modificação (HESSEN, 2000, p. 37). Hessen (2000) reforça a perspectiva da gênese do racionalismo ao afirmar que existiria na construção Platônica a ideia de que os sentidos jamais seriam possíveis de fornecer conhecimentos genuínos. Estes seriam mencionados como partícipes do mundo sensível, não vistos como episteme, mas sim como doxa, isto é, opinião. Sob esta perspectiva, Platão, segundo Hessen, apontaria a necessidade do mundo suprassensível: Se não devemos, pois, desesperar da possibilidade do conhecimento, deve haver, além do mundo sensível, um mundo suprassensível do qual nossa consciência cognoscente retira seus conteúdos. Platão chama esse mundo suprassensível de mundo das ideias (HESSEN, 2000, p. 37). A construção do racionalismo, desde sua constituição em Platão, dá vasão à ideia de um debate essencial desde a antiguidade, o que com o surgimento da época moderna toma forças e amplia ainda mais a busca de métodos e maneiras de entender a construção do

23 22 verdadeiro conhecimento por meio da razão. Na antiguidade, essa perspectiva situa-se em torno da concepção Platônica, descrita como a busca do mundo ideal e vai se reformulando na construção da Teoria Racionalista Moderna. Na tendência do racionalismo moderno o autor esclarece: Outra forma do racionalismo irá alcançar, no século XVII, uma importância ainda maior. Podemos encontrá-la no fundador da filosofia moderna, Descartes, e em Leibniz, continuador de sua obra. É a doutrina das idéias conatas ou inatas (ideae innatae), cujas primeiras pegadas já encontramos na última fase do estoicismo (Cícero) e que irá desempenhar um papel tão importante na modernidade. Segundo ela, há em nós um certo número de conceitos inatos, conceitos que são, na verdade, os mais importantes, fundamentadores do conhecimento. Eles não provêm da experiência, mas constituem um patrimônio original de nossa razão (HESSEN, 2000, p. 39). Torna-se, assim, visível a tomada de posição do racionalismo, ocorrendo a validação do conhecimento através da atividade racional, em que é possível maior coerência e compreensão. Quer dizer, no racionalismo a partir da constituição de raciocínios lógicos, da perspectiva de universalização do saber, o conhecimento é pautado nas construções racionais, destituídas da experiência. Ainda no que confere à definição da conceituação de racionalismo que se faz necessária, para o entendimento da corrente filosófica aqui observada e, em especial, no que concerne a esta posição por parte dos racionalistas, a respeito do processo do conhecimento humano e cabível de validação baseado na construção racional destituída de qualquer tomada empírica. Em Bazarian (1988, p. 100), podem ser verificados aspectos da Teoria Racionalista quando menciona o racionalismo referindo-se a uma [...] doutrina que afirma que a razão humana, o pensamento abstrato, é a única fonte do conhecimento da verdade. O autor (idem, p. 100), ainda acrescenta que segundo o racionalismo, um conhecimento é verdadeiro somente quando é logicamente necessário e universalmente válido. Esse conhecimento pode ser alcançado pela razão. Portanto, tem-se de forma clara a pretensão racionalista da valorização da abstração racional, como meio possível de alcançar o conhecimento com maior validação e, também, nessa corrente de pensamento, os aspectos vindos dos sentidos e da atividade empírica são considerados insuficientes para se chegar à verdade do conhecimento, sendo considerados como uma fonte confusa, obscura e provisória de verdade. A experiência sensível é tida em um segundo plano na questão do processo conhecimento.

24 23 Há, por conseguinte, uma defesa muito perceptível do conhecimento por meio do método racional, no qual os racionalistas também afirmam que o conhecimento empírico é limitado e não é passível de universalização, visto que ele está condicionado à atividade sensível que é passageira e mutável, sendo restrita apenas ao campo da experimentação. Em Bazarian (1988, p. 100), tem-se uma afirmativa dessa defesa racionalista quando o referido autor expressa que o [...] ponto fraco dos empiristas é a subestimação do papel da razão, do pensamento abstrato, e a sua diferença qualitativa em relação ao conhecimento empírico. Dentre os filósofos considerados como expressões do pensamento racionalista, podese citar René Descartes ( ), Baruch Spinoza ( ) e também Christian Wolf ( ), que para melhor fundamentar o racionalismo, apresentam a questão do processo do conhecer, bem como, o seu posicionamento filosófico na problemática gnosiológica. Desse modo, a proposta de uma abordagem desses filósofos, tendo em vista a oposição ao pensamento empirista e, também, para, posteriormente, tornar possível a compreensão da perspectiva de Kant e da Revolução Copernicana Kantiana. Na perspectiva do racionalismo, René Descartes é considerado um dos eixos centrais desta corrente. Padovani (1962, p. 235) expressa que Descartes é considerado [...] o fundador do racionalismo moderno e da filosofia moderna [...] afirma ser o único método da ciência o método racionalista, dedutivo, próprio da matemática [...]. Com relação a essa caracterização cartesiana referente à tomada de posição racionalista, é possível destacar a presença dessa identificação e objetivação da construção do conhecimento com base no método provindo da razão. René Descartes, na construção da sua teoria gnosiológica consolida a atividade racional como a fonte do conhecimento quando expressa que o pensamento é o meio possível de formulação e construção da realidade e que a mente é que vai pensar a realidade. Retornando a Padovani, nessa pretensão cartesiana que vai valorizar o conhecimento na perspectiva intelectiva, tem-se: A essência da alma cartesiana está no pensamento. Com a palavra cogitatio Descartes entende toda a atividade psíquica, espiritual. Nesta atividade ele reconhece, todavia, uma primazia originária do pensamento, isto é, do conhecimento intelectual. Em face ao conhecimento intelectual é desvalorizado totalmente o conhecimento sensível. [...] finalmente, o mundo dos sentimentos, das emoções, das paixões é desvalorizado por Descartes. Em campo prático, como a sensação o fora em campo teórico (PADOVANI,1962, p. 237).

25 24 Dessa forma, observa-se que o pensamento em Descartes tem papel essencial na construção no homem e é só por meio do método racional, através da dúvida metódica, que se torna possível alcançar e fundamentar o conhecimento. Descartes em sua obra Regras Para Direção do Espírito (1989, p. 31) argumenta acerca da importância da constituição mental e sua inferência na construção do conhecimento: Todo o método consiste na ordem e disposição dos objetos para os quais é necessário dirigir a penetração da mente, a fim de descobrirmos alguma verdade. Ou seja, por meio do método racional, com a presença da dúvida cartesiana, o conhecimento vai acontecendo, sendo que os sentidos e a perspectiva empírica são falsos e enganosos. Além de Descartes, cabe destacar a significativa contribuição no pensamento racionalista de Spinoza, que defende também o conhecimento provindo do esforço racional. Padovani, (1962) posiciona-se com relação a esse filósofo destacando, em especial, a desvalorização do conhecimento sensível: A respeito do conhecimento sensível (imaginatio), sustenta Spinoza que é ele inteiramente subjetivo. No sentido de que o conhecimento sensível não representa a natureza da coisa conhecida, mas oferece uma representação em que são fundidas as qualidades do objeto conhecido e do sujeito que conhece e dispõe tais representações numa ordem fragmentária, irracional e incompleta (PADOVANI, 1962, p. 244). Referente à questão do posicionamento racionalista de Spinoza, esta perspectiva também pode ser identificada segundo o autor: A primeira forma de conhecimento é a forma empírica, ou seja, a forma ligada às percepções sensoriais e ás imagens, que segundo Spinoza, são sempre confusas e vagas. [...] Com efeito, elas se revelam restritas a acontecimentos particulares, não mostrando os nexos e concatenações das causas, ou seja, a ordem universal. [...] O conhecimento do segundo gênero, que Spinoza chama de ratio, ou seja, é o conhecimento que encontra sua expressão típica na matemática, na geometria e na física (a física do tempo de Spinoza). [...] diferentemente do primeiro gênero de conhecimento, o conhecimento racional capta clara e distintivamente não só as ideias, mas também os seus nexos necessários (aliás, pode-se dizer que só se têm ideias claras quando se captam os nexos que ligam as idéias entre si). O conhecimento racional, portanto, capta as causas das coisas e o encadeamento das causas, compreendendo a sua necessidade (REALE, 2003, p ). Com relação à abordagem racionalista de Wolf, afirma-se, pelo seu posicionamento filosófico, que este irá influenciar diretamente na teoria de Kant. Reale (2003, p. 824) comenta a respeito do pensamento do autor: Segundo Wolff, as relações entre a alma e o corpo são reguladoras pela harmonia preestabelecida do ponto do qual ele também segue Leibnz. Ainda para (Wolff apud REALE, 2003, p. 824) a racionalidade está vinculada à demonstração:

Por que Kant compara sua filosofia a revolução iniciada por Copérnico na astronomia?

O termo Revolução Copernicana diz respeito a uma analogia que Kant faz com a proposta de Copérnico, na passagem do antropocentrismo para o heliocentrismo, em que o mesmo poderia ser aplicado na metafísica, deslocando o sujeito da periferia do conhecimento para colocá-lo no centro.

Em que sentido a revolução causada por Kant no âmbito da filosofia pode ser comparada à causada pro Copérnico na astronomia?

Resposta verificada por especialistas A revolução causada pelo pensamento de Kant se compara aquela promovida pelas ideias de Copérnico na medida em que mudaram o próprio modo como concebíamos coisas que até então pareciam óbvias.

Por que Kant revolucionou a filosofia?

O idealismo transcendental kantiano construiu uma complexa teia de conceitos para explicar que nem o empirismo estava certo e nem o racionalismo explicava plenamente o conhecimento humano. Para Kant, o conhecimento é obtido com base na percepção do que ele chamou de “coisa em si”, que é o objeto.

Qual a analogia que Kant faz entre a sua filosofia e a revolução e científica?

Conquanto, a segunda consiste na modificação do caminho, quando se almeja o conhecimento a priori. Antes, trilhava-se tal via do objeto para o sujeito e, a partir da proposta kantiana, o percurso deve ser feito do sujeito para o objeto. Com esta mudança de caminho, consolida-se algo semelhante à revolução de Copérnico.